A Constituição Federal, em seu art. 226, reconhece a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, sendo esta considerada a convivência duradoura pública, contínua, com o propósito de constituir uma família, sendo dispensada qualquer formalidade para o seu reconhecimento, operando-se em regra os efeitos patrimoniais da comunhão parcial dos bens. A este respeito, o Código Civil, em seu art. 1.725, prescreve que “na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.
 
Por razões de segurança jurídica, as partes podem optar pela celebração de contrato de convivência, por instrumento particular ou público, especialmente para a fixação de regime patrimonial de bens diverso do da comunhão parcial de bens, como por exemplo o da separação total de bens. Por questão lógica, a partir de um certo instante o namoro pode se convolar em união estável, com a presença dos atributos exigidos no art. 1.723 do Código Civil (convivência pública, contínua e estabelecida com o objeto de constituição de família), e a eventual formalização da união estável, mediante contrato específico, somente ocorre posteriormente, podendo ser celebrado a qualquer tempo pelos conviventes.
 
Sendo assim, afigura-se comum e natural que, por ocasião da celebração do contrato de união estável, haja a previsão de cláusula com eficácia retroativa, em que se declara a ocorrência de união estável pré-existente; isto é, declaração espontânea e livre dos companheiros, dando conta do início da união estável (fato pré-existente) e eventualmente o regime patrimonial, quando há a intenção de afastar o regime da comunhão parcial. Em outros termos, o Código Civil, em seu art. 1.725, prevê, no que se refere ao regime patrimonial de bens na união estável, uma norma jurídica dispositiva, segundo a qual, não havendo manifestação em contrário dos conviventes em instrumento por escrito, prevalecem as normas da comunhão parcial de bens.
 
Em decisões que desprezam por completo o princípio da autonomia privada, o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que o contrato de união estável, quando estabelece regime patrimonial de bens distinto do da comunhão parcial de bens, não tem eficácia retroativa, de sorte que os casais, que registraram união estável em cartório e optaram pelo regime da separação total de bens para todos os anos passados da convivência, correm o sério risco de ter o acordo anulado pelo Poder Judiciário.
 
Em julgamento realizado em 17.08.2021, a 3ª Turma do STJ decidiu que não é possível a celebração de escritura pública modificativa do regime de bens da união estável com eficácia retroativa, especialmente porque a ausência de contrato escrito convivencial não pode ser equiparada à ausência de regime de bens na união estável não formalizada, de sorte que às uniões estáveis não formalizadas em contrato aplica-se o regime legal da comunhão parcial de bens, não se admitindo uma escritura pública posterior com efeito retroativo.