É possível concluir que a utilização exclusiva do imóvel por um dos cônjuges ou companheiros importa no dever de indenização àquele que é privado de utilizá-lo, sendo necessária apenas a aferição clara e inequívoca da quota correspondente a cada uma das partes
O marco principal do término de um casamento ou de uma união estável comumente corresponde ao ato de uma das partes em deixar o imóvel comum que servia de residência do casal.
No Direito de Família, esse período em que o casal resolve encerrar a sociedade conjugal sem recorrer aos meios legais para formalizar a separação de corpos é denominado separação de fato.
Para evitar que uma das partes seja prejudicada com essa situação corriqueira, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que o ex-cônjuge ou o ex-companheiro(a) que utiliza o bem imóvel do casal de forma exclusiva, deve indenizar aquele que foi privado de utilizá-lo, desde que seja possível determinar o percentual devido de cada um deles, no caso concreto.
E sobre este tema, o presente texto pretende fazer algumas ponderações, pois cada caso deve ser visto com cautela diante das variáveis existentes em um núcleo familiar.
Durante a vigência do casamento ou da união estável, o patrimônio do casal é regido pelo regime da mancomunhão, isto é, ambos figuram como coproprietários e possuidores do bem de forma igualitária, sem qualquer distinção, preferência ou divisão.
No entanto, quando há a separação de fato, ou o divórcio ou a dissolução da união estável, o patrimônio comum subsiste sob a forma de condomínio, enquanto não ultimada a partilha. Nessa linha, é o entendimento do STJ; veja-se:
Assim, enquanto não dividido o imóvel, a propriedade do casal sobre o bem remanesce, sob as regras que regem o instituto do condomínio, notadamente aquela que estabelece que cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa, nos termos do art. 1.319 do CC/02. Assim, se apenas um dos condôminos reside no imóvel, abre-se a via da indenização àquele que se encontra privado da fruição da coisa, indenização essa que pode se dar mediante o pagamento de valor correspondente a metade do valor estimado do aluguel do imóvel.”
Ao aplicar o julgado acima referido ao caso concreto, infere-se que a caracterização do condomínio ocorre apenas quando há a possibilidade de identificar com clareza a quota-parte de cada um. Do contrário, isto é, no caso de litígio quanto ao percentual de cada ex-cônjuge, o estado de mancomunhão dos bens subsiste até o momento da decretação da partilha judicial.
Nesse contexto, surge também a seguinte reflexão: reconhecer o fim da mancomunhão de bens apenas quando for possível determinar a quota de cada um não acarretaria enriquecimento ilícito daquele que permanece na posse exclusiva do imóvel?
Pela lógica, a resposta seria sim. Contudo, fixar aluguéis quando o percentual de cada ex-cônjuge em relação ao bem é controverso ou de difícil identificação, poderia ocasionar o risco de a fixação ser maior do que aquela a que faz jus o postulante, ocasionando, de forma igual, o enriquecimento sem causa de uma das partes.
Sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça é pacífico ao adotar o entendimento de que o estado da mancomunhão converte-se em condomínio apenas quando a quota-parte de cada um é cristalina e certa:
Assim, uma vez reconhecido a existência de um condomínio, a cobrança de aluguéis em decorrência do uso exclusivo do bem decorre do art. 1.319 do Código Civil, o qual dispõe que “cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou”.
O entendimento da doutrina e da jurisprudência quanto ao tema decorre de interpretação positivista do texto legal, ao considerar que, da indenização devida pelo uso exclusivo do imóvel, deve-se abater o percentual correspondente à quota-parte do usuário.
A razão disto também decorre da vedação legislativa ao enriquecimento sem causa, consonante leciona Anderson Schereiber:
Se apenas um dos condôminos utiliza do imóvel, os outros poderão propor uma ação de arbitramento de aluguel a fim de que não se permita o locupletamento de um em detrimento dos demais. Esse expediente poderá ser usado, inclusive, enquanto tramita a ação de extinção de condomínio. O fundamento do referido pleito é o princípio geral do direito que veda o enriquecimento sem causa positivado que se encontra no art. 884 do Código Civil, que assim se exterioriza: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Pondera-se, no entanto, que, na hipótese de divergência entre as partes, necessário se faz a avalição judicial ou pericial quanto ao valor para a base de fixação do aluguel.
Importante, também, verificar o caso concreto, pois é muito comum os filhos do casal residirem no imóvel. Nesse caso, não parecer ser justo o ex-cônjuge ser obrigado a pagar aluguel para o outro, na hipótese em que o filho de ambos também reside no imóvel.
Essa questão é polêmica, e cada tribunal tem decidido de acordo com o caso concreto. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal teve a oportunidade de enfrentar o tema e posicionar-se no sentido de que é possível fixar aluguel de imóvel objeto de partilha na hipótese em que a mãe possui a posse exclusiva do imóvel, ainda que o referido imóvel seja utilizado como moradia do filho menor.
No caso dos autos, o Tribunal esclareceu que “ainda que o casal possua uma filha menor, isto não influi no fato de que a requerida vem residindo no imóvel com exclusividade, em especial pelo fato de que o genitor paga alimentos mensais à criança, cumprindo seu papel no custeio das necessidades da infante, inclusive no que tange a moradia”.
Nesta esteira, a ex-esposa foi condenada a efetuar o pagamento de metade do valor do aluguel para o ex-marido, que se viu impossibilitado de fruir de bem a que também tem direito.
Em outro caso, o STJ entendeu que se o ex-cônjuge habitar no imóvel do ex-casal com a prole em comum, arcando sozinho com o sustento dos menores, o outro não tem direito ao arbitramento de aluguel. Entende-se que, neste caso, não há enriquecimento ilícito do ex-cônjuge que, apesar de residir no imóvel do casal, arca com as despesas do menor.5
Desse modo, em síntese, é possível concluir que a utilização exclusiva do imóvel por um dos cônjuges ou companheiros importa no dever de indenização àquele que é privado de utilizá-lo, sendo necessária apenas a aferição clara e inequívoca da quota correspondente a cada uma das partes. Porém, compete a cada um dos operadores do Direito adotar medidas modernas, efetivas e pertinentes em relação ao caso concreto, sob pena de subtrair-se o espírito das leis e a real vontade das partes.
O ideal é estimular o diálogo entre os cônjuges, a fim de buscar uma melhor alternativa juntos, especialmente para possibilitar que essa mudança na vida afetiva de ambos tenha um desfecho menos doloroso, sobretudo, ao preservar os menores, na medida em que uma solução conjunta e amigável traz aos envolvidos o poder de decisão sobre suas próprias vidas e rotinas, sem que haja a necessidade de ingerência de um terceiro imparcial (Poder Judiciário), que é alheio à vida do casal.