O dilema ético e jurídico da posse dos embriões em caso de dissolução do casal

 

Olá, queridos leitores! Na coluna de hoje, abordaremos o tema da reprodução humana assistida. O assunto está  cada vez mais frequente nas notícias, especialmente com casos como o do comediante Fábio Porchat, que optou por congelar óvulos, espermatozoides e embriões em uma clínica para garantir o direito ao planejamento familiar em um momento conveniente. No entanto, esse momento nem sempre chega e muitas vezes este projeto de parental é desfeito por diversas razões, como a morte ou divórcio das pessoas envolvidas, resultando em disputas que acabam na justiça.

 

É importante destacar que o Brasil não possui uma lei específica que trate de reprodução assistida. O Código Civil brasileiro contém presunções de paternidade no caso do uso de técnicas; a Lei de Biossegurança permite a pesquisa de células-tronco a partir de embriões congelados há mais de três anos ou que não são viáveis; e o CNJ – Conselho Nacional de Justiça regula o registro civil de pessoas nascidas através do uso de técnicas, mas não aborda o assunto de forma completa. Neste contexto, as resoluções do CFM – Conselho Federal de Medicina, padrões éticos aplicados aos profissionais da área, vêm “preenchendo” essa lacuna legislativa, desde 1992, quando foi editada a primeira resolução que regulamentou o assunto.

 

A demanda por técnicas de reprodução tem crescido exponencialmente e, como consequência, o destino dos embriões criopreservados é um assunto cada vez mais relevante. De acordo com os dados do SisEmbrio, foram registrados os seguintes números:

 

  • 80.575 ciclos realizados entre 2020 e 2021, com um aumento de 32,72% no número de ciclos realizados em 2021 em comparação a 2020;

 

  • 202.875 embriões congelados durante esse período, com o estado de São Paulo sendo responsável por congelar 106.106 embriões;

 

  • 34.050 embriões transferidos e 101.729 embriões descartados.

 

Avanços a partir do ponto de vista jurídico, especialmente o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADPF 132  das uniões homoafetivas como entidades familiares, com a extensão de  todos os direitos, incluindo o direito ao livre planejamento familiar, e a luta crescente pelo empoderamento e autonomia feminina, também afetam a procura por alternativas de fertilização. Porém, o alto custo dos procedimentos e a baixa oferta pelo SUS – Sistema Único de Saúde ainda são obstáculos importantes ao acesso pela população.

 

No intuito de afastar dúvidas quanto ao destino dos embriões, o Conselho Federal de Medicina (CFM), através da recente editada Resolução nº 2320/2022, determina que os pacientes devem deixar por escrito o destino desejado para esses embriões, em caso de morte ou divórcio, tais como doação, descarte ou implantação. No entanto, a realidade tem se mostrado problemática e casos de arrependimento são comuns.

 

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT)  julgou um caso no qual um casal havia deixado por escrito na clínica de reprodução que, em caso de divórcio, os embriões ficariam com a mulher. No entanto, após o divórcio, o homem ingressou com uma ação na justiça alegando que não autorizava mais a implantação dos embriões em sua ex-esposa, uma vez que o projeto parental havia terminado. A mulher argumentou que não tinha mais condições de ser mãe biológica e que confiou na validade do acordo.

 

O Tribunal concluiu que a manifestação de vontade dos genitores sobre o destino dos embriões é exigida pelo CFM, mas pode ser modificada ou revogada a qualquer momento em homenagem ao princípio da autodeterminação no planejamento familiar e da paternidade responsável. É importante destacar que o Processo de nº 07025011720198070011  tramita em segredo de justiça.  No entanto, para a mulher que não tem mais óvulos e não pode usar os embriões formados a partir de seus óvulos, infelizmente, não há muito o que fazer, a não ser buscar eventual indenização pela perda de uma chance.

 

Chegamos à conclusão que estes casos que estão sendo discutidos nos tribunais mostram que, apesar das normas éticas existentes, elas não são suficientes para resolver eventuais disputas que envolvem direitos tão importantes como são os direitos da personalidade e a filiação. Nesse cenário, é necessária uma legislação específica para garantir a segurança jurídica de todos os envolvidos.

 

Fonte: Folha de Pernambuco

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