No apagar das luzes de 2022, foi publicado o artigo intitulado “A adjudicação compulsória na via extrajudicial” nesta coluna1.

 

Neste interregno, o Congresso Nacional afastou certos vetos presidenciais, que tinham como alvo o presente procedimento extrajudicial, previsto no art. 216-B da Lei dos Registros Públicos2. Foram derrubados na sessão de 22/12/2022, os quatro vetos que restavam apreciar da Medida Provisória nº 1.085/2021, transformada na lei 14.382/2022.

 

No presente artigo, examinar-se-á os efeitos da publicação dos vetos, os quais se relacionam à prescindibilidade do registro do compromisso de compra e venda e a exigência de ata notarial para a consecução do registro. O exame iniciará pela problemática do ingresso do título de compromisso de compra e venda, a sua cessão ou promessa de cessão, ou sucessão no fólio real.

 

O projeto original, em seu art. 10 incluía o § 2º ao art. 216-B da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, ao que se transcreve, in verbis:

 

“§ 2º O deferimento da adjudicação independe de prévio registro dos instrumentos de promessa de compra e venda ou de cessão e da comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor.”

 

As razões do veto eram de índole fiscal. O registro dos instrumentos de promessa de compra e venda ou de cessão prescindíveis, bem como a comprovação do pagamento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis e Direitos Reais sobre Imóveis – ITBI e da regularidade do pagamento de tributos federais e contribuições previdenciárias são relevantes nas garantias dadas para o crédito tributário e previdenciário, de acordo com o Ministério da Economia – extinto recentemente3.

 

Não obstante, à razão enunciada subjaz o Direito Civil. A promessa de compra e venda, irretratável e irrevogável, celebrada por instrumento público ou particular, para constituir o direito real à aquisição, oponível a terceiros, depende do registro (CC, art. 1.417). É este direito real pelo qual se agracia a parte a intentar a adjudicação compulsória perante terceiros, se houver modificação nas partes originais do contrato (CC, art. 1.418).

 

O Superior Tribunal de Justiça considera prescindível o seu registro, segundo o teor da Súmula 2394. Porém, o registro, além de  garantir a oponibilidade perante terceiros, gera uma segurança tanto para o compromissário comprador quanto para o promitente vendedor. O primeiro, com o registro, tem constituído o seu direito real de aquisição, o segundo, por sua vez, desonera-se de eventuais encargos decorrentes do imóvel (tributos, condomínio, etc)5.

 

Ainda assim em paralelo, o Congresso Nacional rejeitou o veto da Presidência da República ao § 2º do art. 216-B da Lei dos Registros Públicos, incluído pela lei 14.382/2022, mantendo-se a desnecessidade de prévio registro dos instrumentos de promessa de compra e venda ou de cessão e da comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor6.

 

O requerimento da adjudicação compulsória deverá, ademais, ser instruído com a comprovação da quitação do imposto de transmissão (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos Reais – ITBI) ou de a sua isenção pela Municipalidade,.

 

Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento com repercussão geral declarada, no Tema 1124, fixou a tese: “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”7.

 

O mesmo Tribunal vai reexaminar a possibilidade de incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) sobre cessão de direitos relativos a compromisso de compra e venda de imóvel. O Plenário, por maioria de votos, acolheu recurso (embargos de declaração) do Município de São Paulo no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 1294969, com repercussão geral (Tema 1124). Com a decisão, a Corte vai rediscutir o mérito da controvérsia levantada pelo Min. Dias Toffoli.

 

Portanto, esta questão tormentosa será objeto de qualificação pelo registrador no procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória. Cabe ressaltar, inclusive, que, no caso de impossibilidade de exigência do ITBI do contribuinte, os registradores de imóveis respondem subsidiariamente.

 

A dificuldade da prova da quitação pode ser suprida pelo interessado por meio de procedimento simples de justificação, como previsto para usucapião (LRP, art. 216-A, § 15)8. Cabe a comprovação em procedimento de justificação administrativa perante o registrador de imóveis (CPC, art. 381, § 5º, rito previsto no 382 e 383).

 

Recomenda José Osório de Azevedo Júnior, que no procedimento judicial alguns recibos antecedentes ao último (porque o derradeiro faz presumir quitados os anteriores – art. 322 do CC). Por analogia caberia a mesma solução9.

 

O requerimento conterá, ainda, o pedido de notificação extrajudicial dirigida ao promitente vendedor, abrindo-se prazo de 15 dias úteis para que ele promova à lavratura da escritura pública final,.

 

Caso se mantenha silente, tal ocorrência será certificada pelo Registrador, a fim de que o requerente possa se dirigir a um Tabelionato de Notas para lavrar a ata notarial.

 

Por fim, no que tange à previsão da ata notarial o quadro é paradoxal. A ata notarial atribui segurança jurídica à relação compromissada, por meio da fé pública do tabelião de notas.

 

Esta foi a razão do veto a exigir a ata notarial como requisito à adjudicação compulsória. O art. 11 do Projeto de Lei de Conversão, adotava o inciso III ao § 1º do art. 216-B da lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a que se transcreve, in verbis:

 

“III – ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade;”

 

Em contrapartida, pode-se alegar que  a exigência da ata notarial seria antieconômica, encareceria e burocratizaria o procedimento.

 

Como explanado, o título de compromisso de compra e venda é plúrimo, podendo ser elaborado tanto por instrumento público quanto por contrato particular (art. 1.417, CC), ou seja, já é naturalmente desburocratizado. A exigência da ata notarial ao final para a realização da adjudicação compulsória poderia  afastar os interessados, por gerar custos e empecilhos a quem já cumpriu às obrigações pactuadas10.

 

No entanto, o veto foi rechaçado em seu exame posterior pelo Congresso Nacional. Assim, permanece necessária a ata notarial11.

 

A doutrina abalizada de João Pedro Lamana Paiva crê ter sido um avanço para segurança jurídica12. Concorda-se com o pensamento do referido autor, uma vez que a participação do Tabelião de Notas no procedimento é essencial para o equilíbrio do sistema.

 

Para a finalização do compromisso de compra e venda, já é obrigatória a lavratura da escritura pública quando da quitação, para que se promova o registro da transmissão efetiva. O procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial serve, justamente, para as hipóteses em que o promitente vendedor se recusa ou não procede à lavratura desta escritura, permitindo que o compromissário comprador vá diretamente no Registro de Imóveis solicitar a adjudicação.

 

A inclusão da obrigatoriedade da ata notarial para que se promova a adjudicação compulsória é condizente com o procedimento comum de registro da transmissão, uma vez que torna compulsória a participação do tabelião de notas nesse processo, para a lavratura de um título que ensejará o registro.

 

A ausência da ata notarial poderia abrir espaço para uma fraude no sistema, fazendo com que o promitente vendedor e o compromissário comprador “combinassem” de não realizarem a lavratura da escritura pública definitiva para que se socorressem da adjudicação compulsória extrajudicial direta, evitando os gastos com os emolumentos notariais.

 

Portanto, a ata notarial não burocratiza o procedimento, mas sim o reequilibra, tornando-o condizente com o registro comum da transmissão pelo compromisso de compra e venda e evita burlas ao sistema do título e modo.

 

Sugere-se, inclusive, como razoável, que seja cobrado por essa ata notarial o mesmo valor de emolumentos cobrados pela escritura pública do respectivo imóvel transmitido.

 

Sejam felizes!

 

Até a próxima coluna!

 

Fonte: Migalhas

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