A herança digital não é uma novidade no mundo do fato, vivemos em um mundo cada vez mais moderno

 

  1. Introdução

 

A internet foi um marco histórico para a humanidade. Vivemos atualmente na sociedade da informação, com incremento cada vez maior dos meios de comunicação. A internet, fruto da revolução digital, especialmente com o surgimento das redes sociais fez um mundo cem por cento conectado, que te permite conectar com uma pessoa em outro pais em questões de segundos, através da tecnologia, o mundo se encontra cada vez mais virtual.

 

Com a evolução tecnológica, a sociedade se distancia cada vez mais do mundo real. Através da praticidade, o mundo virtual te proporciona a solução imediata de várias situações. Com a instalação de um aplicativo, é possível administrar a sua vida financeira sem sair de casa e com as redes sociais, foco do nosso artigo é possível a interação imediata com pessoas distantes, compartilhamento de fotos e vídeos de momentos especiais e exposição de pensamentos pessoais. Não podendo, portanto, negar que além da vida real há também uma vida virtual que merece e precisa do resguardo jurídico.

 

Nesse contexto, observa-se que com o surgimento da internet e todas as diversidades que ela proporciona, fez-se existir um novo mundo e uma nova categoria de bens jurídicos, que são denominados neste estudo como bens digitais. E conforme se observará, essa nova categoria não possui uma regulamentação estatal, sendo muitas das vezes regulados por contratos entre os provedores de serviço e os usuários da rede.  Não sendo possível tratar as dezenas de questões jurídicas que o mundo virtual traz com concepção tradicionais, sendo, portanto, necessário uma regulamentação exclusiva.

 

Desta maneira, o presente trabalho, pretende responder a seguinte pergunta: É possível, após a falecimento do tutor, partilhar seus bens digitais?

 

2.2. Bens digitais

 

Como mencionado, as pessoas interagem o tempo todo via internet e através desta interação, dados são inseridos e compartilhados a todo momento, seja em um cadastro no site, transferência bancaria, compras ou aquisição de bens virtuais, como por exemplo: livros, jogos e músicas digitais.

 

O doutrinador Bruno Zampier (2021) conceitua os bens digitais como sendo bens incorpóreos, que são inseridos na internet, podendo esses bens possuir caráter pessoal e valor econômico.

 

Assim como ocorre no mundo físico, o ambiente virtual também possui bens de valor patrimonial, diante disso, Zampier (2021) dividiu e conceituou os bens em duas categorias, sendo elas os bens digitais patrimoniais e os bens digitais existenciais:

 

O ambiente virtual, assim como ocorre no mundo não virtual, comporta aspectos nitidamente econômicos, de caráter patrimonial, bem como outros ligados inteiramente aos direitos da personalidade, de natureza existenciais. Dessa forma, acredita-se que seja adequada a construção de duas categorias de bens: os bens digitais patrimoniais e os bens digitais existenciais. E, por vezes, alguns bens com esta configuração poderão apresentar com ambos os aspectos, patrimonial e existencial a um só tempo. (ZAMPIER,2021, p. 62)

 

Com a divisão de categorias, é necessário expor alguns exemplos para melhor entendimento. Os ativos digitais patrimoniais são aqueles que possuem valor econômico, conforme já mencionado, e os existenciais são aqueles sem valor econômico, mas com valor sentimental.

 

Os bens existenciais possuem valor sentimental muito forte para os familiares do falecido, diante disso, várias redes sociais já deram um passo à frente permitindo que os usuários decidem ainda em vida a maneira como a sua conta será gerenciada após a sua morte. Livia Teixeira, disserta sobre o assunto em seu artigo: Internet e morte do usuário: a necessária superação do paradigma da herança digital:

 

(…) No contexto da rede, a experiência do luto também passa por um processo de ressignificação, na medida em que os amigos e familiares acabam por conviver com o conteúdo que a pessoa falecida inseriu na internet ao longo de sua vida. Além disso, a internet passa a corresponder a um espaço de ritualização post mortem em alguns casos, já havendo, inclusive, cemitérios digitais, com memoriais de pessoas falecidas, que agregam informações diversas, como nome completo da pessoa, data de nascimento e morte, biografia e razão do falecimento, permitindo que os visitantes enviem mensagens, flores e velas virtuais. (LEAL, 2018, p. 183)

 

Nesta mesma linha de raciocínio Juliana Almeida (2017) discorre sobre os meios já utilizados pelas redes sociais, que através de contrato firmado entre o servidor e o proprietário da rede, autoriza a exclusão da conta ou a transformação do seu conteúdo em um memorial para os seus familiares e amigos. Mas, para que isso ocorra, além da autorização do usuário da conta, precisa ter também um familiar como administrador, para movimentar e acompanhar as homenagens.

 

O twitter, por sua vez, autoriza que os familiares baixem todos tweets públicos e solicitem a exclusão do seu perfil, deste que, os familiares provem através de documentos enviados para a empresa o óbito do proprietário da conta.

 

Após conceituarmos bens digitais e demostrar suas categorias patrimoniais e existenciais, iremos prosseguir os estudos com o atual direito sucessório e após, iremos discorrer sobre a herança digital e a possibilidade de partilha desses bens.

 

2.3. Direito sucessório e herança digital

 

A palavra sucessão tem o significado de transferência, ou seja, transferência do direito de uma pessoa para outra. O Direito Sucessório é o direito que regulamenta a transferência de titularidades após a morte do titular, que chamamos de sucessio causa mortis (sucessão causa morte). Francisco José Cahali conceitua a sucessão da seguinte forma:

 

(…) Opera-se, através desta sequência, a troca de titulares de um direito, afastando-se uma pessoa da relação jurídica e, em seu lugar, ingressando outra, que assume todas as obrigações e direitos de se antecessor. Subsiste o objeto original, mas substitui-se o sujeito na relação, inserindo-se um no lugar do outro. (CAHALI, 2014, p.21)

 

A sucessão no Brasil pode dar-se de duas formas, ope legis (legítima) ou através de testamento. A legitima é resguardada pelo nosso Código Civil em seu artigo 1.829 e dela fazem parte os herdeiros legítimos, que são os descendentes, ascendentes, cônjuges e os colaterais.

 

Ao contrário da sucessão legitima, no testamento o autor pode manifestar desejos que não estão ligados ao seu patrimônio, conforme artigo 1.857 §2º do Código Civil. Podendo testar suas vontades e registrar a forma que quer realizar a distribuição dos seus bens, mas sempre respeitando os requisitos da legitima.

 

A sucessão abrange os bens materiais e imateriais, porém, com a falta de legislação e regulamentação dos bens digitais, fica a cargo dos tribunais decidirem o futuro da denominada herança digital.

 

Sobre o tema, ainda não temos consenso, seja na doutrina, seja na jurisprudência, existindo tão somente a lei 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados que passou a regulamentar o tratamento de proteção de dados de pessoa física e jurídica, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais da pessoa natural.  No entanto, a referida Lei nada dispõe sobre a proteção de dados do falecido ou o direito de personalidade do de cujus.

 

Atualmente, como já mencionado, as redes sociais estão incluindo em seus contratos a opção de escolha para o fim da rede após a morte do proprietário, mas nem sempre foi assim, Segundo McCallig (2014, p120) um dos primeiros casos que envolvem o pedido de acesso a uma conta de rede social foi em 2007 no estado do Oregon nos EUA (Estados Unidos da América). A mãe de um jovem de 22 anos, solicitou acesso a sua conta do facebook após a trágica morte do seu filho devido um acidente de moto. Pela modalidade administrativa a mãe solicitou ao facebook que não desativasse a rede do seu filho, porém  a sua solicitação não foi concedida.  Contudo, ao ingressar com uma ação judicial, teve como acordo o acesso a conta pelo período de dez meses.

 

Ademais, a contenda, tem sido solucionada através de dispositivos constitucionais, civilistas e termos já disponibilizados por alguns serviços de internet, observando sempre o direito da personalidade e o princípio da autonomia da vontade que pode ser registrado através do testamento ou do termo de serviços das redes sociais.

 

Assim, de forma primordial, para solucionar o conflito, o princípio da autonomia privada deve se fazer presente, ficando a cargo do usuário, através do contrato escolher o destino final de suas redes sociais, podendo optar pela exclusão da rede ou a sua transformação em um memorial, conforme já demostrado.

 

Com a morte do titular da conta e a falta de escolha do destino, ficaria a cargo do judiciário analisar caso a caso e verificar se a transferência da conta para um familiar não feriria princípios como o da privacidade, inclusive de terceiros que o falecido mantinha relacionamentos através da rede.

 

Diante de todo o exposto, se faz necessário a criação de uma regulamentação para os bens digitais existenciais, para resguardar direitos, deveres e auxiliar através da conciliação possíveis conflitos de interesse, delimitando os limites de transmissão e de acesso.

 

Fonte: Migalhas

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