A Certidão Negativa de Débitos (CND) é o documento utilizado para comprovar a situação de regularidade das pessoas físicas e jurídicas perante os órgãos competentes para realizar a sua emissão.
A comprovação de regularidade é essencial, especialmente para o exercício profissional de certas empresas, dada sua exigência em diversos trâmites, tais como: habilitação em licitações, concessão de crédito, contratação e liberação de pagamentos realizados por entes públicos e até mesmo em pedidos de recuperação judicial, como vemos em recentes discussões trazidas com a publicação da Lei 14.112/2020.
No entanto, o nosso ordenamento jurídico ainda não demonstra a devida preocupação em garantir a emissão adequada dessas certidões.
Isso ocorre porque, embora o parágrafo único do artigo 205 do Código Tributário Nacional (CTN) estabeleça o prazo de dez dias para seu fornecimento, não há regulamentação prática e efetiva para assegurar a solicitação desse requerimento, mesmo o direito de petição sendo uma garantia fundamental, conforme dispõe o inciso XXXIV do tão consagrado artigo 5.º da nossa Carta Magna.
Essa fragilidade permite, por exemplo, que alguns estados e municípios programem seus sistemas eletrônicos de modo a impedir que uma nova certidão seja requerida enquanto a anterior não perder sua validade.
Tal restrição faz com que empresas que buscam renovar suas certidões de forma frequente, a fim de evitar a necessidade de apresentação de um requerimento aos “45 minutos do segundo tempo”, sejam impedidas de se organizar dessa maneira, desconsiderando as previsões legais citadas.
Para pequenas e médias empresas, essa situação pode parecer distante de se tornar um problema grave, porém, quando combinamos a complexidade percebida em nosso sistema tributário e as adversidades operacionais vivenciadas por grandes players, constatamos que poucos dias podem fazer muita diferença para alcançar o sucesso de um requerimento a tempo de garantir a participação da empresa no ato público desejado.
Diante da situação de complexidade mencionada, por vezes o contribuinte opta pela garantia antecipada de alguns de seus débitos, sendo a contratação de seguro garantia muito comum, por permitir a satisfação desses valores sem comprometer o fluxo de caixa das empresas.
Apesar de o seguro não ser uma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário previstas pelo artigo 151 do CTN, desde 2010 o Superior Tribunal de Justiça (STJ) validou a sua aceitação quando o propósito for a emissão de certidão de regularidade fiscal. [1]
Entretanto, ao recorrer à via judicial, tanto para o ajuizamento de ações cautelares quanto para a impetração de Mandados de Segurança, os contribuintes enfrentam novos obstáculos, como a divergência de entendimento sobre o valor das custas iniciais.
Isso, porque essas ações têm como objetivo somente a obtenção da certidão e não a discussão do débito em si. Nesses casos, entendo que proveito econômico atribuído a causa deveria ser inestimável e não vinculado ao valor do crédito garantido [2]. Todavia, em não raras oportunidades observamos decisões judiciais associando ambos os valores.
Notem bem este contexto, o contribuinte já está se socorrendo ao judiciário por motivo de urgência — se não o fosse, bastaria aguardar a inscrição do débito em dívida ativa e o posterior ajuizamento da execução fiscal — e ainda é levado a recolher custas sobre o valor integral do débito para possibilitar a emissão de sua certidão, mesmo que após o êxito dessa ação, ainda tenha que eventualmente pagar, parcelar ou até discutir o débito em ação própria.
A título de exemplo, se uma empresa optasse por ingressar com uma ação para garantir um eventual débito de R$ 500 mil no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), cuja cobrança de taxa judiciária é de 3% do valor da ação, as custas seriam mais que R$ 15 mil.
Ainda que essa quantia não pareça ser uma despesa expressiva a ponto de que uma grande empresa não consiga arcar, devemos considerar que este valor está sendo despendido para a simples emissão de uma certidão.
Além dessa situação, o contribuinte seguramente precisa contar com um escritório especializado para garantir que a decisão judicial seja proferida com a celeridade condizente com a urgência posta, o que se traduz em mais um custo.
Soma-se a isso as dificuldades que o contribuinte também pode enfrentar em dar concretude às decisões judiciais já obtidas, haja vista que muitas secretarias e procuradorias emitem certidões cujos prazos de validade são mínimos e não possuem sistemas, como o da cuidadosa Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), para “etiquetar” o débito como garantido, fazendo com que ele não deixe de ser um impeditivo para renovação da certidão de forma automática (sem que o requerimento necessite aguardar por uma análise humana para ser deferido).
Em outras palavras, o débito garantido permanece como “exigível” sem a devida diferenciação dos que não possuem nenhuma garantia, tendo o contribuinte que apresentar um requerimento administrativo, anexando as decisões judiciais, sempre que quiser solicitar a sua renovação. Isso sem contar os entes que ainda exigem a apresentação de certidões de objeto e pé como requisito para o requerimento de emissão da certidão. Um verdadeiro caos e ocupação desnecessária do erário público.
Outro ponto sensível, é a adoção de ferramentas que possam sinalizar a real urgência desses requerimentos, como a Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro (PGM-RJ) que implementou em novembro de 2024 em seu portal, um campo para indicar se o pedido é urgente, devendo-se anexar o edital ou o contrato que comprove a gravidade assinalada.
Todos esses fatores apresentados podem ter relevantes impactos em alguns setores, em especial para os que são dominados por grandes players e a disputa é altamente acirrada. Nessas circunstâncias, ser excluída da concorrência de algum desses procedimentos públicos ou ter dificuldades na obtenção de crédito certamente são determinantes nos resultados dessas empresas.
Tentando ser um pouco otimista, é possível que esse cenário melhore um pouco nos próximos anos com a possível aprovação da reforma do processo administrativo fiscal [3] que prevê que os prazos processuais administrativos passem a ser contados em dias úteis.
As mudanças esperadas podem aumentar a efetividade da Receita Federal e das secretarias estaduais e municipais, direcionando recursos para os casos mais urgentes, como são, em regra, os de requerimentos de certidão. Porém, ainda estimo ser pouco para importância do tema e seus efeitos.
Voltando à questão do seguro, temos outra excelente notícia, no dia 30/12/2024, houve a publicação da Portaria PGFN/MF n.º 2.044, regulamentando a aceitação do seguro garantia em âmbito administrativo, permitindo que o aceite da garantia antecipada seja realizado diretamente pelo portal da PGFN, o Regularize, e especificando todos os requisitos que devem ser observados na contratação da apólice do seguro ofertado.
Essa mudança deve, em tese, mitigar os problemas aqui apontados referentes ao judiciário, apesar disso, teremos que observar nos próximos capítulos se a celeridade ao atendimento dessas análises será apropriada, já que, muito provavelmente, com a publicação dessa portaria ficará ainda mais difícil de se obter o deferimento dos pedidos de tutela antecipada sem a oitiva da PGFN, dado que a própria passa a ter ferramenta hábil para análise dos seguros oferecimentos administrativamente.
Conclusão
Apesar da certidão de regularidade cumprir um importante papel de aumento de segurança, sobretudo para o Fisco, a legislação atual falha em definir parâmetros mínimos que garanta aos contribuintes a comprovação de forma simples, célere e eficaz.
Ainda que tenhamos movimentos pontuais que contribuem para melhora de alguns problemas aqui destacados, ainda há um longo caminho a ser percorrido.
Sendo assim, é inegável a necessidade de uma regulamentação mais assertiva quanto a emissão das certidões visando um procedimento menos burocrático e mais ágil, o que impactaria positivamente no ambiente de negócios do país.
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[1] Tema Repetitivo 237 do Superior Tribunal de Justiça: https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/pesquisa.jsp?novaConsulta=true&tipo_pesquisa=T&cod_tema_inicial=237&cod_tema_final=237
[2] RECURSO ESPECIAL Nº 1.822.840 – SC (2019/0183519-4)
[3] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/12/05/aprovado-na-comissao-novo-texto-sobre-processo-administrativo-fiscal-segue-para-o-plenario
Fonte: Conjur
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