Apelação Cível nº 1003972-10.2024.8.26.0037

Espécie: APELAÇÃO
Número: 1003972-10.2024.8.26.0037
Comarca: ARARAQUARA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação Cível nº 1003972-10.2024.8.26.0037

Registro: 2025.0000166290

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1003972-10.2024.8.26.0037, da Comarca de Araraquara, em que é apelante VIVIANE REGINA TOSO BERNARDO, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ARARAQUARA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para permitir o registro da escritura pública, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), ADEMIR BENEDITO(PRES. SEÇÃO DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 19 de fevereiro de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1003972-10.2024.8.26.0037

APELANTE: Viviane Regina Toso Bernardo

APELADO: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Araraquara

VOTO Nº 43.708

Direito civil – Apelação – Registro de imóveis – Provimento.

I. Caso em Exame

Apelação interposta contra sentença que negou o registro de escritura pública de inventário cumulativo dos bens, sem comoriência. Partes maiores e capazes, sem testamento. Alegação de descumprimento do princípio da continuidade registral. A apelante busca a reforma da sentença para permitir o registro, alegando cumprimento dos requisitos legais para o processamento de inventários cumulativos.

II. Questão em Discussão

2. A questão em discussão consiste em determinar se é possível o registro de escritura pública de inventário cumulativo de bens deixados por cônjuges falecidos em momentos distintos, com partilhas sucessivas e herdeiros concordes.

III. Razões de Decidir

3. O artigo 672 do CPC permite a cumulação de inventários quando há identidade de herdeiros e dependência entre as partilhas.

4. A escritura pública apresentada atende aos requisitos legais, com partilhas sucessivas e pagamento dos impostos devidos, não havendo necessidade de inventário judicial.

IV. Dispositivo e Tese

5. Recurso provido.

Tese de julgamento: 1. É possível a cumulação de inventários extrajudiciais de cônjuges falecidos em momentos distintos, desde que atendidos os requisitos legais. 2. A escritura pública pode dispor sobre duas sucessões, desde que contenha partilhas sucessivas e sequenciais.

Legislação Citada:

CPC, art. 610, §1º; art. 672, incisos I e III; art. 75, inciso VII.

Jurisprudência Citada:

CSM/SP, Apelação nº 990.10.212.332-4, Rel. Des. X, j. 10.01.2011.

Trata-se de apelação interposta por VIVIANE REGINA TOSO BERNARDO em face da r. sentença de fls. 123/126, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Araraquara, que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa e negou o registro da escritura pública de inventário dos bens deixados por APPARECIDA MENDONÇA TOSO e ILLYDIO TOSO, por entender descumprido o princípio da continuidade registral.

O recurso busca a reforma da sentença, com o pedido de ingresso do título ao fólio real, sustentando terem sido preenchidos os requisitos do Código de Processo Civil para realização de inventários cumulativos, sem comoriência, com os mesmos herdeiros, tratando-se de único imóvel objeto da partilha. Sustenta a apelante que não está configurada a partilha per saltum, pois embora tenha sido realizado um único inventário, houve duas partilhas sucessivas, com os mesmos herdeiros maiores e capazes, todos concordes, sem que se possa cogitar da presença de espólio. Além disso, foram recolhidos os ITCMD´s referentes a cada partilha (fls. 129/135).

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do recurso (fls. 158/161).

É o relatório.

A apelação merece provimento.

De acordo com os autos, em 16 de fevereiro de 2024, a apelante apresentou ao 2º Oficial de Registro de Imóveis de Araraquara escritura de inventário extrajudicial sucessivo dos bens deixados por APPARECIDA MENDONÇA TOSO e ILLYDIO TOSO, lavrada em 05/01/2024, pela Tabeliã de Notas da Comarca de São Pedro, no Livro 65, págs. 245/252 O Oficial emitiu a seguinte nota devolutiva:

“Nos termos do §1º do artigo 610 do Código de Processo Civil, “se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública” (grifos nossos). No caso, comparece como parte o Espólio de Illydio Toso, desprovido de personalidade, donde lhe falta a capacidade para contratar. Em casos que tais, de rigor o inventário judicial, uma vez que o espólio, não obstante não possua personalidade civil, detém personalidade judiciária, conforme artigo 75, inciso VII, do Código de Processo Civil.”

A leitura da escritura pública de inventário às fls. 64/71 deixa claro que se trata de inventário extrajudicial cumulativo de bem imóvel deixado pelos falecidos APPARECIDA MENDONÇA TOSO e ILLYDIO TOSO, sem comoriência.

Primeiro faleceu APPARECIDA MENDONÇA TOSO, casada com e ILLYDIO TOSO pelo regime da comunhão universal de bens (regime legal antes da Lei n. 6515/77) – e a propriedade de 50% do imóvel transmitiu-se, de acordo com o art. 1.829, I, do Código Civil, aos descendentes, restando o meeiro Illydio Toso, falecido posteriormente.

Os incisos I e III do art. 672 do CPC autorizam a cumulação de inventários para a partilha de heranças de pessoas diversas nas hipóteses em que houver dependência de uma das partilhas em relação à outra e identidade de pessoas. A apelante informa que os inventários se encaixam nas duas hipóteses legais, pois além da identidade de herdeiros, possuem como objetivo comum, a partilha do imóvel residencial matriculado sob nº 4.889/2ºRI de Araraquara.

Dispõe o artigo 672, do Código de Processo Civil que “É lícita a cumulação de inventários para a partilha de heranças de pessoas diversas quando houver:

I. Identidade de pessoas entre as quais devam ser repartidos os bens;

II. Heranças deixadas pelos dois cônjuges ou companheiros;

III. Dependência de uma das partilhas em relação à outra;

Parágrafo único: No caso previsto no inciso III, se a dependência for parcial, por haver outros bens, o juiz pode ordenar a tramitação separada, se melhor convier ao interesse das partes ou à celeridade processual”

A situação fática se amolda ao teor do artigo supra, não existindo óbice para o processamento do inventário cumulativo, inclusive o extrajudicial, não havendo motivo para que os herdeiros maiores e capazes sejam remetidos às vias judiciais. Neste ponto, aliás, não é o espólio que figura como uma das partes da escritura, mas os herdeiros maiores e capazes de ambas as partilhas.

A via judicial não é necessária porque não há testamento, tampouco incapazes ou discórdia da partilha (art. 610 do CPC).

Analisando-se a escritura pública, de sua leitura é possível dessumir que se procederam aos inventários dos bens deixados por ambos os pais dos herdeiros identificados no título. Há identidade de herdeiros, consenso na tramitação conjunta, sem litígio e clara dependência de uma partilha em relação à outra.

Cuidando-se de inventário feito extrajudicialmente, nada impedia que as duas heranças fossem cumulativamente inventariadas e partilhadas, aos mesmos herdeiros, por meio de apenas uma escritura pública e com o pagamento de ambos os impostos. Prova maior disso as declarações de ITCMD feitas ao Fisco às fls. 91/107.

Este C. Conselho Superior da Magistratura já decidiu de forma favorável, conforme a seguinte Ementa:

“Registro de Imóveis. Escritura Pública de Inventário. Possibilidade do patrimônio de dois de cujus, marido e mulher, ser inventariado conjuntamente, na forma do art. 1.043 do CPC. Permitido, assim, um só instrumento público dispondo sobre as duas sucessões causa mortis. Necessidade, entretanto, de que contenha em seu bojo duas partilhas distintas, sucessivas e sequenciais, até mesmo por não se tratar de comoriência. Inadmissível uma só partilha, fundida e unificada, para os dois de cujus. Óbitos em épocas diferentes, cada qual regida por legislação diversa. Dúvida julgada procedente, para negar o registro. Recurso improvido, com observação consistente na retirada da condenação às custas.” (Acórdão CSM/SP nº 990.10.212.332-4, publicado no DJe em 10/01/2011).”

Tal prerrogativa igualmente é conferida aos optantes da via extrajudicial, que realizarão o inventário, em tais casos, por meio de um só instrumento público, o qual disporá sobre as duas sucessões causa mortis.

E no caso, houve o atendimento, na escritura pública, de duas partilhas sucessivas e sequenciais, conforme a ordem de falecimento e seguindo a cadeia sucessória. Afasta-se, portanto, a qualificação negativa, com o provimento do apelo.

Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO à apelação para permitir o registro da escritura pública.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 25.02.2025 – SP)

Fonte: DJE

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