Processo 1187897-14.2024.8.26.0100

Espécie: PROCESSO
Número: 1187897-14.2024.8.26.0100

Processo 1187897-14.2024.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis – Ricardo Antonio do Nascimento – – Tatiana Albino Souza do Nascimento – Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário. Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios. Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C. – ADV: TATI NA ALBINO SOUZA DO NASCIMENTO (OAB 306151/SP), TATIANA ALBINO SOUZA DO NASCIMENTO (OAB 306151/SP)

Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1187897-14.2024.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Requerente: Ricardo Antonio do Nascimento e outro

Requerido: 12º Oficio de Registro de Imoveis da Capital

Juíza de Direito: Dra. Vivian Labruna Catapani

Vistos.

Trata-se de dúvida inversa suscitada por Ricardo Antônio do Nascimento e Tatiana Albino de Souza em face do 12º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, diante da negativa de registro de carta de sentença extraída dos autos da ação de divórcio consensual n. 0007002-79.2018.8.26.0005, envolvendo os imóveis objetos das matrículas n. 158.392 e n. 184.587 daquela serventia.

Aduz a parte requerente que o título foi devolvido com exigência para apresentação do comprovante de recolhimento do ITCMD ou declaração de isenção devido pelo excesso de meação na partilha dos bens do casal; que, no entanto, na partilha de bens, o ex-casal acordou a divisão igualitária do patrimônio imobiliário comum, de modo que a exigência deve ser afastada (fls. 01/06).

Documentos vieram às fls. 07/70.

Constatada a ausência de prenotação válida, determinou-se a prenotação do título na serventia extrajudicial (fls. 71/72)

O Ministério Público manifestou-se (fls. 84).

O Oficial manifestou-se, informando que o título foi prenotado sob n. 677.011 em 06/11/2024 e devolvido em 25/11/2024; que foi reapresentado em 28/11/2024, gerando nova nota devolutiva em 09/12/2024, resultando no cancelamento da prenotação; que o título em questão já foi objeto de dúvida inversa, nos autos do processo n. 1104819-25.2024.8.26.0100, que foi julgado prejudicado em razão da não reapresentação do título; que persiste o óbice relacionado ao recolhimento do ITCMD relativo à diferença do valor atribuído pela Prefeitura aos imóveis; que o imóvel objeto da matrícula n. 184.587 está cadastrado na Municipalidade sob n. 061.022.0469-7 e, em 13/04/2018, data da conciliação na CEJUSC, apresentava valor venal de referência de R$ 238.469,00, ao passo que o imóvel objeto da matrícula n. 158.392, cadastrado na Municipalidade em maior área sob ns. 113.389.0035-7 e 0039-1/0083-7, possuía valor aproximado de R$ 155.813,00; que ocorre que, na partilha dos bens decorrente do divórcio do ex-casal, atribuiu-se o valor de R$ 230.000,00 a cada um dos imóveis, sendo que a divisão dos bens foi feita da seguinte forma: o imóvel da matrícula n. 158.192 foi atribuído a Ricardo Antonio do Nascimento e o da matrícula n. 184.587, para Tatiana Albino de Souza; que ao Oficial de Registro incumbe fiscalizar o recolhimento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados, sob pena de responsabilização pessoal e, por isso, o título foi devolvido (fls. 92/93). Juntou documentos (fls. 94/99).

Nova manifestação da parte suscitante (fls. 100).

O Oficial pronunciou-se novamente, esclarecendo que, em 11/03/2025, a documentação foi reapresentada na serventia, prenotada sob n. 688.743; que feita nova qualificação, os óbices registrários permanecem; que o título em questão já foi objeto de dúvida inversa nos autos n. 1104819-25.2024.8.26.0100, que foi julgada prejudicada em razão da não reapresentação do título à época (fls. 109/111). Anexou documentos (fls. 112/169).

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pela manutenção do óbice registrário (fls. 173/176).

É o relatório. FUNDAMENTO E DECIDO.

Inicialmente, cumpre ressaltar que o Registrador dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Assim, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

É o que se extrai do item 117, Cap. XX, das NSCGJ: “Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais”.

No mérito, a dúvida é procedente, para manter o óbice.

De início, vale destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação para ingresso no fólio real.

O E. Conselho Superior da Magistratura já decidiu que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Ap. Cível n. 413-6/7). Neste sentido, também a Ap. Cível n. 464-6/9, de São José do Rio Preto:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental”.

E, ainda:

“REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência – pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado.” (STF, HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e as regras que regem a atividade registral.

Esta conclusão se reforça pelo fato de que vigora, para os Registradores, ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/1973; artigo 134, inciso VI, do CTN e artigo 30, inciso XI, da Lei n. 8.935/1994).

No caso concreto, a parte pretende o registro de carta de sentença extraída dos autos da ação de divórcio consensual n. 0007002-79.2018.8.26.0005, em que os divorciandos acordaram sobre a partilha dos bens comuns, da seguinte forma: o imóvel da matrícula n. 184.587, do 12º RI, ao qual atribuíram o valor de R$ 230.000,00, coube integralmente a Tatiana Albino de Souza, e o imóvel da matrícula n. 158.392, do 12º RI, ao qual atribuíram o valor de R$ 230.000,00, coube integralmente a Ricardo Antônio do Nascimento (fls. 57 e 64).

O Oficial justificou o óbice, aduzindo que aos imóveis recebidos pelos divorciandos foram lançados, para o exercício vigente à época do acordo, respectivamente, os valores venais de R$ 238.469,00, e de R$ 155.813,00, ao passo que os divorciandos atribuíram aos imóveis o valor de R$ 230.000,00, do que decorreu a exigência, para o pretendido registro, da comprovação da declaração e do recolhimento do imposto de transmissão sobre doação ITCMD devido pelo excesso de meação (fls. 79).

No que tange ao ITCMD, a Lei Estadual n. 10.705/2000 (artigos 8º, inciso I, e 25), bem como o Decreto Estadual n. 46.655/2002 que a regulamenta (artigo 48), também estabelecem atribuições ao oficial registrador neste mesmo sentido:

“Artigo 8º – Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

I – o tabelião, escrivão e demais serventuários de oficio, em relação aos atos tributáveis praticados por eles ou perante eles, em razão de seu ofício;”

“Artigo 25 – Não serão lavrados, registrados ou averbados pelo tabelião, escrivão e oficial de Registro de Imóveis, atos e termos de seu cargo, sem a prova do pagamento do imposto”.

“Artigo 48 – Não serão lavrados, registrados ou averbados pelo tabelião, escrivão e oficial de Registro de Imóveis, atos e termos de seu cargo, sem a prova do recolhimento do imposto ou do reconhecimento de isenção ou não incidência, quando for o caso (Lei 10.705/00, art. 25)”.

Já quanto ao óbice em debate, exigência de certidão de homologação do ITCMD recolhido em partilha realizada judicialmente, a ser emitida pela Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, há previsão expressa em normativa expedida pelo ente fiscal (artigo 12, incisos I e II, da Portaria CAT n. 89, de 26 de outubro de 2020).

No caso, em face do excesso de meação em favor da divorcianda Tatiana Albino de Souza, ensejando um excesso no valor de R$ 82.656,00 acima de sua meação sobre o patrimônio imobiliário, sem torna destinada à recomposição do patrimônio da transmitente daquele de maior valor, faz-se considerar o excedente como doação e impõe-se a exigência de recolhimento do tributo ora questionado ou a comprovação de sua isenção.

Note-se que o acordo dos divorciandos resultou desproporção entre as meações, o que caracterizou excesso, que receberá tratamento tributário próprio conforme haja ou não reposição onerosa. Essa reposição onerosa é a compensação financeira feita com patrimônio próprio do cônjuge beneficiado àquele prejudicado na partilha.

Na hipótese telada, como não houve reposição onerosa, ficou caracterizado o fato gerador do ITCMD.

Entretanto, não houve comprovação da declaração e do recolhimento do imposto de transmissão sobre doação ITCMD devido pelo excesso de meação, nos termos do artigo 2º, § 5º, inciso II, da Lei Estadual n. 10.705/2000 e artigo 13 da Portaria CAT n. 89/2020.

Desse modo, correta a exigência da comprovação de que o imposto de transmissão foi declarado e recolhido sobre a diferença entre o valor dos imóveis, ou de que foi reconhecida a sua isenção, uma vez que realizada em conformidade com os artigos 2º, inciso II, 6º, inciso II, alínea “a”, e § 1º, da Lei Estadual n. 10.705/2000, e artigos 1º, inciso II, 6º, inciso II, alínea “a”, e 7º do Decreto Estadual n. 46.655/2002.

Para os Registradores vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/1973; artigo 134, inciso VI, do CTN; e artigo 30, inciso XI, da Lei n. 8.935/1994), o que vem corroborado pelo 117.1, do Cap. XX, Tomo II, das NSCGJ:

“117.1. – Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais”.

A omissão do delegatário pode levar à sua responsabilidade solidária no pagamento do tributo, nos exatos termos do artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional:

“Art. 134 – Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

(…)

VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu oficio”.

Importante ressaltar, ainda, que, em havendo previsão legal de exação para a hipótese aqui tratada, não cabe ao Oficial de Registro nem a este juízo administrativo entender pela não tributação ou pela existência de qualquer causa extintiva do crédito tributário.

Subsiste, portanto, o óbice ao registro.

Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada, para manter o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.

São Paulo, 03 de abril de 2025.

Vivian Labruna Catapani

Juíza de Direito (DJe de 07.04.2025 – SP)

Fonte: DJE

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