É muito comum que entre parentes (principalmente entre pais e filhos) haja permissão para que um deles resida no imóvel do outro, por tempo indefinido, sem qualquer contraprestação por isso (como o pagamento de um aluguel, por exemplo). Aos olhos da lei essa “benesse” pode sugerir a existência de um comodato (art. 579 e seguintes do CCB). Será mesmo que nessa condição a Usucapião pode ser reconhecida em favor de um filho em prejuízo dos demais, inclusive com o condão de excluir o imóvel ocupado da partilha num hipotético Inventário?

Como sempre esclarecemos aqui, a Usucapião é um instituto do Direito que se caracteriza pela possibilidade de aquisição da propriedade de um bem imóvel (também aplicável aos bens móveis) pela posse prolongada, contínua, mansa e pacífica, com ânimo de dono. Tem base legal não só no Código Civil mas também em leis esparças e principalmente na Constituição Federal. É importante desde já destacar que não é qualquer POSSE que viabiliza o reconhecimento da Usucapião. Algumas delas não prestam para a aquisição da propriedade do imóvel através da Usucapião, como por exemplo a posse que decorre do comodato. É que no caso de imóvel ocupado em comodato o possuidor reconhece a propriedade alheia e não age como se dono fosse. No comodato a posse é precária e isso impede fatalmente a aquisição da propriedade pela usucapião. Portanto, o uso exclusivo de imóvel cedido em comodato (verbal ou escrito) não gera direito à usucapião, pois falta o “animus domini”, elemento imprescindível para a configuração da posse qualificada necessária para a Usucapião. A jurisprudência é tranquila nesse sentido, ilustrando bem decisão recente do TJMG:

“TJMG. 0030937-11.2014.8.13.0116. J. em: 17/06/2024. APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA – REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 1.238 DO CÓDIGO CIVIL – AUSÊNCIA DE “ANIMUS DOMINI” – COMODATO VERBAL – POSSE PRECÁRIA – USUCAPIÃO IMPROCEDENTE. – Nos termos do art . 1.238 do CC, aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé – A posse decorrente de contrato de comodato é precária, pois provém de mera permissão do comodante e se acha vinculada à obrigação de restituir o imóvel, razão pela qual não enseja a aquisição da propriedade do bem por usucapião”.
No que respeita os imóveis objeto de herança, pendente a realização do inventário, via de regra a Usucapião também não poderá ser invocada: enquanto o procedimento de Inventário não se encerra, o imóvel permanece como bem do Espólio, ou seja, pertencente ao conjunto de bens deixados pelo falecido, cuja propriedade ainda não foi formalmente transferida aos herdeiros (ainda que um condomínio pro indiviso tenha se estabelecido, com fulcro no Direito de Saisine, nos termos do art. 1.784 do mesmo CCB). Assim, a posse exercida por um dos herdeiros não pode ser convertida em propriedade à luz da Usucapião contra os demais herdeiros, pois estes detêm direitos hereditários sobre o bem, e a posse do herdeiro não é adversa a esses direitos – SALVO SE cabalmente demonstrados os requisitos gizados pelo STJ (REsp 1631859/SP. J. em: 22/05/2018) nos casos específicos onde, mesmo em se tratando de imóvel de herança, a usucapião se estabelece: posse exclusiva com efetivo “animus domini” pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais herdeiros – além é claro, dos demais requisitos legais atinentes à espécie de usucapião pretendida.

Portanto, nas hipóteses de imóveis titularizados por Espólio, ocupados por herdeiros ou ainda naqueles ocupados por comodatários, existente ou não contrato formalizado, a posse pinçada nessas relações não deverá servir para aparelhar pedido judicial ou extrajudicial de reconhecimento de aquisição por Usucapião, porém não se deconhece que mesmo nessas duas hipóteses a INTERVERSÃO DA POSSE (“interversio possessionis”) pode alterar todo o cenário permitindo que a Usucapião seja reconhecida. Nesse sentido decisão recente do TJSP reformando a sentença da 1ª instância para reconhecer a Usucapião em favor de filho que pleiteava a aquisição por usucapião sobre imóvel que já fora ocupado através de Comodato verbal:

“TJSP. 0001752-52.2010.8.26.0100. J. em: 09/11/2023. APELAÇÃO – USUCAPIÃO – Autor que pleiteia a aquisição da propriedade do imóvel usucapiendo na modalidade de usucapião constitucional – Extinção de COMODATO VERBAL com o falecimento do genitor do autor – Possibilidade da interversio possessionis – Inteligência do Enunciado 237 da III Jornada de Direito Civil do CNJ – Princípio da fungibilidade entre modalidades de usucapião – Aplicabilidade – Autor que comprovadamente exerce a posse direta, contínua, mansa e pacífica sobre o imóvel usucapiendo há mais de 20 (vinte) anos, sem qualquer notícia de oposição e com animus domini – Reconhecimento da usucapião extraordinária – Inteligência do art. 1.238 CC – Sentença reformada – Recurso provido”.

Fonte: Julio Martins

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