A impenhorabilidade do bem de família é regida pela lei 8.009/1990 e arts. 1.711 a 1.722 do CC no tocante ao chamado bem de família legal.
Não obstante a disciplina legal, o referido tema é objeto de infindáveis controvérsias, a ponto de desaguar no Tema repetitivo 1261 afetado pelo STJ para submissão das seguintes questões para julgamento:
“(i) Necessidade de comprovação de que o proveito se reverteu em favor da entidade familiar na hipótese de penhora de imóvel residencial oferecido como garantia real, em favor de terceiros, pelo casal ou pela entidade familiar nos termos do art. 3º, V, da lei 8.009/1990; (ii) Distribuição do ônus da prova nas hipóteses de garantias prestadas em favor de sociedade na qual os proprietários do bem têm participação societária”.
E, recentemente, a 2ª seção do STJ decidiu aludido tema quando do julgamento do recurso especial representativo da controvérsia 2093929/MG:
“Direito civil e processual civil. Recurso especial submetido ao rito dos recursos repetitivos. Bem de família. Execução de hipoteca. Penhorabilidade. Recurso não provido.
I. Caso em exame 1. Recurso especial interposto contra acórdão do TJ/MG que manteve a penhora de bem de família dado em garantia hipotecária, com base no art. 3º, V, da lei 8.009/1990.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se a penhora de imóvel residencial oferecido como garantia real, em favor de terceiros, pelo casal ou pela entidade familiar, exige comprovação de que o proveito se reverteu em favor da entidade familiar, e como se distribui o ônus da prova nas garantias prestadas em favor de sociedade na qual os proprietários do bem têm participação societária.
III. Razões de decidir
3. O STJ, a fim de compatibilizar a manutenção da efetividade da garantia hipotecária e seu caráter com a necessária erga omnes proteção à moradia da família, ao interpretar a exceção à impenhorabilidade prevista no art. 3º, V, da lei 8.009/1990, orientou-se no sentido de que se cuida de hipótese de renúncia à proteção legal, mas restringe sua abrangência somente para aqueles casos em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar.
4. Ao ofertar o bem para a constituição da garantia hipotecária, a atitude posterior dos próprios devedores tendente a excluir o bem da responsabilidade patrimonial revela comportamento contraditório. O nemo tem por efeito impedir potest venire contra factum proprium o exercício do comportamento em contradição com a conduta anteriormente praticada, com fundamento no princípio da boa-fé e da confiança legítima, sendo categorizado como forma de exercício inadmissível de um direito. Nessa concepção, consubstancia-se em forma de limite ao exercício de um direito subjetivo propriamente dito ou potestativo, ou, mais propriamente, à defesa do bem oferecido em garantia.
5. Quando os únicos sócios da empresa devedora são os titulares do imóvel hipotecado, presume-se a penhorabilidade do bem, sendo ônus dos proprietários demonstrar que a dívida não se reverteu em benefício da entidade familiar.
6. No caso concreto, as proprietárias do imóvel são as únicas sócias da sociedade empresária devedora, presumindo-se a penhorabilidade do bem, sem prova que ilidisse a presunção de benefício da entidade familiar.
IV. Dispositivo e tese
7. Recurso não provido.
Tese de julgamento: Para os fins do art. 1.036 do CPC/15, fixam-se as seguintes teses relativamente ao Tema 1.261: I) a exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da lei 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar: II) em relação ao ônus da prova, a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.”.
(STJ, Tema repetitivo 1261, REsp 2093929 – MG, 2ª seção, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 10/6/25, grifou-se)
As razões de decidir postas no voto condutor rezam, em síntese:
“(…)
No que interessa ao presente julgamento, a lei 8.009/1990 excepciona a regra da impenhorabilidade do bem de família na hipótese de execução hipotecária sobre o imóvel oferecido pelo casal ou entidade familiar. Eis a transcrição do dispositivo legal:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
(…)
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar.
O dispositivo legal, por conseguinte, torna penhorável o imóvel destinado à moradia da família desde que o bem tenha sido oferecido à constituição de garantia hipotecária pelo casal ou pela entidade familiar.
(…)
Em outras oportunidades, a jurisprudência do STJ, ao interpretar esta exceção à impenhorabilidade, orientou-se no sentido de que se cuida de hipótese de renúncia à proteção legal, mas restringe sua abrangência somente para aqueles casos em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar, avançando para distribuir o ônus da prova da seguinte forma: (i) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e (ii) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar
(…)
Deve ser referido que a hipótese em que se justifica a exceção à impenhorabilidade se origina no oferecimento do bem imóvel em garantia hipotecária, comumente para o entabulamento de contrato de mútuo, de forma voluntária e formal, pelo devedor ou devedores. A partir do contexto da existência da garantia hipotecária, constituída sobre o imóvel ofertado pelo devedor, as instituições financeiras concedem-lhe financiamentos, pautados na confiança legítima e na formalização da garantia.
Nesse sentido, malgrado a garantia do bem de família ultrapasse a esfera do próprio devedor, alcançando todo o grupo familiar, a confiança legítima justifica a subsistência da garantia da obrigação, cujo bem que constitui seu objeto foi oferecido pelo próprio casal ou pela entidade familiar. Relaciona-se, na verdade, com a vedação do comportamento contraditório – venire contra factum proprium – decorrente do princípio da boa-fé objetiva.
Ao ofertar o bem para a constituição da garantia hipotecária, a atitude posterior dos próprios devedores tendente a excluir o bem da responsabilidade patrimonial revela comportamento contraditório. O nemo potest venire contra factum tem por efeito impedir proprium o exercício do comportamento em contradição com a conduta anteriormente praticada, com fundamento no princípio da boa-fé e da confiança legítima, sendo categorizado como forma de exercício inadmissível de um direito. Nessa concepção, consubstancia-se em forma de limite ao exercício de um direito subjetivo propriamente dito ou potestativo, ou, mais propriamente, à defesa do bem oferecido em garantia.
(…)
Frise-se, por oportuno, que, a fim de compatibilizar a manutenção da efetividade da garantia hipotecária e seu caráter erga omnes com a necessária proteção à moradia familiar, a exceção à impenhorabilidade do bem de família deve restringir-se tão somente àquelas hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar, tal como vem reconhecendo a jurisprudência iterativa desta Corte.
Desta forma, para os fins do art. 1.036 do CPC/15, proponho sejam fixadas as seguintes teses relativamente ao Tema 1.261: I) a exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da lei 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar: II) em relação ao ônus da prova, a) se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar; e b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.”
(STJ, Tema repetitivo 1261, REsp n. 2093929 – MG, 2ª seção, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 10/6/25, grifou-se)
O aresto supra citado soa acertado pois, em se tratando de garantia real oferecida em favor de terceiros, (i) soa contraditório o comportamento da entidade familiar em oferecer um bem imóvel em garantia de uma dívida para, quando de sua execução invocar a proteção do bem de família, em nítida tentativa de esvaziar o mister da garantia previamente ofertada ao concordar qual aludido bem deveria responder em garantia pelo cumprimento de obrigação antes anuída.
De se observar, também, (ii) a fixação da tese repetitiva no tocante a distribuição do ônus da prova nas hipóteses de garantias prestadas em favor de sociedade na qual os proprietários do bem tem participação societária.
Malgrado o entendimento acima e controvérsia quanto ao ônus da prova em demonstrar que os recursos advindos da obrigação (em especial em se tratado de mútuo) foram empregados em benefício da sociedade familiar, a fim de afastar a impenhorabilidade do bem de família, certamente um caminho mais seguro ao credor para certificar-se da expropriação da garantia na hipótese de inadimplemento é a figura da alienação fiduciária em garantia regida pela lei 9.514/1997, decreto-lei 911/1969 e arts. 1.361 a 1.368-B do CC, porquanto o credor fiduciante sempre permanecerá com a propriedade resolúvel até ulterior adimplemento da dívida, a afastar-se ulterior alegação de impenhorabilidade de bem de família acaso presente o gravame da alienação fiduciária.
Fonte: Migalhas
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