O artigo 426 do Código Civil, a depender do caso, pode ser a salvaguarda do detentor de patrimônio ou, então, uma grande pedra no seu sapato.
Tendo em vista que “não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”, o patrimonialista tem a garantia de que herdeiros necessários não irão fazer da futura herança um negócio no presente. Contudo, a proibição da chamada pacta corvina tende a ser um entrave em algumas situações, como, por exemplo, a disposição sobre herança em pactos antenupciais.
O Projeto de Lei nº 4/2025, que trata da reforma do Código Civil Brasileiro, traz inovações no artigo 426, de modo que a proibição mantida no caput ganhou algumas exceções, que, por sua vez, constituem um rol taxativo de possibilidades.
Caso aprovada, a mudança será um grande trunfo para os planejamentos patrimoniais e sucessórios, dada a maior liberdade do patrimonialista de exercer a autonomia da vontade, que por vezes é tolhida pelo atual texto de lei.
Será possível, por exemplo, que herdeiros necessários e descendentes firmem, em conjunto, diretivas sobre colação de bens, excesso inoficioso, partilhas de participações societárias — mesmo estando ainda vivo o ascendente comum.
Essa possibilidade se mostra de extrema relevância para casos em que já existe conflito sobre a futura herança antes da abertura efetiva da sucessão. Permitir que os herdeiros, em autocomposição, façam acordos sobre colação de bens recebidos em doação, possível inoficiosidade da doação recebida e, especialmente, sobre partilhas de participações societárias, pode, inclusive, ter o efeito de desjudicialização de processos de inventário, que se tornam litigiosos por falta de concordância quanto a tais temas.
Outro ponto muito importante trazido pela nova redação do artigo 426 é a permissão para que nubentes ou conviventes, por pacto antenupcial ou convencional, renunciem à condição de herdeiro do outro nubente/convivente.
Ainda que esta já seja uma prática comum em pactos antenupciais, a discussão sobre se a disposição de renúncia antecipada seria ou não pacta corvina cai por terra.
Com a alteração legal, os conviventes poderão estabelecer a renúncia recíproca na escritura pública de união estável, e os cônjuges poderão estabelecê-la até mesmo após a formalização do casamento, por intermédio de escritura pública pós-nupcial.
A renúncia, caso aprovado o texto, poderá ser condicionada, ainda, à sobrevivência ou não de parentes sucessíveis de qualquer classe ou de quaisquer outras pessoas. Ou seja, o casal poderá estabelecer regras para a eficácia ou não da renúncia.
Poderão estabelecer, por exemplo, que a renúncia antecipada somente se efetivará se o casal, no momento da morte de um dos cônjuges/conviventes, tiver filhos comuns. Neste caso, a renúncia não precisa necessariamente ser recíproca.
Em que pese a liberdade de contratação que o texto dará aos nubentes/conviventes, a comissão responsável pela elaboração do texto de lei também se preocupou em manter a segurança daquele que, eventualmente, renunciar ao direito de herança, dispondo que a renúncia não afeta o direito real de habitação previsto no artigo 1.831 do mesmo Código, salvo expressa previsão quanto a este ponto.
A renúncia expressa será ineficaz caso o cônjuge ou convivente sobrevivente seja o único herdeiro sucessível na abertura da sucessão. Ou seja, ainda que tenha renunciado à herança antecipadamente, inexistindo outros herdeiros elegíveis nos termos do artigo 1.829 da mesma lei, o sobrevivente será o destinatário de todos os bens deixados pelo falecido.
Ao passo que amplia a liberdade das partes, a nova previsão também limita quaisquer outras disposições contratuais sucessórias que não as previstas no texto de lei, mesmo que unilaterais, bilaterais ou plurilaterais, a fim de evitar abusos contra cônjuges, conviventes ou herdeiros vulneráveis, e fraudes ao direito sucessório.
Desconfiança
Ainda que as alterações acima listadas andem em consonância com o anseio de boa parte da sociedade e estejam alinhadas às mudanças sociais nas relações a dois, parte da doutrina especializada no assunto enxerga a modernização desta parte do Código Civil com olhar de temeridade, dada a possibilidade de vulnerabilidade de uma das partes no momento da renúncia.
Em casais em que seja latente a dependência econômica de um dos cônjuges ou conviventes, a renúncia expressa ao direito de herança poderia não ser, necessariamente, uma escolha feita em razão da autonomia da vontade da parte vulnerável, que estaria condicionada a aceitar tal condição para que a união seja formalizada.
De todo modo, temos uma grande evolução na possibilidade de que casais e seus herdeiros disponham as próprias regras de planejamento patrimonial e sucessório, sem que algumas das disposições feitas entre os membros da família tenham sua validade questionada posteriormente no Poder Judiciário.
Esta proposta de mudança caminha ao lado do objetivo de exaltação da autonomia da vontade e da desjudicialização trazido pela reforma do Código Civil, e permitirá que o planejamento patrimonial e sucessório da família comece antes mesmo da formalização do casamento ou da união estável
Fonte: Conjur
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