Mesmo em casos de menor probabilidade de desavenças e de inviabilidade de redução relevante de custos, o planejamento sucessório se demonstra importante para a proteção patrimonial, especialmente, por culminar numa atuação organizacional e de melhor disposição do patrimônio
 
Preliminarmente ao ingresso ao tema proposto, insta salientar que, juridicamente, todo indivíduo com capacidade civil plena1, excetuando-se hipóteses em que apresentar alguma restrição específica quanto à si ou relativa aos seus bens e/ou direitos, possui o direito à (livre) disponibilidade de seu patrimônio in vida, especialmente quando o fizer de maneira onerosa, já que nas doações, por exemplo, em havendo possíveis herdeiros caracterizados como “necessários”2, a legislação impõe a proteção à legítima3.
 
Num cenário de acumulo patrimonial durante a vida, uma pessoa com certa idade, seguramente, passaria a refletir a respeito de quem poderá figurar como seu herdeiro, portanto, em outras palavras, verificaria a quem poderá ser destinado o patrimônio obtido por ela até o momento, somado ou diminuído ao que conquistar e/ou perder do período atual à data da abertura da sucessão.
 
Exatamente nesta conjuntura que surge a figura do planejamento sucessório (familiar), afinal, o titular de patrimônio sobre o qual passou grande parte da vida trabalhando na sua construção e administração, certamente, não gostaria de visualizar herdeiros se digladiando pelos bens e direitos que futuramente serão transmitidos, nem estaria satisfeito em ter conhecimento acerca da possível aplicabilidade de despesas e custos excessivos ou inoportunos em havendo sucessão post mortem, motivo pelo qual, buscando evitar a delapidação do patrimônio, é viável a opção pelo planejamento da sucessão, projetando-a e antecipando-a, de maneira integral ou parcial, sempre visando à mitigação de custos e conflitos.
 
Conceitualmente, a doutrina retrata o planejamento sucessório da maneira que segue:
 
Planejar a sucessão significa organizar o processo de transição do patrimônio levando em conta aspectos como (i) ajuste de interesses entre herdeiros na administração dos bens, principalmente quando compõem capital social de empresa, aproveitando-se da presença do fundador como agente catalizador de expectativas conflitantes, (ii) organização do patrimônio, de modo a facilitar a sua administração, demarcando com clareza o ativo familiar do empresarial, (iii) redução de custos com eventual processo judicial de inventário e partilha que, além de gravoso, adia por demasiado a definição importantes na continuidade da gestão patrimonial, e, por último, (iv) conscientização acerca do impacto tributário dentre as várias opções lícitas de organização do patrimônio, previamente à transferência, de modo a reduzir seu custo.4
 
Como se pode depreender da noção supracitada, o planejamento acerca da sucessão é importante por diversos aspectos, sendo que, além de melhor organizar o patrimônio, possui notória função de redução de eventuais desentendimentos entre herdeiros, bem como de potencialmente promover a redução de custos, sobretudo tributários.
 
Nesse diapasão, cumpre asseverar que em ambos os cenários, quais sejam, mitigação de desavenças e obtenção de economias, essencialmente tributárias, qualquer atitude a ser tomada dependerá de inúmeros fatores pessoais e jurídicos para a definição da melhor estratégia de planejamento a ser seguida.
 
Até porque, no que concerne à redução de conflitos entre herdeiros, será importante a análise específica da constituição e da situação familiar do titular do patrimônio a ser sucedido. Portanto, deter conhecimento, dentre outros fatores, sobre o estado civil e o regime de casamento, se o caso, deste, a idade e o estado civil dos(as) filhos(as), além da existência (ou não) de intenção de deixar bens ou direitos a terceiros não caracterizados legalmente como herdeiros.
 
Em sentido semelhante, no tocante à potencial redução de custos, se fará necessária a verificação, numa acepção mais jurídica, de diversos itens atinentes ao caso in concretu, tais como a classificação ou o tipo do bem ou direito, a data e o valor de sua aquisição, a Resultado de imagem para planejamento sucessórioforma de transmissão a ser realizada, por oportunidade do planejamento sucessório, se a transmissão será integral ou parcial, seja no que diz respeito ao montante total, seja no que se refira às faculdades do bem (e.g., usufruto, nua propriedade). Naturalmente, aspectos fáticos pessoais, como os mencionados acima, bem como ensejadores à observância de normas ligadas ao respeito de limites e/ou restrições legais (e.g., outorga uxória, autorização marital), igualmente deverão ser considerados.
 
Num viés essencialmente tributário, a primeira impressão é de um claro embate entre os desdobramentos de uma transmissão por doação in vida em face da sucessão causa mortis. Por serem situações jurídicas passíveis de tributação pelo Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)5, uma análise superficial apenas se ateria às alíquotas aplicáveis a cada uma das hipóteses, ressaltando-se a possibilidade da presença de diferentes alíquotas entre as duas hipóteses, tal como variações entre estados da federação6.
 
Entretanto, uma avaliação mais completa tendente à implementação de um planejamento sucessório, indubitavelmente, irá considerar outras possibilidades de operação, que não somente a doação in vida e a transmissão dos bens pelo evento morte, além de pormenorizar o cenário proposto. Logo, identificando fatores como a residência do titular do patrimônio, a localidade dos bens e direitos, momento da aquisição destes, dentre outros, podendo-se modificar a aplicabilidade de alíquotas, do mesmo modo que a própria base de cálculo do tributo.
 
Em suma, inúmeras são as possibilidades em que serão obtidas economias, sobretudo, tributárias e, outrossim, mitigados conflitos entre os destinatários da herança por meio do manuseio do denominado planejamento sucessório. Ademais, mesmo em casos de menor probabilidade de desavenças e de inviabilidade de redução relevante de custos, o planejamento sucessório se demonstra importante para a proteção patrimonial, especialmente, por culminar numa atuação organizacional e de melhor disposição do patrimônio.
 
1. Abordando o tema “capacidade”, Caio Mário primeiro distingue capacidade de direito e capacidade de fato: A aptidão oriunda da personalidade, para adquirir os direitos na vida civil, dá-se o nome de capacidade de direito, e se distingue da capacidade de fato, que é a aptidão para utilizá-los e exercê-los por si mesmo. Posteriormente, define quem seriam os “incapazes”, nos termos da legislação brasileira: Se a incapacidade de direito ou de gozo é geminada com a personalidade de que naturalmente decorre, a capacidade de fato ou de exercício nem sempre coincide com a primeira, porque algumas pessoas, sem perderem os atributos da personalidade, não têm a faculdade do exercício pessoal e direito dos direitos civis. Aos que assim são tratados pela lei, o direito denomina incapazes. in PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil – Volume I – Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. 30ª edição, revisada e atualizada. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 221 e 226.
 
2. O artigo 1.845, do Código Civil, expressa que os herdeiros necessários seriam os descendentes, os ascendentes e o(a) cônjuge. Entretanto, a equiparação de regimes sucessórios entre cônjuge e companheiro(a), por oportunidade do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694/MG no STF, é possível defender a inclusão do(a) companheiro(a) neste rol.
 
3. Legítima pode ser compreendida como a parcela do patrimônio, correspondente à herança, reservada legalmente aos herdeiros necessários, consoante, sobretudo, o disposto nos artigos 1.789 e 1.846, ambos do Código Civil, os quais abordam o tema, inclusive com a delimitação da abrangência da citada proteção legal.
 
4. PRADO, Roberta Nioac; PEIXOTO, Daniel Monteiro; SANTI, Eurico Marcos Diniz (Coordenadores).Estratégias Societárias, Planejamento Tributário e Sucessório. 2ª edição – Série GVlaw. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 193.
 
5. Tributo de competência estatual, conforme artigo 155, inciso I, da Constituição Federal.
 
6. Estados podem prever alíquotas ao ITCMD em percentual de até 8% (oito por cento), nos termos dos artigos 155, inciso V, alínea “b”, da Constituição Federal e 1º, da Resolução do Senado Federal nº 9/92.
 
*Guilherme Molina é sócio advogado do escritório Molina & Reis Sociedade de Advogados, especialista em Direito Tributário.