PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação nº 1025597-86.2015.8.26.0564
Registro: 2016.0000845742
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1025597-86.2015.8.26.0564, da Comarca de São Bernardo do Campo, em que são partes são apelantes LENI DIAS DA SILVA, ANA GLÓRIA DIAS DA SILVA, VERA LUCIA DIAS DA SILVA LUKESIC e ENI APARECIDA DIAS DA SILVA BIANCCHI, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO BERNARDO DO CAMPO.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u. Declarará voto convergente o Desembargador Ricardo Dip.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.
São Paulo, 10 de novembro de 2016.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação nº 1025597-86.2015.8.26.0564
Apelantes: Leni Dias da Silva, Ana Glória Dias da Silva, Vera Lucia Dias da Silva Lukesic e Eni Aparecida Dias da Silva Biancchi
Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis de São Bernardo do Campo
VOTO Nº 29.580.
Registro de Imóveis – Dúvida registral – Carta de sentença – Usucapião – Indispensabilidade do georreferenciamento com certificação do INCRA – Pertinência da exigência de inscrição dos bens imóveis usucapidos no CAR, com localização das áreas de reserva legal florestal – Desnecessidade de anuência da Secretaria Ambiental do Estado de São Paulo, ainda que a usucapião contemple áreas de proteção de manancial – Impossibilidade de cumprimento das exigências não demonstrada – Não comprovação da alteração de destinação dos imóveis, de rurais para urbanos – Dúvida procedente – Recurso desprovido.
A r. sentença confirmou o juízo de desqualificação Registral [1], motivo pelo qual as interessadas, irresignadas, interpuseram recurso de apelação, com vistas ao registro da carta de sentença extraída do processo de usucapião, sob a alegação de que as exigências feitas pelo Oficial não podem ser cumpridas, pois atualmente não mais têm a posse das áreas usucapidas, hoje integrantes de porção de terra mais extensa (situada, ademais, afirmam, em área de expansão urbana), tendo em vista a expropriação promovida pela DERSA [2].
Com o recebimento do recurso [3], os autos foram enviados ao C. CSM e, ato contínuo, a Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento da apelação [4].
É o relatório.
As interessadas, ora recorrentes, requerem o registro da carta de sentença extraída dos autos do processo de usucapião n.º 0034475-61.2008.8.26.0564, expedida pela 2.ª Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo, cujo correspondente Juízo reconheceu, em sentença transitada em julgado, o direito de propriedade delas sobre os bens imóveis identificados nas matrículas n.ºs 11.324 e 11.325 do 1.º RI de São Bernardo do Campo. [5]
O registro pretendido foi condicionado, entretanto, e conforme melhor esclarecido na suscitação de dúvida, ao cumprimento de três exigências: a) descrição georreferenciada dos bens imóveis, com certificação do INCRA; b) comprovação da inscrição dos imóveis no Sistema de Cadastro Ambiental Rural do Estado de São Paulo; e c) demonstração de anuência da Secretaria Ambiental do Estado de São Paulo, diante do desmembramento de áreas de proteção de mananciais (arts. 14 e 16 da Lei Estadual n.º 1.172/1976). [6]
Na impugnação e no inconformismo expresso em seu Recurso [7], as recorrentes, em síntese, afirmam que o cumprimento das exigências é impossível. Sustentam que não se encontram mais na posse dos bens imóveis, que atualmente integram área mais extensa, atingida por desapropriação deflagrada pela DERSA. Com a inscrição, ponderam, ainda, buscam, particularmente, a regularização registral, necessária ao recebimento da indenização expropriatória. Contudo, nada obstante todo o esforço argumentativo, não têm razão.
A identificação dos bens usucapidos, que abrangem áreas daqueles descritos nas matrículas n.ºs 11.324 e 11.325 do 1.º RI de São Bernardo do Campo [8], está em desacordo com o georreferenciamento pelo sistema geodésico brasileiro [9], método descritivo introduzido pela Lei n.º 10.267/2001 (regulamentada pelo Decreto n.º 4.449/2002, depois alterado pelos Decretos n.º 5.570/2005 e n.º 7.620/2011), que aperfeiçoa o cumprimento do princípio da especialidade objetiva, devido à técnica cartográfica empregada, com potência para individuar os bens imóveis de modo a separá-los de qualquer outro na superfície terrestre.
A propósito, e de acordo com o § 3.º do art. 225 da Lei n.º 6.015/1973, “nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo-referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA …”. (grifei)
Na mesma linha seguem o art. 9.º, caput, e seus §§ 1.º e 9.º, do Decreto n.º 4.449/2002:
Art. 9º. A identificação do imóvel rural, na forma do § 3º do art. 176 e do § 3ºdo art. 225 da Lei nº 6.015, de 1973, será obtido a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais,georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA. (grifei)
…
§ 1.º Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende às exigências técnicas, conforme atonormativo próprio.
…
§ 9.º Em nenhuma hipótese a adequação do imóvel às exigências do art. 176, §§ 3.º e 4.º, e do art. 225, § 3.º, da Lei n.º 6.015, de 1973, poderá ser feita sem a certificação do memorial descritivo expedida pelo INCRA.
Por sua vez, o art. 226 da Lei de Registros Públicos dispõe: “tratando-se de usucapião, os requisitos da matrícula devem constar do mandado judicial.” E entre esses, encontra-se a exigência de identificação dos imóveis rurais pelo novo método descritivo, consoante norma extraída do art. 176, § 1.º, II, 3, a, a ser compreendida à luz dos textos de seus §§ 3.º e 5.º, da Lei n.º 6.015/1973.
Em reforço e prestígio da exigência atacada, convém sublinhar que a ação de usucapião é posterior ao início da vigência do Decreto n.º 5.570/2005 [10], que, então, no inc. I de seu art. 2.º, estabelece que a identificação do bem imóvel rural objeto de processo judicial, a ser feita nos termos do § 3.º do art. 225 da Lei n.º 6.015/1973, será exigida imediatamente, independentemente de sua dimensão, nas ações ajuizadas a partir da publicação deste Decreto.
Destarte, considerada a legislação em vigor (à época, inclusive, e especialmente, do juízo de qualificação registral), é exigível o impugnado georreferenciamento, então com a certificação do INCRA, condição prestigiada pelo princípio da especialidade objetiva, para fins, assim, da inscrição perseguida. Isto é, impõe ratificar a exigência oposta pelo Oficial.
Sob outro prisma, a especialização da reserva legal no bem imóvel rural, confiada ao proprietário/possuidor, sob o controle e aprovação de órgãos ambientais estatais, é indispensável. Pouco importa, para tanto, o modo de aquisição da propriedade, irrelevante ao controle do cumprimento de sua função ecológica. Vale dizer, a localização da reserva legal florestal é exigida mesmo se adquirida, a propriedade, pela via da usucapião. É necessária, aliás, para obstar o fracionamento do espaço protegido, a destinação de área sem relevância ao meio ambiente e para aferir a observação de critérios definidos em lei. [11]
A regra do art. 12 da Lei n.º 12.651/2012 impõe uma obrigação real de facere. Uma limitação administrativa voltada à tutela do meio ambiente, em sua dupla dimensão constitucional (art. 225, caput), como direito intergeracional e tarefa estatal e comunitária. [12] Em sintonia com o art. 225, § 1.º, III, da CF [13], conferindo-lhe concretude, prevê: “todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal”, respeitando os percentuais mínimos definidos em seus dois incisos. E até aí nenhuma novidade. O art. 16 da Lei n.º 4.771/1965 também previa uma obrigação propter rem (por causa da coisa) referente à reserva legal florestal.
A reserva legal, portanto, revela-se, por força de lei, condição para a propriedade rural cumprir sua função social, sua função socioambiental. É pressuposto da legitimidade do direito de propriedade rural. Consoante o art. 186, I e II, da CF, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente são requisitos, ao lado de outros, previstos nos seus incs. III e IV, para o cumprimento da função social da propriedade rural.
Dentro desse contexto, a área da reserva legal deve ser medida, demarcada e delimitada [14]. Esses são deveres específicos, inerentes à obrigação propter rem relativa à reserva legal. Pressuposto da legítima exploração do bem imóvel rural e (particularmente) da área não atingida pela limitação legal, a especialização da reserva legal florestal é necessária à tutela ambiental, à fiscalização do cumprimento da lei pelos órgãos competentes e à segurança das transações imobiliárias. Só assim é (e será) possível protegê-la, conservá-la.
De todo modo, essa especialização, no atual quadro legislativo, não deve necessariamente constar da matrícula do imóvel rural. A obrigatoriedade da averbação da reserva legal, idealizada para torná-la pública (porquanto a inscrição não é constitutiva da proteção ambiental nem necessária a sua oponibilidade a terceiros), antes prevista na legislação revogada, no § 8.º do art. 16 da Lei n.º 4.771/1965 [15], e ainda atualmente estabelecida na Lei de Registros Públicos [16], comporta temperamento. A isso conduz o diálogo entre fontes normativas, pois o § 4.º do art. 18 da Lei n.º 12.651/2012 ressalva que o registro da reserva legal no CAR desobriga a averbação em testilha.
A exigência dessa averbação (a predial), aliás, hoje, na realidade, porque implantado o CAR, é exceção, se considerado que, nos termos do art. 18, caput, da Lei n.º 12.651/2012, a área da reserva legal deve ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR, o que, à luz do § 1.º do dispositivo referido, supõe, em regra, a exibição de planta e de memorial descritivo indicando as coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração. Ou seja, a diretriz normativa aponta para a facultatividade da averbação imobiliária.
Trata-se de adequada opção legislativa, se valoradas as diferenças entre cadastro e registro [17]: aquele, o cadastro, e não este, é quem, precipuamente, deve servir à Administração como instrumento de monitoramento da arrecadação de tributos, cumprimento de funções administrativas e, no que aqui interessa, de controle do acatamento das obrigações ambientais. No mais, ao invés da duplicidade de inscrições, mais relevante, nessa questão, é resguardar o fluxo de informações entre um e outro.
Isso particularmente ficou claro com a promulgação da Lei n.º 12.651/2012, que, no seu artigo 29, caput, assentou: “é criado o Cadastro Ambiental Rural CAR, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente SINIMA, registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posse rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.”
Nada obstante, a desobrigação positivada no art. 18, § 4.º, da Lei n.º 12.651/2012, não se contenta com a mera inscrição do bem imóvel rural no CAR. Não basta a comprovação de sua realização; é necessário que se demonstre a especialização da reserva legal. Por isso, compete ao Oficial, ao realizar o juízo de qualificação registral, apurar se a inscrição cadastral indicou, em atenção ao inc. III do § 1.º do art. 29 da Lei n.º 12.651/2012 [18] ou, conforme a dimensão do imóvel, ao art. 53 do Código Florestal [19], a localização da reserva legal florestal. Sua falta, consequentemente, justificará a recusa do título, orientada pelo princípio da legalidade.
Em outros termos: por ocasião do primeiro registro, da prática de atos registrais relacionados com a transmissão de domínio, desmembramento, retificação de área de bens imóveis rurais e outras inscrições modificativas da figura geodésica dos imóveis e, mormente, do registro de sentenças de usucapião, caberá ao Oficial apurar se, com a inscrição no CAR, houve registro da reserva legal, sem o qual o acesso do título ao fólio real ficará condicionado ou à regularização da situação perante o CAR, com complementação de informações e saneamento das pendências, ou à especialização da reserva legal junto à serventia predial.
Enfim, se, no CAR, inexistir informação relativa à reserva legal florestal, essa, porque limita o direito de propriedade, deve constar do registro de imóveis, em prestígio da segurança jurídica e do princípio da publicidade. E inclusive para permitir o cumprimento de obrigações ambientais decorrentes dessa limitação. Agora, a averbação da reserva legal será prescindível, bastando a do número de inscrição no CAR, se determinada, no cadastro, sua posição, seu lugar.
Em recente precedente, inteiramente aplicável ao caso dos autos, o C. STJ reconheceu que a delimitação da reserva legal florestal, no CAR, apresenta-se como condição para o registro da sentença de usucapião: de acordo com o resolvido, a “nova lei não pretendeu reduzir a eficácia da norma ambiental, pretendeu tão somente alterar o órgão responsável pelo ‘registro’ da reserva legal, que antes era o Cartório de Registro de Imóveis, e agora passou a ser o órgão ambiental responsável pelo CAR.” [20]
Não convém, com efeito, prestigiar, aqui, o excesso de formalismo. Nessa última hipótese, consumado o registro eletrônico da reserva legal no CAR, a especialização (obrigatória) na serventia predial seria uma superfetação. E feriria o princípio da razoabilidade, seja porque efetivada pelo meio eleito por lei como o mais adequado aos fins perseguidos, seja porque, com a burocratização indesejada (expressa na exigência de duplicidade de registros), o que se ganharia em termos de (reforço de) publicidade ambiental teria menos relevo se confrontado com a perda de segurança jurídica que adviria da falta de regularização registral (proporcionalidade em sentido estrito).
Em síntese: com o registro da reserva legal florestal no CAR, não haveria mais justificativa razoável para uma obrigatória especialização desse espaço ambiental na serventia imobiliária. Uma exigência nesse sentido comprometeria a regularização da aquisição da propriedade, o controle e a transparência do tráfego imobiliário e, nessa trilha, o bom cumprimento pelo Oficial de sua missão institucional de guardião da propriedade imobiliária. Desconsideraria, de mais a mais, a instrumentalidade do registro de imóveis, a fidedignidade dos assentos registrais e o princípio fundamental do sistema registral (o da segurança jurídica).
Assim, ademais, posicionou-se, recentemente, este C. CSM, quando julgou, sob minha relatoria, em 2.6.2016, a Apelação n.º 1000891-63.2015.8.26.0362. Ocorre que, na hipótese dos autos, as recorrentes sequer promoveram a inscrição dos imóveis usucapidos no CAR. Correta, sob esse enfoque, portanto, a recusa do registro, que também tem fundamento no subitem 12.5. do Cap. XX das NSCGJ.
Agora, com relação à última exigência, o obstáculo não prevalece. O acesso da usucapião à tábua registral, porque modo originário de aquisição da propriedade, independe de apresentação de prévia anuência da Secretaria Ambiental do Estado de São Paulo, ainda que envolva áreas de proteção de manancial.
Consoante o v. acórdão proferido na Apelação n.º 0114136-89.2009.8.26.0100, rel. Des. Mary Grün, j. 30.1.2015, “não hárazão para condicionar a eficácia do provimento da ação de usucapião ao atendimento de providências administrativas, limitações de área ou restrições impostas pelas leis de proteção de mananciais.” Com idêntica compreensão, o E. TJSP se pronunciou no julgamento da Apelação n.º 0004615-98.2006.8.26.0268, rel. Des. Ana Lucia Romanhole Martucci, em 4.9.2014:
… pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de que estando o imóvel usucapiendo localizado em área de proteção de manancial, trata-se de circunstância que não impede o reconhecimento da prescrição aquisitiva já que é forma originária de aquisição da propriedade.
E pela mesma senda seguiu o v. acórdão prolatado na Apelação n.º 0007211-42.2003.8.26.0177, rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, j. 12.7.2011, onde foi reconhecido “que o fato de o imóvel em questão estar localizado em área de proteção de manancial não constitui óbice à caracterização da usucapião.”
Por fim, cabem mais duas considerações. Primeira: não se provou a impossibilidade absoluta de cumprimento das exigências formuladas pelo Oficial; a satisfação delas, de fato, não é inviabilizada pela desapropriação iniciada pela DERSA, que foi, é verdade, deflagrada supervenientemente à usucapião, mas cuja consumação, perfectibilização pelo pagamento da indenização, sequer foi demonstrada [21], e tampouco o é pela noticiada perda da posse dos imóveis.
De resto, não consta a ocorrência de alteração de destinação dos imóveis usucapidos, de rurais para urbanos, não averbada ademais em suas matrículas; não se comprovou, aliás, o cancelamento do cadastro de imóvel rural junto ao INCRA, nem mesmo a cientificação deste. Além disso, observo a esse respeito, a documentação referida na impugnação, insuficiente, versa somente sobre o bem imóvel objeto da mat. n.º 11.325 do 1.º RI de São Bernardo do Campo [22], então apenas um dos atingidos pela usucapião.
Isto posto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Conselho Superior da Magistratura
Apelação Cível 1025597-86.2015.8.26.0564
Procedência: São Bernardo do Campo
Apelantes: Leni Dias da Silva, Ana Glória Dias da Silva, Vera Lúcia Dias da Silva Lukesic e Eni Aparecida Dias da Silva Biancchi
Apelado: 1º Oficial do Registro de Imóveis da comarca
VOTO CONVERGENTE (n. 42.781):
1. Peço reverente licença para, aderindo entretanto à conclusão da relatoria, negar provimento à apelação valendo-me de fundamento diverso. É que, superados (por epítrope) os entraves indicados no termo de dúvida, os rogados registros stricto sensu não produzirão ressonância jurídica alguma, uma vez que os prédios usucapidos já foram, os dois, objeto de desapropriação contenciosa (fls. 4, 7, 53-54, 117-119, 121-123 e 140-149).
Conquanto não haja dúvida de que as apelantes tenham adquirido o domínio ex usucapione, a desapropriação, pondo ambos os imóveis em mãos do poder público, suprimiu toda e qualquer possibilidade de que as usucapientes pudessem vir a dispor desses bens, o que torna inúteis os correlatos registros stricto sensu no instante mesmo em que se façam.
É contraeconômico, para logo, em todos os aspectos (economia de esforços, de tempo e de custos), efetivar-se uma inscrição registrária destituída de toda eficácia atual.
Mais agudamente, o princípio da legalidade impõe que apenas se efetuem inscrições eficazes in actu, de modo que o registro não se converta em local de acesso para não importa quais títulos ou mesmo se confunda com um mero arquivo de informações. Daí o aforismo: inutilitates in tabula illicita sunt.
Acrescente-se que a sentença proferida na usucapião, se não tem mais eficácia mandamental para o registro (cf. art. 945 do antigo Cód.Pr.Civ.), tem-na todavia declaratória em medida suficiente para fazer provar o domínio em certo tempo, o que, presentes os demais requisitos legais, satisfaz as exigências do caput do art. 34 do Decreto-lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941.
TERMOS EM QUE, nego provimento ao recurso.
Des. RICARDO DIP
Presidente da Seção de Direito Público
Notas:
[1] Fls. 221-224.
[2] Fls. 229-236.
[3] Fls. 239.
[4] Fls. 252-255.
[5] Fls. 6-8 e 25-139.
[6] Fls. 1-5.
[7] Fls. 159-164 e 229-236.
[8] Fls. 39-40, 41-42, 140-144 e 145-149.
[9] Fls. 43-47 e 105-129
[10] Cf. fls. 26-38, 52-62, 63 e 64-67.
[11] O art. 14, caput, da Lei n.º 12.651/2012, disciplina que “a localização da área de Reserva Legal no imóvel rural deverá levar em consideração os seguintes estudos e critérios: I – o plano de bacia hidrográfica; II o Zoneamento Ecológico-Econômico; III a formação de corredores ecológicos com outra Reserva Legal, com Área de Preservação Permanente, com Unidade de Conservação ou com outra área legalmente protegida; IV as áreas de maior importância para a conservação da biodiversidade; e V – as áreas de maior fragilidade ambiental”, enquanto seu § 1.º define que “o órgão estadual integrante do Sisnama ou instituição por ele habilitada deverá aprovar a especialização da Reserva Legal após a inclusão do imóvel no CAR, conforme o art. 29 desta Lei.”
[12] Gilmar Mendes Ferreira; Inocêncio Mártires Coelho; Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1.304.
[13] Artigo 225. (…)
§ 1.º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…);
III definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (…).
[14] Luís Paulo Sirvinskas. Manual de Direito Ambiental. 10.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 533.
[15] Art. 16. (…)
§ 8.º A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código.
[16] Art. 167, II, 22), da Lei n.º 6.015/1973.
[17] A respeito da distinção, conferir artigo de Marcelo Augusto Santana de Melo, O meio ambiente e o Registro de Imóveis, in Registro de imóveis e meio ambiente. Francisco de Asís Palacios Criado; Marcelo Augusto Santana de Melo; Sérgio Jacomino (coord.). São Paulo: Saraiva, 2010. p. 36-38.
[18] Art. 29. (…)
§ 1.º A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do possuidor ou proprietário: (…)
III identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel, informando a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal.
[19] Art. 53. Para o registro no CAR da Reserva Legal, nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3o, o proprietário ou possuidor apresentará os dados identificando a área proposta de Reserva Legal, cabendo aos órgãos competentes integrantes do Sisnama, ou instituição por ele habilitada, realizar a captação das respectivas coordenadas geográficas.
Parágrafo único. O registro da Reserva Legal nos imóveis a que se refere o inciso V do art. 3o é gratuito, devendo o poder público prestar apoio técnico e jurídico.
[20] REsp n.º 1.356.207/SP, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 28.4.2015.
[21] Cf. fls. 166-205.
[22] Fls. 145-149, av. 5, e 210.