No transcorrer da história, com a concatenação dos valores culturais representativos das três grandes civilizações (a civilização hebraica, a civilização grega e a civilização romana), a imagem da Justiça consagrou-se como um tratamento igual de relações iguais.[1] Em outras palavras, a Justiça, em sentido amplo, quer indicar uma conformidade, uma congruência, uma proporção: uma proporção real e pessoal, de homem para homem, que, conservada, conserva a sociedade; corrompida, corrompe-a.[2]
 
Desta forma, a Justiça, como produto da convivência dos homens em sociedade, é um predicado do Direito. “Da mesma forma que o Direito depende da Justiça para cumprir seu papel, a Justiça necessita também se corporificar nas leis, para tornar-se prática”.[3] Na verdade, a Justiça, além de ser considerada como o valor do Direito, pressupõe o ideal de segurança. “A segurança jurídica é a finalidade próxima; a finalidade distante é a Justiça”.[4]
 
Neste viés, o valor da Segurança Jurídica corresponde a uma necessidade iminente, uma vez que não está vinculada apenas à realização da Justiça, mas sim à ordem. Portanto, segurança e justiça “(…) não se contrapõem, mas enquanto esta é um poder moral, desarmado, sua garantia de efetivação no Direito repousa na materialidade objetiva da Segurança Jurídica.”[5]
 
E, justamente servindo à chamada Segurança Jurídica que, sob o tráfico do tempo e dos atos humanos, ao Estado adveio a necessidade de fazer criar mecanismos para evitar litígios, dirimindo-se, assim, os conflitos de interesses. Houve a necessidade de se criar uma sistemática capaz de gerir, através de feições públicas, as relações sociais em âmbito privado, tendo por objetivo primário a efetivação da segurança jurídica nos negócios particulares.
 
Foi assim que surgiu a função notarial: fruto de uma necessidade social de se trazer segurança jurídica ao comércio, da necessidade de se criar vínculos de confiança nas relações negociais, da necessidade de uma intervenção de um terceiro imparcial que coibisse abusos e protegesse o hipossuficiente.
 
De fato, da própria evolução histórica do Notariado, depreende-se que se trata de uma instituição pré-jurídica, que teve seu desenvolvimento decretado pela necessidade social, e não por uma criação jurídica do meio acadêmico ou legislativo. Na verdade, na história medieval, surgiram várias classes de notários, criadas por certas autoridades, e que agiam a serviço da autoridade ou do poder que as criara. “Entretanto, paralelamente à elas, desenvolveram-se os notários das vilas e das cidades, que agiam a serviço de todos sem distinção, de maneira independente e, que por isso mesmo, conquistaram a confiança de todos e impuseram-se frente às outras classes, fazendo com que desaparecessem.”[6]
 
Desta maneira, tendo nascido no seio da sociedade para suprir as necessidades de segurança e certeza nas relações negociais, o notário estabeleceu importantes vínculos de confiança com a sociedade, na medida em que sua atuação é verdadeira, pois exprime a realidade dos acontecimentos.
 
Com efeito, a necessidade de transmitir segurança jurídica a negócios particularmentes importantes fez com que, já na época do Império Romano, fosse verificada a fragilidade da prova testemunhal. “O próprio Imperador Constantino impôs a forma documental nas compras e vendas e nas doações de imóveis e, em consequência, o problema da prova deslocou-se para a eventual falsidade dos documentos(…)”. Não bastava, assim, o documento. Para fazer prova plena do negócio, era necessária, ainda, a intervenção de um terceiro de confiança, que atestasse a validade e a autenticidade do documento. Ou seja, o fundamento de validade do documento era a intervenção de um terceiro de confiança, um funcionário público, em última análise, um notário.
 
O notário, desde aquela época, se afirmou como um guardião insubstituível da segurança jurídica do comércio. Estava em causa um problema que foi de ontem e se mantém nos nossos tempos: a necessidade de dar segurança jurídica ao mundo dos negócios.
 
A intervenção do notário, assim, é a ferramenta eficiente a suprir esta necessidade social de segurança jurídica: na qualidade de terceiro conhecedor do direito e imparcial, ele garante a legalidade do negócio, a manifestação livre de vontade das partes contratantes e a confiança, esta última essencial ao pleno desenvolvimento do comércio e das relações negociais.
 
O notário, como profissional graduado em Direito, é detentor de profundo saber jurídico, habilitado a conferir a melhor sugestão jurídica aos negócios que lhe são apresentados. O notário, sendo conhecedor da lei, está apto a informar às partes o melhor direito aplicado ao seu caso, dando-lhes todo o conjunto de explicações necessárias e oportunas, e livrando-as, com imparcialidade, dos enganos que podem advir de sua ignorância sobre as leis ou, até mesmo, de uma possível presença de má-fé.
 
Cabe ressalvar aqui que “o notário não defende seus clientes, como faz o advogado, mas, defende, sim, o ato jurídico a ser praticado e a correção deste, de acordo com o ordenamento jurídico, devendo, por isto, o notário ser equidistante e orientar igualmente a todos os envolvidos no ato que se realiza, seja a parte que o elegeu, sejam os demais envolvidos no ato notarial.”[7]
 
Em suma, é o notário quem indica, com imparcialidade, o melhor caminho a ser seguido, formalizando, com segurança jurídica e legalidade, o negócio jurídico.
O direito deve ser um instrumento de justiça e de inclusão social. E, para isso, é imperiosa a existência de segurança jurídica nas relações sociais, o que somente se conquista através de vínculos de confiança estabelecidos por um terceiro interventor, uma “longa manus” do Estado, um notário, que com sua atuação imparcial e verdadeira garante um tratamento igual de relações iguais, ou seja, garante a Justiça.
 
[1] CHAVES, Carlos Fernando Brasil e REZENDE, Afonso Celso F. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. 6.ed. Campinas, SP: Millennium Editora, 2010. p. 4
[2] CHAVES, Carlos Fernando Brasil e REZENDE, Afonso Celso F. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. 6.ed. Campinas, SP: Millennium Editora, 2010. p. 6
[3] NADER, Paulo. Apud CHAVES, Carlos Fernando Brasil e REZENDE, Afonso Celso F. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. 6.ed. Campinas, SP: Millennium Editora, 2010. p. 7
[4] SAUER, Wilhelm. Apud CHAVES, Carlos Fernando Brasil e REZENDE, Afonso Celso F. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. 6.ed. Campinas, SP: Millennium Editora, 2010. p. 10
[5] SOUZA, Carlos Alberto Mota de. Apud CHAVES, Carlos Fernando Brasil e REZENDE, Afonso Celso F. Tabelionato de Notas e o Notário Perfeito. 6.ed. Campinas, SP: Millennium Editora, 2010. p. 11
[6] BRANDELLI, Leonardo. Atuação Notarial em uma economia de mercado – a tutela do hipossuficiente. In: Revista de Direito Imobiliário nº 52. São Paulo: Instituto do Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, jan-jun de 2002.p. 192
[7] BRANDELLI, Leonardo. Atuação Notarial em uma economia de mercado – a tutela do hipossuficiente. In: Revista de Direito Imobiliário nº 52. São Paulo: Instituto do Registro Imobiliário do Brasil – IRIB, jan-jun de 2002.p. 192
 
*José Flávio Bueno Fischer: 1º Tabelião de Novo Hamburgo/RS, ex-presidente do CNB/CF e membro do Conselho de Direção da UINL