O Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil (CNB/CF) participou nos dias 20 e 21 do IV Encontro de Direitos Reais, Direito Notarial e de Registros, promovido pelo Centro de Estudos Notariais e Registrais (CENoR) da Universidade de Coimbra, em Portugal, em parceria com o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (Irib), Academia Notarial Brasileira (ANB), Academia Brasileira de Direito Registral Imobiliário (ABDRI), Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo (Arisp) e Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (CNB/SP).
 
Durante dois dias foram debatidos importantes temas atuais da atividade notarial, como Divórcio Internacional, Escritura Eletrônica e Registro Digital, Direito Real de Habitação Periódica e Proteção da Casa de Habitação. A entidade esteve representada por seu presidente, Paulo Roberto Gaiger Ferreira, pelo vice-presidente, Filipe Andrade Lima, e contou com a participação dos notários Ubiratan Guimarães, presidente da Academia Notarial Brasileira (ANB), Andrey Guimarães Duarte, presidente da Seccional de São Paulo do Colégio Notarial do Brasil (CNB/SP), além do tabelião Rodrigo da Costa Dantas, de São Paulo, Ivanildo Figueiredo, de Recife (PE), e Fernanda Leitão, do Rio de Janeiro (RJ).
 
Pressente à abertura oficial do evento, o reitor da Universidade de Coimbra, Rui Manuel de Figueiredo Marcos, saudou a realização do evento e o intercâmbio jurídico entre brasileiros e portugueses. “Embora o Atlântico nos separe, nossas culturas jurídicas são muito próximas e podemos aprender uns com os outros os atalhos da melhor ciência jurídica”, destacou. “Este evento chega à sua quarta edição, o que mostra que se solidificou dentro do calendário de capacitação jurídica de nossa Universidade”, disse.
 
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme Martins congratulou-se de poder representar a magistratura brasileira em um evento internacional voltado à atividade notarial e registral. “A nossa presença, representando 15 mil juízes federais, estaduais e trabalhistas do Brasil, demonstra o grau de parceria estabelecida entre a magistratura com os registros públicos brasileiros, o que sem dúvida alguma será reforçado nesta minha gestão”, disse.
 
Ao discursar na abertura do evento, o presidente do CNB, Paulo Roberto Gaiger Ferreira, destacou o papel do notariado brasileiro na segurança jurídica e pacificação de conflitos na sociedade brasileira. “Vivemos momentos turbulentos no Brasil, mas mesmo em uma situação de caos nacional, o notariado segue seu trabalho sério, eficiente e seguro em prol da população, conferindo segurança jurídica às relações econômicas e prevenção de litígios”, afirmou.
 
Também participaram da abertura oficial o presidente do Irib, Sérgio Jacomino, a presidente do CENoR, Monica Jardim, o presidente do Conselho Diretivo do Instituto Registral e Notarial (INR), José Ascêncio Maia, o promotor de justiça de São Paulo, José Carlos Mascari Bonilha, e o bastonário da Ordem dos Notários de Portugal, João Maia Rodrigues. “O notariado português acompanhou de perto e intensificou laços com a última gestão do notariado brasileiro e acredito que o Paulo Gaiger seguirá o trabalho até agora realizado, mantendo o notariado brasileiro no patamar elevado em que já se encontra”, destacou.
 
Multipropiedade ou time-sharing
 
Coube ao tabelião Rodrigo da Costa Dantas, notário na cidade de São Paulo, abrir as palestras do evento, abordando o tema da Multipropriedade, um regime de co-propriedade em um mesmo imóvel que ainda carece de regulamentação no Brasil, figurando com um instituto atípico.
 
Em sua apresentação destacou a apresentação da regulamentação da matéria em diversos países, inclusive em Portugal, onde está regulado pelo Decreto nº 275/93, que o qualifica como direito real sobre coisa alheia, que se manifesta como um direito real de habitação vinculado a um período de tempo específico.
 
Em sua apresentação destacou o reconhecimento doutrinário do tema, tanto em seu fim social, ao proporcionar um aproveitamento adequado da propriedade, já que o mesmo imóvel é desfrutado e compartilhado por usuários por turnos, facilitando o acesso ao imóvel, como sua finalidade econômica, uma vez que reduz o custo de aquisição de direitos e aumenta o fluxo de negócios imobiliários, além de fomentar a econômica local. Também citou seus conceitos e tipos, como a imobiliária, hoteleira e periódica, além da visão sistemática e características do instituto.
 
A palestra foi mediada pelo vice-presidente do CNB, Filipe Andrade Lima, e teve como debatedores o assessor jurídico do CNB/SP, Rafael Depieri, o registrador imobiliário Bruno Felisberto, a mestre Margarida Andrade, a presidente do CENoR, Monica Jardim, e o presidente do INR, José Ascêncio Maia.
 
Já o tema Proteção da Casa da Habitação teve como palestrante principal o promotor de Justiça paulista José Carlos Mascari Bonilha, que discorreu sobre o tratamento da doutrina brasileira em relação ao bem de família, em especial sobre as proteções conferidas pela legislação a este bem. Pelo lado português, coube ao professor Remédio Marques tratar do tema, enfatizando as diferenças existentes entre o tratamento jurídico da união estável no Brasil e em Portugal, e frisando que o bem de família de em Portugal pode ser penhorado sem qualquer restrição mais severa.
 
Divórcio Internacional e os Contratos Eletrônicos
 
O segundo dia do evento foi destinado especificamente a temas atuais da atividade notarial. Coube à Karine Boselli, registradora civil em São Paulo, palestrar sobre o tema Divórcio Internacional, discorrendo sobre toda a histórica do instituto do divórcio no Brasil até suas mais recentes modificações, como a possibilidade de ser realizado de forma consensual em Tabelionato de Notas e as mudanças oriundas da Emenda Constitucional 66.
 
Pelo lado português palestrou o mestre Nuno Ascensão Silva, com debates da juíza de Direito em Lisboa, Carla Câmara, e do juiz de Direito da 2ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, Marcelo Benacchio, que destacou o novo momento das formações familiares e sua pluralidade.
 
Coube à mesa final do evento debater o tema mais desafiador do encontro, que envolveu os Contratos e Registros Eletrônicos. Coordenada pelo desembargador Luís Paulo Aliende Ribeiro, e tendo como palestrante o jurista português Afonso Patrão e o presidente da ANB, Ubiratan Guimarães, contou ainda com Sérgio Jacomino, presidente do Irib, George Takeda, registrador imobiliário em São Paulo, Andrey Guimarães, presidente do CN/-SP, João Menezes, notário na cidade do Porto, e José Manuel Martins, registrador imobiliário aposentado.
 
Em uma apresentação bastante completa, Afonso Patrão, apresentou inicialmente os quatro problemas jurídicos existentes em relação aos documentos eletrônicos, já solucionados no suporte papel: certeza quanto à identidade das partes, integridade do conteúdo do documento, confidencialidade do conteúdo e classificação formal e valor probatório. Para os três primeiros, apresentou a solução portuguesa, pioneira na Europa, da assinatura eletrônica (Decreto Lei nº 88/2009), sendo que o primeiro datou de 1999.
 
Quanto ao valor probatório, consagrou-se na legislação portuguesa que um documento eletrônico satisfaz a exigência de forma escrita se for suscetível de representação escrita. Já o valor probatório e seus efeitos estariam dependentes da modalidade da assinatura que for aposta ao documento, Em Portugal, as assinaturas eletrônicas são comercializadas por empresas privadas e possuem níveis de segurança diferentes.
 
Em Portugal, o Código Civil prevê expressamente a possibilidade de emissões de documentos eletrônicos, desde que cumpridas as formalidades legais. Por fim, destacou que a legislação portuguesa, assim como consagrado pelo sistema do notariado latino, não permite à realização de escrituras públicas à distância, sem a presença dos outorgantes. Citou à exceção da França, que desde 2000 permite a realização de uma mesma escritura por notários situados em locais distantes, atendo cada qual o seu usuário.
 
Coube ao presidente da ANB, Ubiratan Guimarães, apresentar um panorama da realidade dos documentos eletrônicos no Brasil. Reproduzindo todo o histórico da instituição da Medida Provisória 2.200, válida até hoje, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas no Brasil (ICP/Brasil), Guimarães repercutiu o trabalho desenvolvido pelo Colégio Notarial na instituição de suas Autoridades Certificadoras, mas lamentou o fato do notariado brasileiro não assumir o protagonismo na emissão de certificados digitais.
 
O presidente da ANB apontou ainda o desenvolvimento da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (Censec), hoje o maior repositório nacional de atos notariais e sua interoperabilidade através de seus diversos sistemas. Por fim, abordou a inclusão do notariado brasileiro nos estudos relacionados à tecnologia blockchain, como instituidor da confiabilidade técnica e jurídica para as transações em razão do elemento central da fé pública. “A blockchain garante a integralidade dos atos, mas o que garante a juridicidade no plano dos fatos é a participação notarial”, disse.
 
Entre os debates que se sucederam foram unânimes as posições dos notários contrários à realização de escrituras sem a presença física do usuário, uma vez que não se garante a respectiva identificação e manifestação de vontade. Já os registradores imobiliários defenderam um novo modelo de atos, baseados na estruturação de dados e não mais textos formulários, de forma a permitir a catalogação de informações. Também alertaram sobre a necessidade de centralização de informações e interoperabilidade que permita a fácil localização de matrículas e expedição dessas aos usuários. “O serviço eletrônico não pode ser mais difícil e mais caro do que o físico, por isso é necessário a instituição de regramentos mínimos para que não atuemos de forma atomizada”, disse Sérgio Jacomino.