Mariazinha foi à uma festa e conheceu Pedrinho. Eles se curtiram e ficaram. Depois, continuaram a se ver e o rolo acabou virando namoro. Ela começou a ir com frequência para a casa dele e vice-versa. Até que um dia, alguém soltou um: “vamos morar juntos?”. E assim Mariazinha e Pedrinho juntaram os trapinhos como casados, mesmo sem “papel passado”.
 
Há algumas décadas, isso seria um escândalo, mas os tempos são outros. Segundo o IBGE, de 2000 a 2010, o número de casamentos no civil e religioso no Rio caiu de 43,87% para 42,72%, e a quantidade de casais em união estável cresceu de 34,54% para 39,04%.
 
O amor é lindo, mas, muitas vezes, o viveram felizes não é para sempre e começa a confusão. O desconforto na hora de falar de finanças é comum, mas não fazê-lo, muitas vezes pode causar dores de cabeça mais tarde. Como diz o ditado “o que é acordado não sai caro”.
 
Entre os conflitos mais comuns nesse aspecto para os casais estão os que dizem respeito à aquisição e partilha da propriedade e sua utilização após a separação. Por mais que muitos casais prefiram juntar as escovas de dente em vez de casar no cartório e na igreja, o fato é que os direitos e deveres são os mesmos de um casamento na prática, seja ele hétero ou homoafetivo.
 
A partilha do imóvel costuma ter dois cenários. Em um deles, um dos cônjuges comprou o imóvel antes. E, em outra, compraram juntos.
 
Nos dois casos, se não houver um documento especificando um acordo do casal sobre a partilha, o que vale é o regime de comunhão parcial de bens, ou seja, cada um mantém o que é seu, sem ter que dividir. No caso de terem adquirido propriedade juntos, é 50% para cada, explica o advogado especialista em direito imobiliário Hamilton Quirino.
 
Há casos em que apenas um dos cônjuges fica com o imóvel: por exemplo, heranças adquiridas por um dos cônjuges, separação total de bens e acordos pré-nupciais, acrescenta o advogado Alfredo Pasanisi, do escritório Karpat Sociedade de Advogados.
 
— A divisão de imóveis por um casal no matrimônio tradicional é mais simples, porque os documentos do casamento definem o regime de bens e, com base neste, é feita a divisão. No caso da união estável, primeiro é preciso a prova da união, que pode ser feita por documento em cartório ou, ainda, através de uma ação em Vara de Família. Depois disso, parte-se para a divisão de bens — explica Pasanisi.
 
A partir do momento que o casal decide se separar, o ideal, em geral, é a venda do imóvel para divisão igualitária entre ambos. Mas as outras soluções podem ser adotadas, como uma delas assumir a parte do outro, além da dívida remanescente, explica Quirino.
 
— Caso não haja acordo, caberá ao juiz definir, à luz do contrato de financiamento, e com base no comprometimento de renda de cada um, ao fazer o financiamento.
 
Quirino acrescenta que, atualmente, existe um grande número de mediações pré-processuais que previnem e evitam os litígios.
 
— O caso mais comum é quando existe um só imóvel, que pertence aos dois, e não há acordo para a venda, e nenhum dos dois tem recursos para comprar a parte do outro. Uma solução alternativa será o imóvel ficar em condomínio entre os dois, ou ser doado para os filhos, quando houver.
 
A lei não determina qual o período para considerar uma união como estável. De acordo com o advogado Rafael Aché Cordeiro, a primeira tentativa de regulamentação foi com a Lei 8.971/94, que trouxe um prazo de cinco anos como tempo mínimo de convivência.
 
Porém, essa Lei foi revogada pela Lei 9.278/96, a qual não especificou qual seria o período. A base que se usa hoje em casos judiciais é o artigo 1.723 do Código Civil, que diz: “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
 
A comprovação da união estável não é tão simples quanto o documento matrimonial, mas também não é tão difícil. Quando o assunto vai parar na Justiça, cada caso pode ser avaliado de uma forma, mas alguns pontos já têm sido amplamente considerados para classificar uma relação como união estável.
 
De acordo com Quirino, basta a convivência contínua e duradoura: — Não é preciso assinar o contrato de união estável nem é preciso morar junto. A existência de filhos comuns, contas conjuntas, fotos, e quaisquer outras provas podem fundamentar ação de reconhecimento de união estável, quando há litígio neste sentido.
 
Para Aché Cordeiro, mesmo uma união de meses pode ser considerada estável, enquanto anos de convivência podem configurar apenas um namoro:
 
— Os requisitos de configuração da união estável são assistência material, suporte emocional, dentre outras características que demonstrem que o casal vive como casados, deixando evidenciado a diferença entre um namoro e a união estável. No namoro o casal faz plano para no futuro constituir uma família, na união estável o casal já executa os planos de viver em família. A relação não pode ser furtiva ou secreta, pois os companheiros devem se tratar como casados perante a sociedade — explica o advogado.
 
Herança fica de fora
 
Os advogados também tiram dúvidas sobre imóveis recebidos por doação ou herança. Segundo Quirino, ambos não integram o patrimônio do casal, sendo a única exceção quando o regime de casamento é de união universal de bens. Nesse caso, tanto os bens recebidos por herança como por doação passam a pertencer também ao outro cônjuge, explica.
 
Aché Cordeiro ressalta, ainda, que conforme recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, na união estável de pessoa com mais de 70 anos impõe-se o regime de separação obrigatória de bens.
 
— É importante separar o direito de propriedade dos bens entre os ex-cônjuges dos direitos de herança. O Código Civil define uma série de regras para estas questões, mas a norma geral é que primeiro separam-se os bens do casal para fazer a meação e depois disso, nos bens remanescentes, verifica-se a concorrência do cônjuge remanescente com os herdeiros nesta parte da herança.
 
Por mais que falar de finanças e separações seja desconfortável quando o amor vai bem, é importante deixar tudo às claras, independentemente de ser união estável ou casamento.
 
O mais seguro, sugere Quirino, é estabelecer um pacto de união estável, no qual são estabelecidas essas questões. Assim como no regime de casamento, que deve ser informado antes ao Cartório Civil, o mesmo pode acontecer, e é recomendável no caso de união estável.
 
— A melhor orientação é deixar tudo registrado em contratos. E registrar a união estável em cartório com a declaração sobre as responsabilidades sobre os bens, para que nada dependa de prova posterior em eventuais litígios, que são sempre desgastantes para ambos. E normalmente, caros — conclui Pasanisi.