(Princípio da legalidade – Décima – sétima parte)
 
411. São pressupostos de existência da qualificação registrária (a bem dizer, pressupostos diretos da relação jurídico-registral, e, por isto, são-no, reflexamente, do juízo de qualificação) − (i) a “jurisdição” administrativo-registral, (ii) a rogação e (iii) o título em sentido formal; são requisitos de validade da qualificação: (iv) a competência territorial, (v) a competência ratione materiæ, (vi) o título em sentido material e (vii) a ausência de impedimentos subjetivos; são atributos de regularidade da qualificação: suas (viii) unitariedade (ix) integralidade, (x) literalidade, (xi) motivação e (xii) tempestividade.
 
Tratemos brevemente de cada um destes pontos.
 
412. Toma-se aqui o termo pressuposto no sentido de algo previamente condicionante de um ato −em nosso caso, o da qualificação registral.
 
Trata-se, na espécie, de pressupostos não-causais, vale dizer: condições necessárias, aquilo que se exige, necessariamente, para a qualificação existir, scl., estar posta fora do que a causa. Os pressupostos não causais podem ser positivos (p.ex., o cérebro é condição necessária positiva para que haja um pensamento; a vida humana é pressuposto positivo para haver um homicídio) ou negativos (os que afastam um obstáculo: tirar a venda de um homem é a condição negativa para que veja).
 
413. A “jurisdição” administrativo-registral é o primeiro dos pressupostos da qualificação registrária, juízo que emerge no âmbito a relação formada entre o registrador e o solicitante de uma dada inscrição. Consiste essa “jurisdição” registral numa potestade de conservação de inscrições e publicação de situações jurídicas relativas a bens imóveis. É, historicamente, uma função da comunidade −ou seja, em que seu titular responde diretamente à lei−, função que, no Brasil, é objeto de acesso mediante concurso público e designação (dita “delegação” −art. 236 da Constituição federal de 1988) pelo Poder estatal.
 
Sem a outorga dessa “jurisdição”, não é viável a existência jurídica do juízo de qualificação, em que pese à possibilidade de a anomalia da usurpação de funções por eventuais “registradores de fato” não impedir o fortuito aproveitamento excepcional dos atos praticados por quem haja atuado com aparência de titularidade da “jurisdição”.
 
414. A rogação, solicitação ou instância registral é outro dos pressupostos de existência da qualificação registral. Não há demanda registrária, não há relação jurídico-registral sem a rogatio de um solicitante. Interdita-se, ordinariamente, que o registrador proceda propter officium, porque a inscrição, obrigatória ou não, é sempre o resultado do exercício de um direito potestativo −o de acesso registral, assim, ne procedat tabullarius sine actore.
 
415. O terceiro e último dos pressupostos existenciais da qualificação registrária é o título em sentido formal, ou seja, o documento, o instrumento, um meio corpóreo, objeto parcial da qualificação.
 
Sem esta base documentária de seu objeto não se viabiliza a existência jurídica da qualificação: o documento é sempre algo corpóreo, ainda que se trate de documento informático. Corporalidade significa a matéria em que e por meio da qual se representa um ato. Erram os que afirmam, em manifesto equívoco, que o documento virtual é incorpóreo, imaterial; trata-se apenas de um documento “não-papelizado” e não algo incorpóreo, imaterial.  (Houve já escritos sobre bronze, chumbo, pedra, mármore, ladrilhos, peles, folhas de oliveira, peles, tábuas de madeira cobertas de cera, papiros, pergaminhos, papel… e agora a corporeidade se faz por meio eletrônico).
 
416. Quanto aos requisitos de validade da qualificação registral, têm-se entre eles, por primeiro, os das competências territorial e material −vale dizer, a quantidade de juízo hipotecário ou “jurisdição” registrária assinada a cada registrador, respectivamente segundo um determinado território dentro em cujos limites exerce ele sua função ou segundo a matéria sobre a qual recai esse juízo.
 
A competência administrativo-registral ratione loci corresponde a uma afetação de potestade que se conforma à divisão de um mais amplo território em frações, considerando-se a situação geográfica do imóvel objeto, seja ela a contemporânea, seja ela, ainda que de maneira excepcional, a pretérita (p.ex., no quadro brasileiro, veja-se o que dispõem os incisos I e II do art. 169 da Lei n. 6.015, de 1973, que ensejam uma exceptiva concorrência simultânea relativa a um mesmo prédio). Anote-se que, na Espanha, admite-se uma competência sucessiva (de segundo grau) ou supletiva (por excesso de prazo na origem) da ordinariamente territorial, mediante a instituição de competência de calificación sustitutoria.
 
A competência ratione materiæ assina-se também em consonância com as previsões das normas regenciais, quase sempre relativas a inscrições que têm por objeto fatos, atos e negócios jurídicos imobiliários, maxime com transcendência real.
 
Se a “qualificação do caso” não se assina, por falta de competência territorial ou material, ao registrador a quem se dirigiu a solicitação de registro, não cabe a esse registrador expedir juízo de qualificação completa, senão que emitir somente a recusa motivada de proferir o julgamento hipotecário (qualificação sumária, expedita ou extintitiva). Ou seja, veda-se a análise do “mérito registral”, extinguindo-se a relação registrária pelo vício de competência.
 
417. É também requisito de validade da qualificação o título em sentido material (fato, ato ou negócio jurídico).
 
Sem o título em acepção formal, não pode existir, juridicamente, uma qualificação registrária, mas, suposto haja o documento −em que se apoie uma dada solicitação registral−, já a ausência do título em sentido substantivo ou material (ou seja, a falta de indicação de fato, ato ou negócio no documento apresentado) não interdita a qualificação sumária (averbe-se ser possível manter o nome “qualificação de título” para o juízo registrário que se expede sobre o título em sentido formal).
 
Assinale-se −por de muito relevo− que, em caso de ausência de título em acepção material, a qualificação sumária é extintiva em definitivo do caso registrário objeto. Equivale a dizer: não se admite saneamento intercorrente por meio de outro título formal. Eventual ulterior reapresentação completa deve ensejar nova prenotação. Ou seja, documentos vazios não são veículos para avantajar-se no direito posicional resultante do protocolo.
 
418. A ausência de impedimentos subjetivos constitui um requisito negativo para a validez da qualificação. Esses empecilhos pessoais do registrador concernem à impartialidade (é dizer, não ser ele próprio “parte” interessada no registro pretendido) e às demais hipóteses de impedimento previstas em lei (para o quadro brasileiro, pode tomar-se por parâmetro a situação do juiz: cf. art. 144 do Código de Processo Civil, combinado com seu art. 15). Tem-se entendido que não cabe reconhecer obstáculo subjetivo em hipótese de suspeição (vid. Art. 145 do mesmo Código), embora possa admiti-lo o próprio registrador se assim entender mais prudente.
 
419. Por fim, são atributos da regularidade da qualificação, ser esta unitária (não deve emitir-se fragmentadamente, mas em ato documentalmente único, salvo o caso de qualificações sucessivas por atendimento a exigências de saneamento do título), integral ou completa (sempre que verse o mérito, ao revés da extintiva ou sumária; por igual, caberá sua alteração em caso de sanação do título), literal (como ato documental de um procedimento), motivada (para controle da razoabilidade) e  tempestiva (é dizer, proferida em tempo que permita eventual saneamento do título dentro da vigência do protocolo).
 
Prosseguiremos.