Em Portugal, o notariado está inclinado para a desmaterialização de processos e os critérios para a divisão notarial são fixados por Lei. Confira a entrevista de João Ricardo da Costa Menezes, notário no País.
 
CNB/CF – Como é o acesso à profissão notarial em seu País? Necessita de prática ou algum exame de admissão?
 
João Ricardo da Costa Menezes – Em Portugal o acesso à profissão requer, desde logo, a reunião de vários requisitos prévios. A saber: ser português ou nacional de um Estado membro da União Europeia ou de outro Estado signatário de acordo com Portugal visando o reconhecimento mútuo de qualificações profissionais para o exercício da função notarial em regime de reciprocidade; ser maior de idade; não estar inibido do exercício de funções públicas e possuir, pelo menos, o grau de licenciatura em Direito. Verificados estes pressupostos o candidato a notário terá de percorrer três etapas. A primeira etapa é o estágio notarial com duração máxima de 18 meses e é realizado sob a orientação de um notário com pelo menos cinco anos de exercício de funções. O estágio tem uma fase inicial com a duração de seis meses e destina-se a garantir a apreensão dos aspetos técnicos da profissão, o conhecimento das regras e exigências deontológicas, assim como o aprofundamento de determinados institutos jurídicos. A fase complementar do estágio dura 12 meses e visa o desenvolvimento e aprofundamento das exigências práticas e deontológicas da profissão através da promoção do contato pessoal do estagiário com o funcionamento do cartório, seus utentes e trabalhadores. Nesta fase, o estagiário poderá praticar certos atos ou categorias de atos que lhe sejam autorizados pelo patrono. Concluído o estágio com aproveitamento, o candidato a notário está legitimado a avançar para a segunda etapa, isto é, a propor-se a concurso para atribuição de título de notário. Este concurso é público e é aberto pelo Ministério da Justiça. Consiste na prestação de provas públicas, escritas e orais, que incidem sobre vários temas de Direito. A terceira etapa consiste em novo concurso público para atribuição de licença para instalação de cartório notarial consoante as vagas existentes e que serão preenchidas de acordo com a graduação dos candidatos e as referências de localização dos cartórios manifestadas no respetivo pedido de licença.
 
CNB/CF – Qual é o nível de utilização da tecnologia na atividade prática diária? As escrituras notariais já são realizadas eletronicamente?
 
João Ricardo da Costa Menezes – O notariado português está extremamente sensibilizado para a desmaterialização de processos. Praticamente todos os atos notariais são produzidos em suporte electrónico e a comunicação com as entidades de registo é feita por via eletrônica. As escrituras públicas que servem de base à qualificação do conservador de registo predial e comercial são enviadas, com assinatura digital qualificada, através de um portal próprio que garante integralidade, autenticidade e inviolabilidade do documento. As demais comunicações, no âmbito da função de apoio da atividade notarial, nomeadamente com a administração tributária, gabinete de politica e legislação do Ministério da Justiça e estatística são realizadas eletronicamente. O próprio processo de inventário litigioso, competência exclusiva dos cartórios notariais desde o ano de 2013 é tramitado preferencialmente de forma electrónica em plataforma informática desenvolvida pela Ordem dos Notários.
 
CNB/CF – Qual é a imagem que a população tem da atividade notarial em seu País? A população vê a importância dessa área para a sociedade?
 
João Ricardo da Costa Menezes – Em 2014 comemoramos os 800 anos do notariado em Portugal o que por si só é revelador do peso da instituição no nosso País. No entanto, só depois da grande reforma de 2004 com a “desfuncionarização” do notariado português foi possível acolher o sistema de Direito vigente de matriz romano-germânica num novo modelo de notariado latino. E, apesar de não conhecer estudos sobre a matéria, a minha percepção é a de que a imagem que a população tem da atividade notarial é muito positiva. Na verdade, hoje, o notário é um profissional liberal, dotado de fé pública, cuja atividade tem como fim último a paz social. E tem intervenção decisiva na resposta aos atuais desafios das sociedades plurais, democráticas e hiper-complexas, que demandam um elevado grau de conhecimento técnico-jurídico, bem como capacidade de adaptação à permanente inovação tecnológica, informática e jurídica. Por outro lado, é um profissional que, por força da rede de Cartórios Notariais distribuídos por todo o País, está muito próximo dos cidadãos e das empresas garantindo-lhes informação especializada, segurança do comércio jurídico e proteção dos cidadãos contribuindo, assim, para o crescimento da sociedade.   
 
CNB/CF – Quais são os critérios para a divisão notarial em seu País? Por população, serviço de demanda ou por lei?
 
João Ricardo da Costa Menezes – Os critérios para a divisão notarial em Portugal são fixados por Lei. A atividade está sujeita ao principio do numerus clausus, pelo que na sede de cada município existe, pelo menos um notário, cuja atividade está dependente da atribuição de licença. O número de notários e a área de localização dos respetivos cartórios constam de mapa notarial aprovado por decreto-lei. A atividade está ainda sujeita a critérios de competência territorial. Assim, a competência do notário é exercida na circunscrição territorial do município em que está instalado o respetivo cartório. No entanto, o notário pode praticar todos os atos da sua competência ainda que respeitem a pessoas domiciliadas ou a bens situados fora da circunscrição territorial. É a consagração do principio da livre escolha do notário.
 
CNB/CF – Quais os principais atos praticados pelos notários em seu País?
 
João Ricardo da Costa Menezes – Hoje, depois da reforma de 2008, são poucos os atos que devem especialmente celebrar-se por escritura pública. Assumem relevância as justificações notariais, os atos de constituição de associações e de fundações, bem como os respetivos estatutos suas alterações e revogações. Também as típicas escrituras públicas de compras e vendas, mútuos, hipotecas, permutas, habilitações de herdeiros e partilhas de património conjugal e hereditário, continuam a ter um peso significativo na vida notarial. Significativa é ainda a importância do processo litigioso de inventário que foi transferido dos Tribunais para a competência exclusiva dos Cartórios Notariais num reconhecimento expresso, por parte do poder político e da sociedade, da confiança nos Cartórios Notariais e do especial estatuto do notário no ordenamento jurídico português.