No dia 3 de maio de 2017 foi publicada pelo Superior Tribunal de Justiça a Edição nº 80 do caderno “Jurisprudência em Teses”, com o tema Registros Públicos. São quinze enunciados relacionados aos registros públicos, sendo que o enunciado nº 14 trata da responsabilidade pelo pagamento das dívidas condominiais e contém a seguinte redação:
 
“O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro da promessa de compra e venda, mas a relação jurídica material com o imóvel, podendo a responsabilidade pelas despesas recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, a depender do caso concreto. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 – TEMA 886)”
 
O tema é relevante e de interesse aos notários, que têm, dentre as suas funções, o assessoramento jurídico dos interessados na prática de ato notarial.
 
As dívidas referentes às cotas condominiais constituem uma figura híbrida entre direitos pessoais e reais, as chamadas obrigações propter rem. A relação jurídica obrigacional é uma relação jurídica de natureza pessoal, que vincula credor e devedor por meio de uma prestação de natureza patrimonial. O vínculo que une credor e devedor é de natureza pessoal, diferentemente do que acontece com os direitos subjetivos reais. No entanto, há circunstâncias em que a obrigação decorre de um direito real, com ele não se confundindo. Neste caso, é obrigado a prestar, aquele que tiver direito sobre certa coisa. Assim, a obrigação existe em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa. Essas obrigações são, também, denominadas de obrigações in rem, ob rem, reais ou mistas. É o caso, por exemplo, das dívidas de condomínio.
 
Considerando a natureza real da obrigação condominial, muitas demandas judiciais envolvem a discussão sobre a legitimidadepara figurar no polo passivo quando o objetivo é a cobrança de dívida relativa à taxa condominial. Responde o titular do domínio, assim descrito na matrícula do imóvel, ou o adquirente que ainda não levou seu título a registro?
 
Pois bem, como transcrito acima, o entendimento adotado em julgado sob o rito dos recursos repetitivos é de que titularidade do domínio não é suficiente para determinar quem é o sujeito passivo da obrigação, e responsabilidade poderá recair tanto sobre o vendedor quanto sobre o adquirente, a depender do caso concreto. Mas se não é a titularidade registral que define a responsabilidade pela dívida, quais outros critérios deverão ser analisados?
 
Neste sentido, entende o Superior Tribunal de Justiça, que é a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo adquirente somada à ciência inequívoca do condomínio sobre o negócio realizado, que servirá como parâmetro definidor da legitimidade para figurar como devedor da dívida condominial.
 
De modo que, se ficar comprovado no feito que o adquirente foi imitido na posse do imóvel, e, além da imissão da posse, houver prova da ciência inequívoca da negociação havida entre os particulares, sobressairá a ilegitimidade passiva do titular do domínio para responder por dívidas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo adquirente.
 
Por outro lado, se no caso em concreto restar demonstrado que o condomínio teve ciência da realização da transferência do imóvel a 0um terceiro, ainda que não em seu aspecto formal, que significa o registro do título no Ofício Imobiliário, e, que este passou a ter a posse do bem ou titularizou direitos de gozo ou fruição, caberá apenas a este a legitimidade para responder sobre as cotas condominiais.
 
Na lavratura de escritura pública de alienação de bem imóvel, a certidão negativa de débitos condominiais pode ser dispensada pelas partes, ficando o adquirente responsável no caso de haver dívida inadimplida. Ocorre que a escritura pública opera efeitos obrigacionais apenas entre as partes contratantes, não sendo oponível ao condomínio, que, se não tiver ciência do negócio jurídico, poderá demandar o vendedor para cobrança das dívidas pendentes ao tempo da alienação, sendo garantido ao alienante o direito de regresso contra o adquirente.
 
*Karin Rick Rosa é advogada e assessora jurídica do Colégio Notarial do Brasil. Mestre em Direito e especialista em Direito Processual Civil pela Unisinos. Professora de Direito Civil Parte Geral e de Direito Notarial e Registral da Unisinos. Professora do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos. Professora da Escola Superior da Advocacia/RS. Professora convidada do Instituto Internacional de Ciências Sociais (SP). Coordenadora da Especialização em Direito Notarial e Registral da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Autora e organizadora de obras jurídicas.