Uma mulher que comprovou viver em união estável com um servidor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) que já era casado, falecido em 2014, deverá receber pensão, segundo o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que confirmou a decisão de dividir a pensão entre as duas mulheres, com o entendimento de que o homem sustentava ambas as famílias.
 
De acordo com o TRF4, após a morte do servidor, a mulher requereu junto à UFSM a concessão da pensão, mas teve seu pedido indeferido. A justificativa foi de que ela não constava como companheira do servidor nas informações da universidade e que um pedido de pensão já havia sido encaminhado pela viúva. Deste modo, ela ajuizou ação contra a Universidade e a viúva pedindo para receber 50% dos valores da pensão. A mulher afirmou que eles viviam em união estável desde 2006 até a data do falecimento.
 
Maria Rita de Holanda, advogada e presidente do Ibdfam/PE, entende que a decisão foi acertada. Segundo ela, o Direito previdenciário sempre apresentou um conceito menos complexo da família, baseado na dependência econômica das pessoas com relação ao segurado. Isso, por si só, deveria ser suficiente para a procedência do pedido.
 
“Na esfera do Direito Familiar a definição sempre foi mais complexa por envolver precipuamente a discussão da monogamia enquanto princípio que afastaria todo e qualquer direito de terceira que estivesse em relação extraconjugal com o homem casado. Contudo, mesmo em matéria do Direito de Família, o STF já se pronunciou quanto a interpretação exemplificativa do rol de entidades familiares previsto na CF/88, ao reconhecer a união homoafetiva com direitos equiparados à união estável”, afirma.
 
Segundo Maria Rita de Holanda, a tese se aplica perfeitamente a outros arranjos familiares que detenham as características de uma entidade familiar baseada na afetividade, ostensibilidade e estabilidade da relação, características estas perfeitamente identificáveis em relacionamentos paralelos ou simultâneos, que também geram direitos e responsabilidades. A advogada diz ainda que a proteção estatal deve ser concreta, sob pena de violar preceitos fundamentais como o da dignidade da pessoa humana e da solidariedade.
 
Marcos Alves da Silva, diretor nacional do Ibdfam e doutor em Direito Civil, afirma que os tribunais estão reconhecendo o sentido e o alcance do princípio da pluralidade das entidades familiares consagrado pela Constituição de 1988 de maneira gradativa. Segundo ele, se a norma constitucional protege as famílias e não apenas aquela família formada pelo casamento, se o caput do art. 226 da Constituição revela-se, de fato, como cláusula de inclusão, então, o discrímen entre modelos de família não pode ter mais lugar.
 
“O que se privilegia, atualmente, e não poderia ser diferente, são as famílias em suas múltiplas expressões e formas. Logo, o fato de uma família ser formalizada pelo casamento e outra paralela àquela ser resultado de uma união estável não coloca a primeira em um grau hierárquico superior. Nessa direção, os fatos concretos da vida, os conflitos, as relações com suas idiossincrasias e peculiaridades é que terão que ser levados em conta pelo Estado juiz, que tem o dever constitucional de dispensar especial proteção a todas as famílias e, sobretudo, aos seus integrantes em situação de vulnerabilidade”, revela.
 
Com base em testemunhos e em provas do relacionamento do casal, a Justiça Federal de Santa Maria (RS) julgou o pedido procedente. A viúva apelou ao tribunal. Ela sustentou não ter ficado comprovada a união estável entre a mulher e seu marido. Maria Rita Holanda explica que, no caso do Direito Previdenciário, bastaria a prova da dependência econômica da “companheira”, através dos meios permitidos em direito. Já no Direito de Família, a prova da dependência seria acessória, uma vez que deve-se provar, precipuamente, a relação afetiva das partes com animus de constituição de família.
 
A 3ª Turma decidiu, por unanimidade, negar a apelação. Para a relatora do caso, desembargadora federal Vânia Hack de Almeida, as provas materiais e os depoimentos não deixaram dúvidas sobre a união estável. “O estado civil de casado do servidor falecido não impede a concessão do benefício à companheira em conjunto com a esposa, com a qual mantinha convivência, porquanto as provas produzidas nos autos demonstram a existência da união estável e da relação de dependência econômica de ambas em relação ao servidor, devendo, por conseguinte, ser rateada proporcionalmente a pensão entre a esposa e a autora”, concluiu.
 
Marcos Alves da Silva afirma que a pensão por morte destinada ao cônjuge e ao companheiro é expressão do princípio da solidariedade. Ele destaca que, se havia uma relação de dependência durante vida do segurado, duas famílias dele dependiam para seu sustento e sobrevivência, não há razão jurídica plausível, consideradas as diretrizes do ordenamento jurídico, para que esta solidariedade, que se expressa no dever de cuidado, cesse com a morte em homenagem à meras formalidades.
 
“Isto é, em razão de uma família estar sob o selo sacrossanto do casamento e a outra não. Decisões judiciais como essa, expressa neste acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, demonstram que o Poder Judiciário vai incorporando uma nova forma de pensar as relações familiares e suas repercussões na vida dos jurisdicionados, dos brasileiros e demais pessoas que vivem neste País, que por sua Constituição, pretende ser um lugar onde caibam todos, e que tem entre os seus objetivos a erradicação das desigualdades e discriminações”, complementa.