Os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) são unidades do Poder Judiciário responsáveis pela realização ou gestão das sessões e audiências de conciliação e mediação que estejam a cargo de conciliadores e mediadores, instituídos pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010.
 
Em cumprimento à referida norma e também ao estímulo do uso de medidas alternativas de solução de conflito trazidas pelo Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), os Tribunais de Justiça passaram a instalar tais unidades, a exemplo do que houve no Estado de São Paulo com a criação do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Provimento 1868/2011 do Conselho Superior da Magistratura do TJ/SP) que já inaugurou mais 200 Cejuscs no estado.
 
Podemos dizer que os Cejuscs atuam tanto em fases pré-processuais, onde a ideia é buscar um acordo entre as partes para evitar a proposição de uma demanda judicial, quanto na seara judicial, onde o processo é enviado na tentativa de uma resolução do conflito, sendo que, a sentença em reclamações pré-processuais é homologada pelo juiz coordenador do Cejusc.
 
No entanto, sem querer discutir o inegável sucesso destes Centros Judiciários como uma substancial ferramenta de solução de conflitos e demandas de forma célere e eficaz, evitando desgastes que um processo judicial traz para as partes envolvidas, sejam econômicos, físicos ou emocionais, além de ser um instrumento de desafogamento do tão sobrecarregado Poder Judiciário, recentemente se começou a debater a competências destes Órgãos para homologação de acordos envolvendo partilha de bens em divórcios e inventários no âmbito pré-processual.
 
A celeuma decorreu pelo fato de que tais
acordos não poderiam ser homologados tendo em vista que a matéria só poderia ser decidida na via jurisdicional, pelo juiz de família, ou por escritura pública e com a indispensável assistência de um advogado.
 
Todavia, não foi este o entendimento da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital que, ao decidir uma suscitação de dúvida de um Registrador Imobiliário, afastou a recusa do ingresso de uma Carta de Sentença proveniente de um divórcio com partilha realizada no Cejusc do Foro Regional XV Butantã de São Paulo, pois, segundo a magistrada, “o juiz que homologa as conciliações é dotado de jurisdição e consequentemente detém competência para apreciar inclusive composições que envolvam divórcio e partilha”. Segue a ementa da decisão:
 
DIVÓRCIO PARTILHA – CEJUSC. Os acordos homologados nos CEJUSC, no setor processual, valerão como títulos executivos judiciais e deverão ser executados nos juízos do feito em que foram constituídos, se for o caso. Título que deve ser recepcionado pelo foro extrajudicial. (Processo nº 0014994-68.2016.8.26.0100, 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, Data de Julgamento: 13/07/2016, DJ: 18/07/2016, Tânia Mara Ahualli)
 
A magistrada ainda mencionou que os acordos celebrados perante um mediador ou conciliador que atua no Cejusc, depois de homologado, passa a ter força de título executivo judicial, conforme o Enunciado nº 30 do Fórum Nacional da Mediação e Conciliação[1], motivo pelo qual a recusa ao ingresso deste título no fólio registral não poderia ser obstada.
 
Entretanto o tema foi novamente objeto de análise, agora pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça Paulista, por meio de um expediente (Processo nº 2017/1123797) onde a Coordenação do Cejusc do Foro Central da Capital questionava a ausência dos assuntos “Inventário e Partilha” e “Alvará” no sistema informatizado (SAJ) do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
 
No expediente em comento foram constatados pela E. CGJ diversos feitos envolvendo partilha de bens em divórcios e inventários, e até mesmo mudança de regime de casamento no âmbito dos Cejuscs, na fase pré-processual, apenas mediante a presença de mediadores e conciliadores.
 
Essa situação trouxe preocupação à Corregedoria, pois os atos realizados na fase pré-processual pelos Cejuscs não são públicos até que haja prolação da sentença homologatória do acordo, trazendo sérios riscos aos interesses de terceiros, sejam possíveis credores (inclusive o Erário, beneficiário do imposto de transmissão de bens em razão da herança ou partilha desigual no divórcio) ou possíveis herdeiros desconsiderados.
 
Ademais, no que toca à competência material, foi verificado que o Código de Processo Civil determina que os atos de divórcio e inventários sejam realizados judicialmente, por meio da constituição de uma relação jurídica processual, ou extrajudicialmente, mediante lavratura de uma escritura pública feita por um notário (arts. 610, §§ 1º e 2º, e 731 a 734 do CPC).
 
Isto porque não há uma relação jurídica processual perante o Cejusc quando o ato é realizado na fase pré-processual, o que fez com que a E. Corregedoria Geral concluísse que a autocomposição entre todos os herdeiros ou divorciandos em partilha de bens no âmbito pré-processual somente terá validade jurídica se realizada perante tabelionato de notas.
 
Desta forma, ficou assentado no Parecer nº 406/2017-J, que embasou a decisão:
 
…não é possível a realização de autocomposição perante os Cejuscs em fase pré-processual que verse sobre partilha de bens na área de direito das sucessões e nas ações de divórcio/separação/dissolução de união estável, por expressa imposição do legislador.
 
E mais:
 
A autocomposição extrajudicial, nesses feitos, por expressa imposição legal, deve obedecer a formalidade de ser realizada perante Cartórios de Notas/Escritura Pública. Trata-se de condição de validade dos referidos negócios jurídicos. A legislação é exaustiva nesse ponto não permitindo interpretação ampliativa. Para todas as hipóteses que não se enquadram naquelas que admitem a realização desses procedimentos perante cartórios de notas, o legislador impôs a necessidade de ajuizamento da respectiva ação judicial – a despeito de existir consenso entre todos os envolvidos.
 
Concluímos, portanto, que a realização de divórcios ou inventários com partilha só podem ser feitos mediante ajuizamento de ação perante o juízo competente para matéria de família ou sucessões ou por meio de escritura pública, nos casos previstos em lei, em ambos os casos com a participação obrigatória de um advogado.
 
Entendemos, ainda, que os fundamentos desta decisão podem ser aplicados também às demandas que buscam o reconhecimento extrajudicial de usucapião de bens imóveis, pois o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), ao incluir o artigo 216-A à Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/73), dispôs que os pedidos desta natureza devem ser processados diretamente perante o Oficial de Registro de Imóveis competente, instruído com ata notarial lavrada em cartório de notas, mediante ampla publicidade por meio de editais para a ciência de terceiros interessados, incompatível portanto com o procedimento sigiloso inerente à mediação e conciliação pré-processual realizada nos Cejuscs.
 
Por fim, ressaltamos que, em geral, podem ser objeto de conciliação ou mediação pré-processual as causas cíveis em geral (acidentes de trânsito, cobranças, dívidas bancárias, conflitos de vizinhança) e causas de família, pedidos de pensão alimentícia, guarda de filhos, regulamentação de visitas, divórcios e inventários sem partilha de bens, isto é, demandas que admitam o acordo entre as partes.
 
Para ter acesso à íntegra da decisão referente ao Processo nº 2017/1123797 da CGJ/SP, acesse o site do CNB/SP (http://www.cnbsp.org.br/__Documentos/Uploads/parecer_406.pdf).
 
[1] “Os acordos homologados nos Cejuscs, no setor processual, valerão como títulos executivos judiciais e deverão ser executados nos juízos do feito em que foram constituídos, se for o caso”.
 
*Isaque Ribeiro é assistente jurídico do CNB/SP. Advogado, e bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Envie sua dúvida para [email protected]