O Superior Tribunal de Justiça (STJ) realizou no dia 9 de maio um importante passo para a garantia dos direitos do público LGBTI no Brasil. O entendimento firmado pela Quarta Turma foi de que independentemente da realização de cirurgia, é possível a alteração do sexo constante no registro civil de transexual que comprove judicialmente a mudança de gênero. Nesses casos, a averbação deve ser realizada no assentamento de nascimento original com a indicação da determinação judicial, proibida a inclusão, ainda que sigilosa, da expressão “transexual”, do sexo biológico ou dos motivos das modificações registrais.
 
A decisão aconteceu após acolhimento de pedido de modificação de prenome e de gênero de transexual que apresentou avaliação psicológica pericial para demonstrar identificação social como mulher. Para o colegiado, o direito dos transexuais à retificação do registro não pode ser condicionado à realização de cirurgia, que pode inclusive ser inviável do ponto de vista financeiro ou por impedimento médico.
 
Segundo Patrícia Gorisch, presidente da Comissão de Direito Homoafetivo do Ibdfam, o entendimento é certeiro, pois garante o respeito aos direitos humanos LGBTI, reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 2011. “A obrigatoriedade da cirurgia era um verdadeiro constrangimento, um risco de vida. O pós-operatório é doloroso e existem pessoas que precisam usar fraldas após o procedimento. A visão tacanha de alguns juízes e promotores impedia esse avanço, mas felizmente a cirurgia passará a ser opcional”, afirma.
 
De acordo com o STJ, no pedido de retificação de registro, a autora afirmou que, apesar de não ter se submetido à operação de transgenitalização, realizou intervenções hormonais e cirúrgicas para adequar sua aparência física à realidade psíquica, o que gerou dissonância evidente entre sua imagem e os dados constantes do assentamento civil. O relator do recurso especial da Transexual, Ministro Luís Felipe Salomão, lembrou inicialmente que, como Tribunal da Cidadania, cabe ao STJ levar em consideração as modificações de hábitos e costumes sociais no julgamento de questões relevantes, observados os princípios constitucionais e a legislação vigente.
 
Para julgamento do caso, o ministro resgatou conceitos essenciais como sexo, identidade de gênero e orientação sexual. Segundo o ministro, as pessoas caracterizadas como Transexuais, via de regra, não aceitam o seu gênero, vivendo em desconexão psíquico-emocional com o seu sexo biológico e, de um modo geral, buscando formas de adequação a seu sexo psicológico. “Eu tive um caso alguns anos atrás em que uma Transexual foi presa na Espanha, porque pensaram que o passaporte era falso. O nome escrito era feminino, mas o sexo estava como masculino. Olha só que constrangimento desnecessário”, conta Patrícia Gorisch.
 
Na hipótese específica dos transexuais, o Ministro Salomão entendeu que a simples modificação de nome não seria suficiente para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Para o relator, também seriam violados o direito à identidade, o direito à não discriminação e o direito fundamental à felicidade. O ministro também citou exemplos de países que têm admitido a alteração de dados registrais sem o condicionamento à cirurgia. No Reino Unido, por exemplo, é possível obter a certidão de reconhecimento de gênero, documento que altera a certidão de nascimento e atesta legalmente a troca de identidade da pessoa. Iniciativas semelhantes foram adotadas na Espanha, na Argentina, em Portugal e na Noruega.
 
“Agora nossa reflexão deve ser em relação à violência, já que o Brasil é campeão em mortes de transexuais nas Américas, conforme dados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Apesar desses avanços em nosso Judiciário, o Legislativo ainda deve muito”, complementa Patrícia Gorisch.