Foi apenas há 40 anos que o país passou a permitir a dissolução do casamento. Lei do Divórcio teve como maior defensor o senador Nelson Carneiro, que enfrentou a oposição da igreja e de forças conservadoras
 
Para milhares de famílias brasileiras, o melhor presente do Natal de 1977 chegou no dia seguinte ao feriado. Em 26 de dezembro, há 40 anos, finalmente foi sancionada a lei que instituiu o divórcio no país.
 
Fruto de uma emenda constitucional proposta pelo Senado, a Lei do Divórcio (Lei Nº 6.515/1977) permitiu uma profunda mudança social no Brasil. Até então, o casamento era indissolúvel. A maridos e esposas infelizes só restava o desquite — o que encerrava a sociedade conjugal, com a separação de corpos e de bens, mas não extinguia o vínculo matrimonial.
 
Assim, pessoas desquitadas não podiam casar novamente. Quando voltavam a se unir a alguém, a união não tinha respaldo legal. E os filhos eram considerados ilegítimos, como se gerados em relacionamentos extraconjugais. Além de não terem amparo da legislação, esses casais — que viviam “em concubinato”, segundo o termo jurídico — sofriam preconceito, especialmente as mulheres.
 
A Lei do Divórcio permitiu que centenas de milhares de homens e mulheres voltassem a casar no civil para constituir famílias legítimas aos olhos da lei. Mas a aprovação desse instrumento, um marco na história do direito de família, não foi fácil. O Brasil acabou sendo um dos últimos países do mundo a instituir o divórcio. Dos 133 Estados integrantes das Nações Unidas na época, apenas outros 5 ainda não o permitiam.
 
Por décadas, a questão havia dividido a população e o Congresso. A adoção do divórcio sofria forte oposição da Igreja Católica e de setores conservadores da sociedade, que lutavam para manter o preceito constitucional — inserido na Constituição de 1934 e mantido nas Cartas seguintes — de que o casamento era indissolúvel.
 
O casamento (e a separação) ao longo do tempo
 
O primeiro projeto divorcista foi apresentado ao Parlamento em 1893. Outros se seguiram ao longo dos anos, sempre derrubados. Até junho de 1977, quando o senador Nelson Carneiro (MDB/RJ), depois de 26 anos de luta política pelo divórcio, conseguiu aprovar no Congresso uma emenda constitucional, dele e do senador Accioly Filho (Arena/PR), para alterar o trecho da Carta que impedia a dissolução do vínculo matrimonial. Foi essa mudança que abriu caminho para a Lei do Divórcio.
 
Em entrevista à TV Senado em 1995, um ano antes de sua morte, Carneiro falou sobre as razões de a mudança ter demorado tanto a chegar. Defender o divórcio era comprar uma briga difícil, afirmou:
 
— Era uma coisa que o país inteiro reclamava, mas faltava alguém que tivesse a coragem de afrontar, porque sabia que ia ter contra si as forças tradicionalistas, inclusive a igreja.
 
Discursos inflamados

Plenário do Congresso na sessão de votação da emenda, em junho de 1977 (foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
        Plenário do Congresso na sessão de votação da emenda, em junho de 1977 (foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

A discussão no Congresso sobre propostas para permitir o divórcio mobilizava o país em 1977. O embate entre parlamentares divorcistas e antidivorcistas refletia a profunda divergência de opiniões na sociedade. De um lado, lideranças católicas convocavam os fiéis a protestar contra “a destruição da família brasileira”. No front oposto, movimentos como a Campanha Nacional Pró-Divórcio defendiam a mudança, que, segundo eles, daria a milhões de brasileiros a chance de regularizar suas famílias. Todos os dias chegavam ao Senado e à Câmara dos Deputados caixas de cartas, manifestos e abaixo-assinados contrários ou favoráveis à iniciativa.
 
Em maio de 1977, uma comissão especial mista foi instalada para analisar as seis propostas divorcistas que tramitavam no Parlamento. Em 14 de junho, uma terça-feira, elas entraram na pauta do Congresso para análise em primeiro turno. Apenas uma delas, a proposta de emenda à Constituição (PEC) de Carneiro e Accioly, foi escolhida para ir a votação. O texto permitia a dissolução do casamento para quem já estivesse judicialmente separado há mais de três anos.
 
Os divorcistas esperavam se beneficiar de uma alteração recente no Regimento: o quórum para aprovação de PECs, que antes exigia os votos favoráveis de dois terços dos parlamentares, havia sido reduzido para maioria absoluta (metade mais um). A mudança fora determinada pelo presidente Ernesto Geisel no Pacote de Abril, poucos meses antes. Entre outras medidas para conter a oposição, Geisel diminuíra o quórum para aprovação de emendas constitucionais.
 
Ao longo daquela terça-feira e no dia seguinte, dezenas de senadores e deputados se alternaram na tribuna na defesa ou no ataque ao divórcio, mostram documentos do Arquivo do Senado. Os discursos dos divorcistas citavam a necessidade de extinção do malfadado desquite e regularização das famílias formadas em segundas uniões. Eles alegavam ainda que as separações já ocorriam, independentemente da existência do divórcio, e que ele seria apenas um instrumento legal para minorar o preconceito e dar segurança jurídica aos novos casais e a seus filhos.
 
Os antidivorcistas, por sua vez, afirmavam que o divórcio desestruturaria a instituição da família, colocando em risco a própria sociedade brasileira. Incentivaria as separações, o amor livre, o aborto e a delinquência juvenil. Também aumentaria o número de menores abandonados e até as taxas de suicídio. Houve ainda quem apontasse o “surgimento dos hippies”, da prostituição de jovens e do alcoolismo como consequências para países que adotaram o divórcio.
 
Galerias lotadas

Público ocupa galerias do Plenário, em uma mobilização rara naqueles anos (foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados) 
            Público ocupa galerias do Plenário, em uma mobilização rara naqueles anos (foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Enquanto isso, o povo tomava conta das galerias do Plenário, numa mobilização que não se via no Parlamento naqueles anos de ditadura. Pelo menos 1,5 mil pessoas favoráveis ao divórcio acompanharam a votação.
 
O debate começou com a leitura do relatório elaborado na comissão mista pelo senador Ruy Santos (Arena/BA). Antidivorcista, o relator defendeu a rejeição de todas as seis propostas. Santos condenou a “batalha impatriótica e antinacional” em favor do divórcio e lembrou que 90% da população brasileira era católica. Por isso, afirmou, o país deveria ser fiel à doutrina da igreja.
 
O senador reforçou sua tese citando o monsenhor Arruda Câmara, deputado morto em 1970 e, por anos, o principal adversário de Nelson Carneiro contra o divórcio no Congresso: “Não vamos ferir a família em suas bases com um problema de ordem individual, que sobrepõe o egoísmo dos cônjuges ao bem-estar da família e da sociedade”.
 
Santos contestava ainda o argumento de que o divórcio beneficiaria a mulher.
 
— Não se esqueçam as mulheres de que não é todo homem que se dispõe a unir-se de verdade, casando-se, com uma mulher que já pertenceu a outro.
 
A dissolubilidade do casamento também seria funesta para a prole, segundo o relator, pois tornaria o filho do divorciado “escravo da turbulência, da marginalização, do tóxico, do crime por vezes”. Santos destacou ainda “as cifras alarmantes de suicídios” de divorciados em outros países. E encerrou a leitura do relatório citando Santo Agostinho: “O demônio é que fez o divórcio”.
 
Carneiro esclareceu em discurso que não discutiria o problema religioso. Seu foco era apenas o casamento civil, frisou:
 
— A Igreja Católica disciplina o casamento católico, e os católicos que não queiram o divórcio continuarão a não aplicá-lo.
 
Também alfinetou colegas contrários à proposta. Para o senador, eles fechavam os olhos à realidade brasileira, “a centenas de milhares de mulheres abandonadas ou transformadas em companheiras, aos filhos ilegítimos nascidos de uniões fora do casamento e a quem todos nós, que nos consideramos religiosos, não temos a caridade cristã de dar a legitimidade”.
 
— O que quero é substituir a imoralidade do desquite por uma outra sociedade em que, sobre os escombros de um lar destruído, possam erigir-se duas famílias legítimas, onde nasçam filhos legítimos que não carregam, inocentes que são, por toda a vida, a pecha da ilegitimidade.
 
O senador Benedito Ferreira (Arena/GO), antidivorcista ferrenho, não se convenceu:
 
— Pouquíssimas são as possibilidades de que os desajustados no primeiro casamento se ajustem no segundo ou no décimo matrimônio, ou que não continuem alimentando a legião de órfãos de pais vivos, quando não descem ao último degrau da indústria do aborto.
 
O outro autor da proposta, Accioly Filho, também discursou:
 
— A que título salvar a indissolubilidade, se esta passa a ser mera ficção e nada mais representa senão ruínas daquilo que foi um matrimônio?
 
Única mulher no Congresso e presidente da comissão mista que avaliou as propostas divorcistas, a deputada Lygia Lessa Bastos (Arena-RJ), favorável ao divórcio, disse que a lei civil não pode ser regida por princípios doutrinários. Até porque nem toda a população brasileira professa o mesmo credo religioso, ressaltou. Ela condenou a permanência do desquite:
 
— Tudo demonstra que a manutenção do status quo, que pode ser muito interessante para os falsos moralistas ou para aqueles que, em pleno século 20, parecem raciocinar como se vivêssemos na Idade Média, é uma indignidade social, porque só deixa àqueles que foram infelizes no casamento duas inaceitáveis opções: a frustração da solidão ou a pecha do concubinato.

Pressão da Igreja

O deputado Padre Nobre no Plenário (foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
                                 O deputado Padre Nobre no Plenário (foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados)
 
Eram tantos inscritos para discursar que o presidente do Congresso, Petrônio Portella (Arena/PI), teve que fazer três sessões de discussão, algo não previsto no Regimento. A votação só começou na noite de quarta-feira e entrou pela madrugada. Cada voto “sim” ao divórcio era comemorado pelo público “como um gol no Maracanã lotado em final de campeonato”, descreveu a imprensa.
 
Antidivorcistas reclamavam que muitos poderiam se sentir coagidos a votar a favor do divórcio, tamanha a pressão do público presente. Os divorcistas respondiam que pressão maior vinha sendo exercida pela igreja.
 
O deputado Nina Ribeiro (Arena/RJ) denunciou que escolas católicas estavam forçando alunos de 7 ou 8 anos a assinar manifestos contra o divórcio. Citou um colégio em Petrópolis (RJ) que havia retido crianças que se recusaram a assinar.
 
— O espírito da Inquisição ainda não se desfez entre nós — declarou.
 
O deputado Célio Marques Fernandes (Arena/RS) contou que o neto, de 5 anos, fora obrigado no maternal a assinar um documento contra o divórcio.
 
Lista temida

Airton Sandoval votou a favor do divórcio e enfrentou críticas da Igreja
                                                            Airton Sandoval votou a favor do divórcio e enfrentou críticas da Igreja (foto: autor desconhecido)

Lideranças religiosas também prometiam expor nas igrejas uma lista dos parlamentares que votassem a favor do divórcio, para que os fiéis lhes negassem votos na eleição do ano seguinte. A promessa foi cumprida logo após a aprovação da emenda constitucional, e um dos nomes expostos foi o do então deputado (e atual senador) Airton Sandoval (PMDB/SP). Ele era o primeiro da lista, que seguia a ordem alfabética.
 
— Como votei a favor, houve consequências. Muitas vezes eu chegava às cidades e o alto-falante na torre da igreja estava anunciando minha presença, dizendo que não era para o povo votar em mim, porque eu havia votado a favor do divórcio. Isso era injusto comigo, porque também diziam que eu era a favor da eutanásia, do amor livre, do aborto, e eu era contra. Mas felizmente enfrentei e tive êxito.
 
Sandoval conta que muitos depoimentos influenciaram seu voto. Um deles foi o de uma mulher idosa que estava em um segundo relacionamento, já com filhos casados, e não podia casar porque era separada. O sonho dela era poder casar com seu companheiro, conta o senador.
 
— Era um momento grave no país, de incerteza, insegurança. Mas também de muita esperança de que haveria mudanças em todos os sentidos, inclusive na vida das pessoas, nas relações sociais. E uma das coisas importantes foi a discussão sobre o divórcio — lembra.
 
Se a posição da igreja ficou clara, a de Geisel ainda suscitava dúvidas, mesmo faltando poucas horas para o início da votação, em 15 de junho, quarta-feira. Os líderes do governo informaram em Plenário que o presidente não fechara questão sobre o divórcio. Em off, corria a informação de que Geisel, de religião luterana, era favorável à aprovação. Mesmo assim, muitos ainda temiam desagradar ao governo votando favoravelmente à proposta.
 
A insegurança logo se desfez. O senador Jarbas Passarinho (Arena/PA), vice-líder do governo, foi um dos primeiros a votar. O “sim” dele ao divórcio deixou claro que o governo não considerava o tema uma questão política e que os parlamentares estavam livres para votar a favor. Para Carneiro, isso facilitou muito a aprovação da emenda.
 
A sessão de votação só terminou à 1h, já no dia 16, quinta-feira. A emenda que derrubou a indissolubilidade do casamento foi aprovada em primeiro turno com 219 votos a favor e 161 contrários. Na semana seguinte, passou pelo segundo turno. No dia 28, estava promulgada a Emenda Constitucional 9/1977. Em vez de “o casamento é indissolúvel”, a Constituição passou a determinar que “o casamento poderá ser dissolvido desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos”.
 
Primeiros divorciados

Nelson Carneiro em evento com Arethuza de Aguiar no dia seguinte ao divórcio dela, em Niterói (foto: Arquivo Pessoal)
             Nelson Carneiro em evento com Arethuza de Aguiar no dia seguinte ao divórcio dela, em Niterói (foto: arquivo pessoal)
 
Mas para que separados e desquitados pudessem enfim recorrer ao divórcio, era preciso aprovar uma lei para regulamentar a questão. Mais uma vez, foram Nelson Carneiro e Accioly Filho os autores do projeto que daria origem à Lei 6.515/1977. Apresentado em agosto, o texto passou pela Câmara, onde recebeu uma emenda para determinar que a pessoa só poderia se divorciar uma vez. Em 3 de dezembro, teve aprovação final no Senado e foi enviado à sanção. A essa altura, casais já se preparavam em todo o país para entrar com o pedido de divórcio.
 
Três dias depois da sanção, a juíza de paz fluminense Arethuza de Aguiar, então com 38 anos, tornou-se a primeira mulher a se divorciar no país. Ela estava desquitada havia cinco anos, mantinha uma relação cordial com o primeiro marido, pai de suas duas filhas, e vivia outro relacionamento conjugal. Conhecedora do direito e articulada, Arethuza havia participado, como convidada, de programas de debate na TV em que defendia a aprovação do divórcio.
 
Quando a Lei 6.515 foi publicada no Diário Oficial da União, em 27 de dezembro, ela ligou para o ex e combinou encontrá-lo no dia seguinte em um cartório em Niterói (RJ), para que pudessem converter o desquite em divórcio. A homologação do pedido, obtida em um dia, virou notícia em todo o país. Arethuza ganhou visibilidade nacional como “a primeira divorciada do Brasil” e passou a ser assediada pela imprensa. Ela conta que chegou a ser alvo de ofensas e “chacotas”, mas se impôs e não se deixou abalar. Aproveitou a notoriedade para continuar defendendo o divórcio.
 
— Foi difícil, mas não me senti agredida. Havia outro lado que lavava minha alma: o apoio daqueles que sonhavam transformar seu “concubinato” (cruel, não?) em um casamento legal. Era um sonho de milhares de pessoas que eu, indiretamente, pude ajudar — diz ela, que, aos 78 anos, ainda atua como juíza de paz no Rio de Janeiro e já realizou mais de 20 mil casamentos.
 
Outro nome que figurou entre os primeiros divorciados do país foi o do cantor Odair José. Muito popular nos anos 1970, o cantor era um dos artistas da época que defendiam abertamente o divórcio. Em 1978, já divorciado, lançou a canção Agora Sou Livre (O Divórcio). Nos versos, festejava o novo estado civil: Tudo agora ficou bem mais fácil, pois já tenho o divórcio / Pode aceitar meus abraços sem sentir remorsos / Se você quiser o meu amor, ninguém vai falar mal / Pois eu sou livre, livre para o que der e vier.
 
Parlamentar lutou por leis em defesa das mulheres
 
Quando o Congresso aprovou o divórcio, o público que acompanhava a votação nas galerias, eufórico, entoou em coro: “Nelson, Nelson, Nelson”.
 
Era um reconhecimento à luta do maior batalhador pela aprovação do divórcio no país. Desde 1951, quando apresentou na Câmara dos Deputados seu primeiro projeto divorcista, o baiano Nelson Carneiro nunca deixou de lutar pela causa.
 
A adoção do divórcio, em 1977, foi considerada pela imprensa da época como “a maior vitória parlamentar individual” já vista no Congresso. Filha de Nelson, a deputada federal Laura Carneiro (PMDB/RJ) não esquece aquele momento.
 
— Lembro o dia em que aprovaram a lei, mamãe gritando pela casa, uma festa. A emoção dele foi algo muito bonito.
 
Mas a família também sofreu o ônus da luta do pai.
 
— Meu irmão não conseguia achar padre que fizesse seu casamento. Ninguém queria casar os filhos de Nelson Carneiro, porque era divorcista. Se pudessem, “exorcizavam” ele.
 
O parlamentar foi responsável por outras leis importantes em benefício das mulheres. É dele o Estatuto da Mulher Casada (1962), que revogou pontos do Código Civil que tornavam a mulher incapaz e dependente da autorização do marido para, por exemplo, trabalhar e viajar. Também são dele a lei que proibiu discriminação por sexo na seleção de emprego e a que deu direito de pensão a companheiras. Outra iniciativa foi a lei dos filhos adulterinos, de 1949, que garantiu aos filhos tidos fora do casamento o direito à herança e ao reconhecimento da paternidade.
 
Advogado, Carneiro atuou durante anos com direito de família e casou-se com uma divorciada (a peruana Maria Luísa). Para Laura, essa vivência deu ao pai sensibilidade em relação aos problemas das mulheres. Ele acabou entendendo, a partir da perspectiva feminina, quais eram as deficiências das leis, diz:
 
— Por isso ele se tornou o grande legislador de direito de família, o grande legislador de defesa da mulher. Ele brincava que era um homem de alma feminina, e era mesmo.
 
Campanha pelo divórcio lotou as galerias do Plenário
 
Em maio de 1977, a advogada e jornalista Maria Lúcia d’Ávila Pizzolante viu pela janela de seu escritório, no Rio, uma grande procissão subindo a rua. Era uma marcha da igreja contra a aprovação do divórcio. “Mas e os que são a favor, não vão fazer nada?”, pensou. Nascia ali a Campanha Nacional Pró-Divórcio. Em poucas semanas, a campanha articulou uma reação. Recolheu milhares de assinaturas e enviou a Brasília 16 ônibus lotados de divorcistas para acompanhar a votação da proposta. Pela imprensa, Maria Lúcia convocava os defensores do divórcio a procurar seus parlamentares e ocupar o Congresso. “Houve algo espantoso, as galerias ficaram repletas”, conta. A mobilização foi decisiva para a aprovação, acredita Maria Lúcia, que hoje mora em Brasília e comanda uma revista digital voltada ao empoderamento da mulher.
 
Conceito de família foi ampliado, dizem consultores
 
A importância dada à legitimidade do casamento na época da aprovação do divórcio pode parecer estranha hoje. Afinal, são as uniões consensuais, sem registro civil ou religioso, que vêm ganhando espaço no país. Atualmente elas já são mais de um terço (36,4%) das uniões, segundo as Estatísticas do Registro Civil 2016, do IBGE.
 
Naqueles anos, porém, ser casado legalmente era essencial para se ter acesso aos direitos garantidos por lei aos cônjuges (como receber pensão ou registrar os filhos como legítimos) e também a aceitação na sociedade.
 
Na vida prática, porém, as coisas se desdobram independentemente da vontade do Estado, e por isso a prevalência desse tipo de família não se sustentou, diz Roberta.
 
Para o consultor legislativo Carlos Eduardo Elias de Oliveira, o direito estava desconectado da realidade na época, pois havia uma quantidade enorme de casais formados por pessoas desquitadas ou separadas de fato e que formavam nova união. O que hoje se conhece como união estável era tratado como concubinato, como uma relação marginalizada pelo direito de família, explica o consultor.
 
— Todos os ramos do direito precisam ter conexão com a realidade. Quando a realidade muda, traz novos dados fáticos, o direito precisa se adaptar, sob pena de entrar em descrédito. A Lei do Divórcio veio como uma espécie de rendição do legislador à realidade — diz ele.
 
Hoje o país vive um momento completamente diferente, afirma Roberta. O modelo tradicional continua, mas houve uma ampliação do conceito de família, com o reconhecimento e a aceitação de novas configurações familiares. Ela cita como exemplo as famílias homoafetivas e as monoparentais. E lembra que há muitas outras ainda inominadas.
 
— A pós-modernidade reconhece múltiplas possibilidades de afeto e, consequentemente, múltiplas possibilidades de formação familiar. Há muitas formas de se estar junto e poder ser uma família.