A permanência da separação no ordenamento jurídico é uma vitória da democracia, pois respeita o direito daqueles cujas convicções religiosas não admitem o divórcio
 
Entre os debates mais expressivos nos 40 anos do divórcio no Brasil está o da manutenção da separação – no divórcio, extingue-se o vínculo conjugal, permitindo-se ao ex-cônjuge a celebração de novo casamento; na separação, extingue-se a sociedade conjugal, permanecendo o vínculo entre os cônjuges.
 
A Emenda Constitucional 66/2010 facilitou o divórcio, porque eliminou o prazo de um ano de separação judicial ou extrajudicial, que antes era imposto na Constituição. Daí surgiu a seguinte celeuma: o instituto da separação foi mantido ou não no direito brasileiro? Tenho batalhado desde 2010 pela manutenção da separação. Naquele mesmo ano, o CNJ decidiu pela manutenção da separação extrajudicial como uma das formas de dissolução conjugal. No Código de Processo Civil de 2015 a separação, tanto judicial como extrajudicial, foi reintroduzida na fase final de tramitação na Câmara dos Deputados, quando o projeto estava sob a relatoria do deputado Paulo Teixeira. No STJ, em 2017, foi reconhecido, em acórdão da relatoria da ministra Isabel Gallotti, que a separação é possível para quem não quer se divorciar.
 
E, mesmo diante de norma legal expressa e da jurisprudência da corte superior, há ainda manifestações contrárias à separação.
 
Uma das razões para a defesa da separação é o direito fundamental à liberdade de crença e de exercício de direitos em razão da crença, como detalhei em artigo publicado no livro Laicismo e Laicidade no Direito, organizado por Ricardo Dip e André Gonçalves Fernandes.
 
Há religiões que não admitem o divórcio – a título de exemplo, na caso do catolicismo o Código de Direito Canônico admite somente a separação (Título VII, Capítulo IX, art. 2º). Caso tivesse prevalecido a ideia da supressão da separação, a liberdade e também a igualdade seriam violadas, porque os religiosos estariam sujeitos a uma das seguintes opções: a irregularidade religiosa, pelo divórcio, ou a irregularidade perante o Estado, pela mera separação de fato.
 
Nas duas hipóteses o religioso seria privado da liberdade de exercer direitos em razão da crença e da igualdade de tratamento jurídico em relação a quem não professa a religião.
 
O Brasil é um Estado laico e a separação se harmoniza com o princípio de laicidade, porque este princípio não se confunde com o laicismo, a postura de desprezo às religiões. E as manifestações no sentido de suprimir a separação importam no desprezo aos direitos fundamentais dos religiosos, lembrando que 86,8% da população brasileira é formada por cristãos.
 
Ainda, essas manifestações contêm o desejo de afastar as sanções pelo descumprimento dos deveres conjugais, que estão reguladas no Código Civil somente na separação judicial. Tais sanções, porque continuam previstas na legislação, podem ser cumuladas também com o pedido de divórcio; desse modo, a separação convive perfeitamente com o divórcio, não sendo um entrave para a dissolução do vínculo conjugal.
 
A permanência da separação no ordenamento jurídico é uma vitória da democracia, em que os direitos de todos são preservados.