Por ser risco inerente à sua própria atividade, transportadora de valores não está isenta de responsabilidade pela morte de terceiros mesmo quando está se defendendo de um assalto. Com esse entendimento, a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou uma empresa do ramo a pagar pensão vitalícia e indenização por danos materiais à família de um homem morto ao trafegar na estrada justamente no momento do assalto a um carro forte.
 
A transportadora perdeu em primeira instância e recorreu ao tribunal sustentando que a morte do motorista decorrera da conduta criminosa dos assaltantes, “somada à inoperância estatal na área de segurança pública, constituindo força maior excludente de responsabilidade”. Também alegou que exerce atividade lícita e que seus prepostos agiram em legítima defesa. Disse ainda que, conforme a perícia, os projéteis que atingiram a vítima foram disparados pelos infratores.
 
Relator da apelação, o desembargador Beretta da Silveira rejeitou os argumentos da companhia. Ele disse que o transporte e a segurança de valores constituem os objetos principais da atividade e que “qualquer ação, inclusive armada ou planejada, que possa vir a comprometê-los está dentro do âmbito de risco assumido pela empresa quando decidiu lançar-se ao mercado”.
 
O desembargador falou que a empresa deve tanto cuidar dos seus agentes, “mas a todos que possam vir a sofrer reflexos do risco por ela provocados”. “Uma empresa não pode subsistir apenas com os bônus advindos de sua atuação econômica, devendo, da mesma forma, suportar os ônus dela decorrentes”, continua. “Nesse sentido, não há como tratar como caso fortuito, força maior ou fato de terceiro a ação de grupo fortemente armado contra carros-fortes da companhia, pois ela é absorvida pelo risco da atividade.”
 
Segundo o desembargador, a responsabilidade fixada no Código de Defesa do Consumidor é objetiva. Assim, também considerou desnecessário a empresa trazer provas de que os tiros que mataram o motorista que passava pela rodovia foram disparados pelos assaltantes. “Como prescindível a demonstração de culpa para a apuração da responsabilidade, irrelevante a origem dos projéteis que atingiram a vítima e igualmente desimportante a licitude da atividade desempenhada pela companhia.”
 
Ele ainda reproduziu trechos da sentença do juiz sentenciante: “A ré atraiu os criminosos, criando o ambiente peculiar e próprio para o assalto, sendo isto a causa inicial (e primordial) do dano (falecimento da vítima). Não se pode falar em caso fortuito, força maior ou fato de terceiro. A ação criminosa era previsível e até mesmo evitável e, como demonstrado, não rompeu o nexo entre o risco e o dano”.
 
Composição do dano
 
Para calcular o valor do dano, o desembargador disse levar em consideração as circunstâncias do caso, a capacidade econômica das partes, a natureza sancionadora e o caráter compensatórios da indenização, além do grau de culpa da empresa e sua efetiva colaboração para o dano. Com isso, ele reduziu a indenização para R$ 120 mil para cada autor (o valor da sentença não foi citado no acórdão).
 
Quanto aos danos materiais, manteve o fixado: pensão mensal à viúva em dois terços do salário mensal da vítima, sendo a dependência econômica presumida.
 
Questão constitucional
 
A responsabilidade de transportadoras de valores por eventos danosos já chegou ao Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a existência de repercussão geral somente sobre casos relacionados a acidentes com seus funcionários mas não com terceiros (RE 828.040, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes).