Atos eletrônicos, ato autêntico notarial, acesso ao documento do estado civil e neutralidade dos órgãos econômicos mundial foram os destaques de encontro da União Internacional no continente africano
 
Notários de 87 países do mundo reuniram-se entre os dias 9 e 12 de maio, em Abidjan, capital da Costa do Marfim, para a 3ª Sessão Plenária da atual gestão da União Internacional do Notariado (UINL), entidade interacional que debate de forma prática e doutrinária a atividade notarial nos cinco continentes.
 
O Brasil, que esteve representado pelos conselheiros Filipe Andrade Lima, vice-presidente do Conselho Federal, e José Flávio Bueno Fischer, participou de importantes debates relacionados aos atos notariais eletrônicos, relacionamento com os órgãos governamentais, direito das pessoas ao registro de nascimento e ato autêntico notarial.
 
Ao abrir o encontro semestral dos notariados mundiais, o presidente da entidade, o espanhol José Marqueño de Llano, destacou a importância da realização da reunião no continente africano, como forma de disseminação dos princípios do notariado do tipo latino. “Quando assumimos a atual gestão, firmamos o compromisso de estar presente no continente africano, em particular na Costa do Marfim, primeiro país africano a ingressar na UINL”, disse o presidente.
 
Para de Llano, os notariados africanos enfrentam uma tarefa das mais importantes, voltada à capacitação de seus tabeliães, de forma a que possam dar respostas às demandas contínuas da sociedade. “A formação contínua notarial torna-se um importante canal para que os notários evoluam naqueles que são os princípios norteadores de nosso notariado, fazendo com que a atividade se torne indispensável para as relações econômicas e pessoais dos cidadãos”, afirmou.
 
Prestigiando o evento, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos da Costa do Marfim, Sansan Kambile, falou da importância que o notariado local deve ter na regularização de moradias e no acesso à documentação civil básica dos marfinenses. “Nosso País busca soluções para problemas sérios, que atingem a primeira infância e os direitos mais importantes de um povo, que são aqueles relacionados à moradia, para o qual a participação notarial deve, e tenho certeza que será, ainda mais importante”, disse o ministro.
 
Presidente do notariado marfinenses, Yolande Foldah-Kouassi detacou o trabalho em prol da edição de uma nova lei do notariado local, que ensejará a delegação de atribuições de atos de jurisdição voluntária aos tabeliães locais, além de resolver problemas estruturais sobre as delegações marfinenses. “A presença da UINL e do ministro da Justiça neste evento, mostra a importância que nosso notariado pode ocupar no atual cenário das relações jurídicas na Costa do Marfim”, disse.
 
Atos Eletrônicos em debate
 
Dois foram os temas principais debatidos pelo Conselho Geral da UINL. O primeiro deles voltado ao “Direito a identidade das crianças”, para o qual foram convidados, Hyacinthe Sigui, agente de proteção da infância do Unicef em Abidjan, e Aboubacar Ouatarra, juiz da Direção de Controle do estado civil, que discorreram sobre a atual conjuntura registral na Costa do Marfim e os atuais projetos em andamento que buscam erradicar a falta de registro civil de nascimento entre a população infantil.
 
Segundo os representantes marfinenses, cerca de 1 milhão de crianças marfinenses matriculadas em escolas não possuem o registro civil de nascimento, fator que é amplificado pelas multas cobradas pelo não cumprimento do prazo pelos pais e pelos custos de deslocamentos que contribuem para a baixa procura pelo registro civil.
 
“Trabalhamos em ações itinerantes, que visam reforçar no cidadão a presença institucional do Estado, e por consequência do notário, com o seu papel garantidor de autenticidade e de segurança jurídica para a prática dos atos relacionados à cidadania e a proteção dos mais pobres, disse Aboubacar Ouatarra.
 
O segundo tema de debates, voltado mais a parte técnica da atividade notarial, focou-se no tópico “A presença física ante o notário” e esteve à cargo do notário francês Thierry Vachon. Responsável por apresentar o tema e as conclusões de seu grupo de trabalho, Vachon dividiu as conclusões em três tópicos: comunicação, blockchain e inteligência artificial
 
“Creio que neste momento, a principal discussão se dá em como situar o notário no atual processo de prestação de serviços digitais”, disse. “Não se trata aqui de dizer o que deve ou não ser feito em termos tecnológicos, mas de assumirmos um discurso em prol da modernidade dos nossos atos e apresentarmos soluções à sociedade, que podem não ser aquelas já prontas, mas sim apontar um caminho a ser seguido”, disse.
 
Vachon disse ser importante a proposição de um blockchain notarial, focado na formalização eletrônica de um ato e que este circule dentro de uma rede interna notarial segura. “Creio que este é o primeiro passo para um avanço neste sentido, uma vez que a tecnologia pode ainda não estar pronta para uma mudança radical, mas sinalizar quais seriam os caminhos a serem seguidos neste primeiro momento”. Por sua vez, o notariado italiano apresentou a iniciativa local de criação do Notarchain, em operação no País.
 
Ainda segundo o notário francês é a presença física diante do notário é um mecanismo importante de reforço da segurança jurídica e da integridade dos atos, e que tal princípio deve ser equilibrado com a possibilidade de que pessoas em locais distintos e diante de notários diferentes possam realizar atos eletrônicos com segurança jurídica.
 
Ao final dos debates sobre o tema, concluiu-se que (i) a presença física de todas as partes perante o notário é um elemento essencial para a prestação do serviço notarial; (ii) em caso de atuação por outras pessoas é necessário dispor de um documento de procuração ou ratificação claro e válido. Haverá que se ter um especial cuidado para evitar conflitos de interesse e para atender a proteção de consumidores e de pessoas vulneráveis; (iii) em caso do consentimento expressar-se por meios eletrônicos, deve estar assegurado que a vontade foi confirmada de maneira livre e devidamente informada e assessorada por um notário, e (iv) em caso de teleconferência é necessário garantir que o notário mantenha o controle do processo.
 
O debate sobre ato autêntico
 
Também francês, o notário Lionel Galliez falou sobre o trabalho do grupo de participação com organizações internacionais, que tem como objetivo buscar um papel de neutralidade dos órgãos internacionais na comparação entre os sistemas da common-law e da civil-law. “Neste momento, mais do que trabalhar para convencê-los dos benefícios do nosso sistema jurídico, creio que é urgente que parem de nos agredir e que seja buscada uma manifestação de neutralidade entre os sistemas jurídicos mundiais”.
 
Nas discussões em torno do tema “Ato Autêntico Notarial”, o notário espanhol Enrique Blancos apresentou as conclusões de seu grupo de trabalho após intenso debate envolvendo todos os participantes. Entre os tópicos abordados estiveram: (i) a importância da homogeneização do termo ato autêntico, (ii) os elementos que devem constituir um ato autêntico, (iii) a qualidade de autoridade pública do notário, (iv) as condições de acesso à função notarial, (v) a integração do notariado em um sistema corporativo, (vi) o rigoroso controle da atividade notarial pelo Estado e pelos órgãos corporativos; (vii) elevação do contrato perante a categoria de ato autêntico após tramitação por um notário; (viii) a perenidade dos arquivos notariais; (ix) a qualificação notarial; (x) informação de consentimento e (xi) controle de legalidade.
 
Dentre as manifestações das comissões continentais, coube ao vice-presidente da UINL para a Ásia, o notário Chiyong Hao, falar sobre o avanço das atribuições notariado chinês. “O ano de 2017 é muito importante para o notariado na China, uma vez que o sistema de proteção jurídica tem melhorado cada vez mais, com um sistema de lei civil avançando e um maior papel dos notários nos direitos das famílias”, disse, citando a atuação onde o notário redige o instrumento de tutela dos filhos que devem cuidar de seus pais conforme estabelece a lei chinesa.
 
O evento foi encerrado com a comunicação de que ainda este ano, após a realização da Reuniões Institucionais da UINL em Buenos Aires, que celebrará o 70º aniversário da UINL, haverá um Fórum Internacional sobre lavagem de dinheiro na cidade de Madri, na Espanha. Também foi comunicado que, após visitas de Comissão Especial da UINL, o Líbano está em vias de obter seu ingresso na entidade internacional notarial.