Na sala do terceiro andar de um dos palácios da Justiça de Brasília, em meio a fotos de família desbotadas e mesas modernistas adornadas com peças de cristal, Humberto Martins despachava com juízes que irão fazer parte de seu gabinete no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A partir de agosto, o atual vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai ocupar o posto de corregedor nacional – responsável por balizar, fiscalizar e, como diz o nome, algumas vezes corrigir condutas de juízes de todo o país. “Acho que a magistratura, a atividade do magistrado, é de uma grandeza sem fim, que merece ser valorizada sempre. Claro, a punição deve existir para aqueles que faltarem com a ética necessária”, disse o ministro alagoano, que em dois anos será o próximo presidente do “tribunal da cidadania”, logo que a entrevista começou. O magistrado recebeu o JOTA em seu gabinete, no final do expediente de uma terça-feira sem muitas emoções. “Quando eu era advogado eu dizia que falava tudo, quando eu sou juiz falo o que a lei manda”.
Nomeado para o STJ em 2006 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, coube a Humberto Martins negar, em janeiro de 2018, um habeas corpus preventivo apresentado pela defesa do ex-mandatário, preso nas carceragens da Polícia Federal em Curitiba há quase dois meses. Ele estava no exercício da presidência do STJ quando o recurso chegou no meio de seu plantão. Eram as férias do Judiciário. “Fiz o que tinha que fazer, da maneira mais técnica possível. Qualquer que fosse o resultado, as críticas viriam”.
Em meados de abril, ao ser aprovado pelo Senado Federal para assumir a corregedoria, teve 54 votos favoráveis. Arregimentou nove votos contrários, o que, nos bastidores, foi visto como uma possível reação da bancada petista não só à sua decisão de janeiro, mas a seu posicionamento sobre a prisão em segunda instância – “se é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, nós temos que seguir” – e outras posturas vistas como conservadoras.
Religioso, divide espaço na mesa de trabalho com uma bíblia e a biografia do ex-presidente Getúlio Vargas escrita pelo cearense Lira Neto. Além de pilhas de processos. Advogados do convívio de Humberto Martins falam num homem simples, muito ligado à família, frequentador de missas aos domingos. Gosta de enviar mensagens religiosas em grupos de WhatsApp, aquelas que desejam uma Feliz Páscoa ou feliz qualquer outra data festiva. Perguntado sobre um possível conflito na relação entre religiosidade e o papel de julgador, argumentou. “Quando nós temos fé nós acreditamos nas pessoas, acreditamos no perdão, no amor, na solidariedade e sobretudo na igualdade das pessoas. Por isso que nós empregamos na Justiça esse mesmo sentimento. Nunca separei a condição religiosa de julgador, até porque dizem que julgar é um dom divino”.
Advogado de carreira, presidiu a seccional alagoana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) até ser nomeado, em 2002, desembargador do Tribunal de Justiça do estado, ocupando uma vaga destinada ao quinto constitucional – aquele dispositivo da Constituição Federal que determina que um quinto das vagas de determinados tribunais brasileiros seja preenchido por advogados e membros do Ministério Público. Foi conduzido ao posto de ministro pelas mãos do ex-presidente do tribunal César Asfor Rocha, padrinho de uma leva de integrantes da Corte: Napoleão Nunes Maia, Francisco Falcão e Raul Araújo.
É uma figura querida da nata da advocacia brasiliense. Fontes ouvidas pelo JOTA acreditam que, usado em doses corretas, o pragmatismo de quem atuou “do outro lado” pode dar resultados positivos no CNJ e numa futura presidência do STJ. Martins é visto como um “perfil agregador”, nas palavras de um ministro que acredita que sua gestão vai movimentar positivamente o tribunal. Ele vai suceder o próximo presidente da Corte, João Otávio de Noronha.
Muito ligado a Renan Calheiros (MDB), de quem é conterrâneo e amigo de infância, Humberto Martins vem de família rica, assim como a esposa. Juntos, moram numa cobertura num luxuoso prédio no Plano Piloto, “comprada ainda antes de ser nomeado para o STJ”, enfatizou. Mesmo assim, defende o auxílio-moradia para os magistrados. “Eu vejo o auxílio moradia como uma das condições que a Loman [Lei Orgânica da Magistratura, de 1979] estabelece. A Loman diz que uma das condições que o juiz pode ter é o auxílio moradia, auxilio com relação a sua atividade jurídica, mas o que deveria ter é o salário justo de juiz”, afirmou. “Eu acho que tem que se discutir com a sociedade, com o Parlamento, qual é o salário ideal para o juiz ter sua independência funcional. Os juízes estão há vários anos sem reajuste”.
Aos 62 anos, Martins tem dois filhos. Um deles, Eduardo Filipe, seguiu os passos do pai e atua em processos no STJ. O ministro não vê polêmica ou risco de favorecimento no fato de o filho advogar no mesmo tribunal. Diz que se declara impedido para processos que envolvam parentes até o segundo grau, e que não há impedimento constitucional. “Hoje, por ser filho de magistrado, muito se fala sobre uma possível influência. Eu particularmente não vejo influência, porque nós julgamos de acordo com o entendimento jurídico e quando tem parente de outros ministros eu olho os precedentes do STJ”, disse.
Bacharel em administração, além de direito, o ministro é reconhecidamente um “bom formador” de equipes. Busca de cercar de assessores com alta qualificação, geralmente mestres, professores universitários, gente com reconhecimento acadêmico. Durante a sabatina que passou no Senado, Humberto Martins, respondendo a um questionamento da senadora Marta Suplicy (MDB-SP), prometeu formar um gabinete paritário. Ao JOTA, disse que já convidou três juízas instrutoras, e que sempre valorizou a competência das mulheres. Sua chefe de gabinete, Teresa, o acompanha há mais de 12 anos, desde Alagoas, muito antes de sua vinda para Brasília.