Apelação nº 1005106-25.2017.8.26.0132
Espécie: APELAÇÃO
Número: 1005106-25.2017.8.26.0132
Comarca: CATANDUVA
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação nº 1005106-25.2017.8.26.0132
Registro: 2018.0000545341
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1005106-25.2017.8.26.0132, da Comarca de Catanduva, em que são partes são apelantes FÁBIO PAGLIOTTO DA CONCEIÇAO e ROBERTA LOPES DE SOUZA OCCHIENA DA CONCEIÇAO, é apelado ORLANDO APARECIDO FUZARO.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U. Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 19 de julho de 2018.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação nº 1005106-25.2017.8.26.0132
Apelantes: Fábio Pagliotto da Conceiçao e Roberta Lopes de Souza Occhiena da Conceiçao
Apelado: Orlando Aparecido Fuzaro
VOTO Nº 37.510
Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Falta da prova da posse – Jus possidendi decorrente da propriedade que não se confunde com o jus possessionis – A usucapião extrajudicial tem como pressuposto a prova da posse ad usucapionem, a qual não se confunde com a posse como emanação do domínio (jus possidendi) em razão do proprietário não exercer a posse com o ânimo qualificado de adquirir a propriedade por já ser o titular do domínio – Escritura de cessão de direitos hereditários que tratou da alienação da propriedade e não da posse do imóvel seu objeto – Regular o registro imobiliário não se cogita da aquisição da propriedade por usucapião enquanto meio de sanear vícios do registro – Recurso não provido.
Trata-se de apelação interposta por Fabio Pagliotto da Conceição e Roberta Lopes de Souza Occhiena da Conceição contra r. sentença que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa do registro de usucapião extrajudicial por não comprovação da posse.
Os apelantes sustentam estar demonstrada a posse e requerem o prosseguimento do processo administrativo com a realização do registro.
A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 407/409).
É o relatório.
Apesar de não ter havido notificação dos titulares dos direitos reais dos imóveis confinantes (LRP, art. 216-A, p. 2º), considerando que a rejeição do pedido deveu-se à ausência de posse, passo ao exame dessa questão central, objeto do inconformismo recursal.
Aos recorrentes foi possibilitado ampla produção de provas da posse, inclusive, em cumprimento às exigências feitas pelo Sr. Oficial do Registro Imobiliário.
Os apelantes pretendem o reconhecimento da usucapião extraordinária por meio da acessão, na modalidade de união, da posse dos antecessores, nos termos dos artigos 1.238 e 1.243 do Código Civil.
A prova da posse a ser unida foi feita por meio da apresentação da Escritura Pública de Cessão de Direitos Hereditários referentemente ao imóvel, lavrada em 02.12.2013 (a fls. 62/64).
No corpo dessa escritura pública constou (a fls. 63):
(…) autorizando o mesmo cessionário a ingressar nos autos de inventário e/ou arrolamento que será realizado através de escritura pública, e requerer a adjudicação ou receber em pagamento o referido imóvel, cujo direito é cedido por este ato notarial.
Os falecidos constam como proprietários do imóvel de acordo com o registro existente na matrícula n. 32.248 (a fls. 13/14).
Em verdade, a cessão de direitos tratou do direito de propriedade e não de posse, como se observa do extrato acima transcrito. Aliás, na referida escritura não são mencionados atos de posse.
Ao presente julgamento é relevante a distinção entre o jus possidendi e o jus possessionis, aquele decorre da propriedade e este da posse ou, ainda, direito à posse e direito de posse, respectivamente.
Benedito Silvério Ribeiro (Tratado de usucapião. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2012, p. 721) trata dessa diferenciação nos seguintes termos:
O direito que tem uma pessoa de exercer posse sobre a coisa cujo domínio já ostente é o denominado jus possidendi, traduzido como direito de possuir. É o caso do proprietário que ostenta título aquisitivo registrado, decorrendo sua posse de um jus possidendi.
O jus possessionis emerge do próprio fato da posse, sem relacionamento anterior, isto é, ausente um título para possuir possideo quod possideo. Assim, o possuidor, mesmo sem o jus possidendi, encontra na lei defesas para o estado de posse (interditos possessórios) e ainda, sendo a posse qualificada, com os componentes que direcionam à usucapião (ad usucapionem), conduzirá à propriedade (jus possidendi).
Os apelantes não demonstraram juridicamente a existência de posse sobre o imóvel em todo o período, especialmente, dos antecessores (anterior a 02.12.2013).
O entendimento dos recorrentes em presumir a posse dos espólios proprietários não modifica a situação, porquanto a posse desses, mesmo que provada, decorreu da propriedade (jus possidendi), assim, não se prestaria para fins de usucapião em razão do proprietário não exercer posse com intenção de ser proprietário – posse ad usucapionem. Somente o jus possessionis conduz à referida modalidade de aquisição originária da propriedade.
Também não há prova da posse exercida pelos apelantes e tampouco de posse exclusiva do antecessor falecido.
O fato constatado pela Ata Notarial igualmente não tem o condão de superar as questões expostas em virtude de tão só considerar o declarado pelos apelantes e o conteúdo de documentos apresentados.
O registro imobiliário da propriedade do imóvel não padece de vícios, nada foi alegado nesse sentido e, da mesma forma, não se constata qualquer irregularidade no exame da documentação carreada aos autos.
Nessa linha, não se cogita do efeito saneador da aquisição da propriedade por usucapião, pois, repito, não há irregularidade no registro do imobiliário.
Não é possível aos recorrentes substituir a aquisição derivada da propriedade pela cessão de direitos hereditários pela usucapião.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO
Corregedor Geral da Justiça e Relator (DJe de 08.08.2018 – SP)