O Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento ocorrido em 10 de maio de 2017, de relatoria do Ministro Roberto Barroso (Recursos Extraordinários 646.721/RS e 878.694/MG), lançou a seguinte tese de repercussão geral: “No sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil.”.
 
Os acórdãos que foram proferidos nos dois Recursos Extraordinários geraram dúvidas porque omissos em relação ao artigo 1.845 do Código Civil, que estabelece o rol de herdeiros necessários, ou seja, diz quem são as pessoas com direito à legítima, que é uma parte da herança que não pode ser tocada e é preservada obrigatoriamente para quem ali está referido, ou seja, as pessoas civilmente casadas, além dos filhos e pais.
 
Por essa razão, entre outras, foram interpostos Embargos de Declaração em ambos os Recursos Extraordinários.
 
No julgamento de um desses Embargos, ocorrido em sessão virtual de 19.10.2018 a 25.10.2018, finalmente, o STF esclareceu a matéria.
 
A decisão do STF foi pela rejeição dos Embargos de Declaração, uma vez que a “A repercussão geral reconhecida diz respeito apenas à aplicabilidade do art. 1.829 do Código Civil às uniões estáveis. Não há omissão a respeito da aplicabilidade de outros dispositivos a tais casos”.
 
Isso significa que está reservado o direito à metade dos bens da herança e a impossibilidade de exclusão da herança por disposição expressa em testamento do falecido apenas aos cônjuges (aqueles que vivem em casamento) e não aos companheiros (aqueles que vivem em união estável).
 
Em razão da confusão provocada pelos acórdãos proferidos naqueles Recursos Extraordinários, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), antes do esclarecimento realizado nos Embargos de Declaração acima referidos, julgou dois Recursos Especiais (REsp 1357117/MG e REsp. 1.337.420/RS) em que pensava que estaria acatando o pensamento da Corte Suprema ao considerar o companheiro herdeiro necessário, quando estava desacatando a Lei que não foi interpretada pelo STF no que se refere ao artigo 1.845 do Código Civil que regula a herança necessária e determina a sua existência no casamento e não na união estável.
 
Não há mais, portanto, que se falar em incerteza sobre o companheiro passar ou não a ser herdeiro necessário. Não é herdeiro necessário. Isto está bem decidido pelo STF. Afinal, a Corte Suprema reconheceu a razão da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), que, na qualidade de amicus curiae, defendeu a diferenciação entre casamento e união estável, porque o primeiro é oriundo de toda a solenidade prevista na lei e a segunda é uma relação que não precisa de qualquer formalidade para existir ou extinguir-se. A liberdade das pessoas na escolha de uma ou outra entidade familiar está preservada no STF, o que foi mais um dos fortes argumentos da ADFAS, por sinal, desde o início reconhecido pelo Ministro Edson Fachin em seu voto proferido no 646.721-RS: “Na sucessão, a liberdade patrimonial dos conviventes já é assegurada com o não reconhecimento do companheiro como herdeiro necessário, podendo-se afastar os efeitos sucessórios por testamento. Prestigiar a maior liberdade na conjugalidade informal não é atribuir, a priori, menos direitos ou direitos diferentes do casamento, mas, sim, oferecer a possibilidade de, voluntariamente, excluir os efeitos sucessórios”.
 
Quem ainda pretende levantar qualquer dúvida a respeito está “forçando a barra” o que não condiz com a atividade de um jurista.
 
*Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS). Doutora em Direito pela USP e advogada'