Decisão é da 4ª turma do STJ
 
A 4ª turma do STJ não reconheceu união estável entre uma mulher e um homem que mantiveram relacionamento por 17 anos, período no qual ele, hoje falecido, permaneceu casado, mantendo convívio com sua esposa, da qual não se separou de fato. O julgamento ocorreu na quinta-feira, 13 de dezembro.
 
O colegiado, por unanimidade, acompanhou voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, para quem também não ficou caracterizado no caso o chamado “concubinato de boa-fé”, que poderia ensejar a aplicação analógica da norma do casamento putativo.
 
Segundo ele, a falta de ciência da autora da ação sobre a preexistência do casamento (e a manutenção da convivência conjugal) não foi devidamente demonstrada, existindo indícios robustos em sentido contrário.
 
No caso, o TJ/RS manteve sentença que julgou procedente a pretensão da mulher, considerando demonstrada a união estável putativa e determinando a partilha de 50% dos bens adquiridos durante a convivência, ressalvada a meação da viúva.
 
No STJ, o espólio do réu sustentou ser inviável conferir status de entidade familiar a uma relação meramente concubinária, concomitante ao casamento, quando inexistente separação de fato. Pugnou pela impossibilidade de ser reconhecida união estável putativa à luz do ordenamento jurídico brasileiro.
 
O ministro Luis Felipe Salomão destacou em seu voto que o quadro fático foi perfeitamente delineado pelo  Tribunal de origem, do qual não se pode extrair a premissa de que a autora mantinha relação amorosa contínua e duradoura com o de cujus sem ter ciência de que ele era casado e não se achava separado de fato da esposa.
 
De acordo com os autos, durante o relacionamento, os dois trabalharam na mesma repartição pública no RJ, tendo chegado aos ouvidos da mulher comentários sobre o estado civil do recorrente. Em seu próprio depoimento ela disse que ouvia das pessoas com que trabalhava que ele era casado, mas que ele afirmava que o pessoal estava inventando coisas.
 
Dentre as alegações, a mulher afirmou que o réu assinou documentos em que se autodeclarava solteiro. Contudo, para o ministro Salomão, este fato, por si só, não pode servir de base à afirmação de que a autora não desconfiava da manutenção da sociedade conjugal prévia. Isso porque, segundo ele, tal expediente pode ter sido utilizado pelos dois a fim de evitar constrangimento no ambiente social em que conviviam de forma mais ostensiva, criando-se, assim, realidade paralela conveniente a ambos.
 
Em seu voto, o ministro destacou também que o fato de o réu dormir apenas eventualmente na casa da autora, somado ao burburinho existente no local de trabalho sobre o estado civil dele, refuta de forma incisiva a alegação da autora de que não tinha conhecimento da concomitância entre as relações afetivas. “Ademais, como de sabença, o casamento constitui ato formal, solene, público.”
 
Assim, não se revela crível, a meu ver, que, após mais de 17 anos de relacionamento amoroso, a autora não soubesse que o réu, além de casado, mantinha o convívio com sua esposa, de quem não se achava separado de fato.
 
Concubinato ou união estável
 
O ministro Salomão frisou que o deslinde da controvérsia posta nos autos era saber a correta qualificação jurídica da convivência afetiva ostensiva, contínua e duradoura estabelecida com pessoa casada que não se encontrava separada de fato: concubinato ou união estável.
 
Segundo ele, o maior óbice ao reconhecimento de uma união estável entre pessoas sem qualquer parentesco seria a existência de casamento. No entanto, a ausência de convivência duradoura (separação de fato) é motivo suficiente para afastar tal óbice, razão pela qual é a convivência de fato o maior impedimento ao reconhecimento da união estável, abstraindo-se, por óbvio, os impedimentos decorrentes de parentesco.
 
“Com efeito, nem mesmo a existência de casamento válido se apresenta  como impedimento suficiente ao reconhecimento da união estável, desde que haja separação de fato, circunstância que erige a existência de outra relação afetiva factual ao degrau de óbice proeminente à união estável, mais relevante que a própria existência do casamento.”
 
Desse modo, afirmou o ministro, “a pedra de toque para o aperfeiçoamento da união estável não está na inexistência de vínculo matrimonial, mas, a toda evidência, na inexistência de relacionamento de fato duradouro concomitante àquele que se pretende proteção”.
 
De acordo com ele, apesar da dicção do § 1º do artigo 1.723 do CC também fazer referência à separação judicial, é a separação de fato que viabiliza a caracterização da união estável de pessoa casada. “Consequentemente, mantida a vida em comum entre os cônjuges (ou seja, inexistindo separação de fato), não se poderá reconhecer a união estável de pessoa casada.”
O ministro destacou que a jurisprudência do STJ não admite o reconhecimento de uniões estáveis paralelas ou de união estável concomitante a casamento em que não configurada separação de fato.
 
Desse modo, votou no sentido de reformar o acórdão estadual, que manteve a sentença de procedência da pretensão da autora, uma vez não atendido o requisito objetivo para configuração da união estável, consistente na inexistência de relacionamento de fato duradouro concomitante àquele que se pretende proteção jurídica.
 
“Importante assinalar que, uma vez não constatado o chamado “concubinato de boa-fé”, não se revela cabida (nem oportuna) a discussão sobre a aplicação analógica da norma do casamento putativo à espécie.”
 
O número do processso não é informado em razão de segredo de justiça.