A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou, por unanimidade, recurso que discutia se bens acumulados com esforço exclusivo de apenas um dos companheiros, em período anterior à vigência da Lei 9.278/96 – que regulamentou a união estável –, deveriam ser divididos proporcionalmente entre os herdeiros no caso de morte de um dos companheiros.
A turma manteve o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que entendeu inexistir provas que evidenciassem o esforço comum, requisito essencial para declarar a partilha igualitária de bens adquiridos anteriormente à edição da lei que regulamentou a união estável. Além disso, para a corte goiana, dar provimento ao pedido configuraria ofensa a direito adquirido e a ato jurídico perfeito e, por alcançar bens de terceiros, causaria insegurança jurídica.
O ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso no STJ, concluiu pelo acerto da decisão do TJGO, acentuando que “o ordenamento jurídico pátrio, ressalvadas raras exceções, não admite a retroatividade das normas para alcançar ou modificar situações jurídicas já consolidadas. Portanto, em regra, a alteração de regime de bens tem eficácia ex nunc”.
Esforço individual
O processo foi iniciado por descendentes exclusivos do companheiro já falecido da ré, com quem a requerida conviveu 60 anos em relacionamento que, à luz da legislação da época, era denominado sociedade de fato.
Os autores da ação buscaram o Judiciário alegando ter direito, como herança, à parcela de bens imóveis em posse da companheira de seu ascendente e que teriam sido adquiridos no âmbito da união estável.
Reconhecido esse direito em primeira instância, o juiz determinou a partilha de 50% dos bens que tiveram participação do falecido na sua aquisição. Ao apelar para o tribunal estadual, a ex-companheira alegou que os imóveis em sua posse eram fruto de seu esforço individual, e não deveriam ser considerados para fins de inventário, fundamento aceito pela segunda instância, ao reformar a decisão.
Institutos distintos
O STJ, ao analisar o recurso das supostas herdeiras, entendeu que a presunção de esforço comum, típica da união estável, não alcançava o caso em discussão, pois a lei que estabeleceu esse regime foi editada em momento posterior aos fatos. Também levou em conta não ter sido comprovada a colaboração individual de cada um na aquisição e administração de seus respectivos bens, conforme estabelecido pelo tribunal estadual.
Em seu voto, o ministro Villas Bôas Cueva afirmou que o TJGO interpretou bem o caso ao desfazer a confusão acerca dos conceitos de união estável e sociedade de fato, institutos autônomos e distintos, principalmente em relação à presunção de esforço comum, típica da união estável e inaplicável à sociedade de fato.
“Portanto, no caso concreto, não há falar em partilha em virtude da ausência de vontade na construção patrimonial comum e por não se admitir que a requerida seja obrigada a partilhar bens, a princípio próprios, que adquiriu ao longo da vida por esforço pessoal, com quem não guarda parentesco algum”, concluiu o ministro.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.752.883 – GO (2014/0323870-2)
RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : JOVELINA MARIA FERNANDES
RECORRENTE : SUELMA ALVES DA SILVA
RECORRENTE : CARLOS ROBERTO DOS SANTOS E SILVA
ADVOGADOS : ILDEBRANDO LOURES DE MENDONÇA E OUTRO(S) – GO004419
GUSTAVO CÉSAR DE SOUZA MOURÃO – DF021649
RECORRIDO : CARMELITA JOSÉ DOS SANTOS
ADVOGADOS : LUCIANA SILVA REIS FARINHA E OUTRO(S) – GO011133
WALTER SILVA REIS – GO017486
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. SOCIEDADE DE FATO. SÚMULA Nº
380/STF. INCIDÊNCIA. AQUISIÇÃO PATRIMONIAL. ESFORÇO COMUM. PROVA.
IMPRESCINDIBILIDADE. UNIÃO ESTÁVEL. LEI Nº 9.278/1996.
IRRETROATIVIDADE. SÚMULA Nº 568/STJ. ARTS. 2º E 6º DA LEI DE
INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO. ÔNUS DA PROVA.
SÚMULA Nº 7/STJ.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a avaliar se os bens amealhados em período anterior à vigência da Lei nº 9.278/1996 devem ser divididos proporcionalmente, sem a demonstração da efetiva participação, direta ou indireta, de cada companheiro para a construção do patrimônio.
3. A presunção legal de esforço comum na aquisição patrimonial na união estável foi introduzida pela Lei nº 9.278/1996.
4. Na hipótese, incide o regime concernente às sociedades de fato em virtude do ordenamento jurídico em vigor no momento da respectiva aquisição (Súmula nº 380/STF).
5. O ordenamento jurídico pátrio, ressalvadas raras exceções, não admite a retroatividade das normas para alcançar ou modificar situações jurídicas já consolidadas. Portanto, em regra, a alteração de regime de bens tem eficácia ex nunc.
6. Rever as circunstâncias fáticas revolvidas na origem quanto à prova do esforço comum de ex-companheira do autor da herança na aquisição de bens antes da vigência do referido diploma encontra óbice na Súmula nº 7/STJ.
7. Recurso especial não provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 25 de setembro de 2018(Data do Julgamento)
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Relator