Introdução
O Provimento nº 65, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, trouxe para a usucapião extrajudicial a exigência de comprovação da existência de um óbice para a transferência da propriedade pelos meios comuns, ficando demonstrado que a usucapião somente pode ser utilizada quando não houver possibilidade de lavratura de escritura pública ou mesmo de inventário judicial para a aquisição da propriedade. O artigo 13, § 2º, do Provimento assim dispõe:
2º Em qualquer dos casos, deverá ser justificado o óbice à correta escrituração das transações para evitar o uso da usucapião como meio de burla dos requisitos legais do sistema notarial e registral e da tributação dos impostos de transmissão incidentes sobre os negócios imobiliários, devendo o registrador alertar o requerente e as testemunhas de que a prestação de declaração falsa na referida justificação configurará crime de falsidade, sujeito às penas da lei.
Dentre os princípios notariais, está o da tecnicidade, pelo qual o tabelião deve orientar os interessados a buscarem a melhor solução jurídica para o seu problema. A usucapião, mesmo após a regulamentação pela Lei nº 13.465 e pelo Provimento nº 65, do CNJ, continua sendo um procedimento lento e cujo desfecho não é possível garantir. Sempre que for viável a lavratura de escritura pública, por exemplo, de compra e venda, de doação, de inventário, entre outras, a usucapião não é o caminho. A exigência prevista no Provimento nº 65, art. 13, § 2º, do CNJ, é salutar por reforçar o princípio da tecnicidade.
Marcelo Couto afirma que a usucapião extrajudicial não substitui as formas ordinárias de transferência de propriedade, esclarecendo que, nos casos em que for possível a transferência da propriedade por escritura pública ou inventário, não será cabível a usucapião extrajudicial. Essa exigência se justifica na finalidade de evitar fraudes e formas de eximir as partes do pagamento dos tributos incidentes sobre eventual transferência regular da propriedade do imóvel. (COUTO, 2019, p. 157).
Para Francisco Nobre, o artigo 13, § 2º, do Provimento 65/CNJ criou a necessidade de ser apresentada uma “justa causa” para a utilização da via usucapional. Para o doutrinador, a preocupação com a adequada motivação do uso da usucapião tem razões práticas compreensíveis, quais sejam evitar a burla ao rigor da qualificação registral e impedir a evasão fiscal dos impostos de transmissão. (NOBRE, 2018, p. 210-211)
Também na usucapião judicial têm sido afastadas tentativas de sua utilização quando não demonstrada a existência de um obstáculo para a transferência do bem pelos meios convencionais, sendo que a jurisprudência do TJMG vem exigindo a demonstração do interesse de agir[1]. Sobre o interesse de agir, Humberto Theodoro Júnior ensina:
Localiza-se o interesse processual não apenas na utilidade, mas especificamente na necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo no caso concreto, pois a tutela jurisdicional não é jamais outorgada sem uma necessidade, como adverte Allorio. Essa necessidade se encontra naquela situação ‘que nos leva a procurar uma solução judicial, sob pena de, se não fizermos, vermo-nos na contingência de não podermos ter satisfeita uma pretensão (o direito de que nos afirmamos titulares)’. Vale dizer: o processo jamais será utilizável como simples instrumento de indagação ou consulta acadêmica. Só o dano ou o perigo de dano jurídico, representado pela efetiva existência de uma lide, é que autoriza o exercício do direito de ação. (THEODORO JÚNIOR, 2004, p. 55-56).
Assim, na usucapião judicial, não sendo demonstrada a sua necessidade e adequação, o caso é de extinção do processo por falta de interesse de agir. E realmente é importante que Judiciário enfoque essa questão, uma vez que não faz sentido exigir a demonstração da existência de óbice para a transferência do direito por escritura pública, na via extrajudicial, e não haver a mesma exigência na via judicial, sendo que se trata do mesmo instituto.
Mas quais as hipóteses de óbice para a transferência da propriedade pelos meios comuns? Essa questão vem atormentando notários e registradores e já foi objeto de decisões judiciais. Neste artigo, traremos uma lista de situações que entendemos que configuram “óbice à correta escrituração das transações”.
Leia a íntegra do artigo aqui.
Sobre as autoras:
*Ana Clara Amaral Arantes Boczar – Graduada em Direito pela Faculdade Milton Campos (2015), pós-graduada em Direito Privado pela Universidade Cândido Mendes e pós-graduada em Direito Notarial e Registral pela parceria do Instituto Nacional de Direito e Cultura (Indic) com o Centro de Direito e Negócios (Cedin). Trabalhou como conciliadora voluntária no Tribunal de Justiça de Minas Gerais de 2016 a 2017. Advogada, atuou na área trabalhista entre 2015 e 2016. Atualmente, atua na área cível, nas esferas judicial e extrajudicial. Autora do livro Usucapião Extrajudicial.
** Daniela Bolivar Moreira Chagas – advogada com atuação nas áreas de direito imobiliário, notarial e registral. Especialista em Direito Registral e Notarial pela faculdade Milton Campos e em Direito Público pela ANAMAGES- Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. Vice-presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral e membro da Comissão de Direito Imobiliário, ambas da OAB/MG. Coautora do livro Temas Atuais da Comissão de Direito Notarial e Registral do Conselho Federal da Oab. Professora de direito registral nos cursos oferecidos em parceria na ESNOR – Escola Superior de Notários e Registradores e CORI – Colégio Registral Imobiliário Do Estado de Minas Gerais, bem como Supremo Concursos em BH/MG. Professora e co-coordenadora da pós-graduação latu sensu em direito notarial e registral do Cedin Educacional em BH/MG.
*** Letícia Franco Maculan Assumpção – Graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Diretora do Instituto Nacional de Direito e Cultura – INDIC. Professora e co-coordenadora da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral na parceria INDIC-CEDIN. Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do CNB/MG. Autora dos livros Notas e Registros, Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil e Usucapião Extrajudicial, além de diversos artigos na área do direito notarial e registral.