A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que, extinta a obrigação alimentar por qualquer causa, como a morte do alimentando, a genitora não possui legitimidade para prosseguir na execução de alimentos vencidos, seja na condição de herdeira ou nome próprio, por sub-rogação.
 
No caso, após o falecimento do filho, em 2013, durante a execução de alimentos iniciada em 2008, o juízo de primeiro grau determinou o prosseguimento da ação pela mãe, em nome próprio. Para o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ/MA), embora considerando que a morte do alimentando extingue a obrigação de prestar alimentos, as parcelas já constituídas deveriam ser transmitidas aos herdeiros, admitindo-se a continuidade da execução pela genitora.
 
Em recurso especial ao STJ, o devedor afirmou que o TJ/MA aplicou de maneira equivocada os dispositivos do Código Civil, que prevê a possibilidade de transmissão da obrigação alimentar aos herdeiros do devedor, nos limites da herança. No entanto, não contempla a hipótese de o direito aos alimentos, de natureza personalíssima, ser transferido a outras.
 
Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso especial, a compreensão do acórdão recorrido “se aparta da natureza jurídica do direito aos alimentos, com destaque para o seu caráter personalíssimo – viés que não se altera, independentemente de os alimentos serem classificados como atuais, pretéritos, vencidos ou vincendos, e do qual decorre a própria intransmissibilidade do direito em questão -, bem como de sua finalidade precípua, consistente em conferir àquele que os recebe a própria subsistência, como corolário do princípio da dignidade humana”.
 
Bellizze explicou, em seu voto, que os alimentos, concebidos como direito da personalidade, integram o patrimônio moral do alimentando, e não o seu patrimônio econômico, ainda que possam ser apreciáveis economicamente. “Embora tênue, essa distinção bem evidencia o desacerto da comum assertiva de que os alimentos, porque vencidos, incorporariam ao patrimônio (econômico) do alimentando e, por isso, passariam a ser transmissíveis a terceiros”, disse. O ministro ressaltou que o artigo 1.707 do Código Civil veda a cessão do crédito alimentar a terceiros.
 
“Ainda que a prestação alimentícia se encontre vencida e seja apreciável economicamente, o respectivo direito subjetivo continua a integrar o patrimônio moral do alimentário, remanescendo absolutamente inalterada a sua finalidade precípua de propiciar a subsistência deste (exclusivamente), conferindo-lhe meios materiais para tanto”, declarou.
 
O relator destacou que com a morte do alimentando, ficou exaurida a finalidade precípua dos alimentos, consistente em conferir subsistência ao seu credor. E ressaltou que deve ser reconhecida a possibilidade de a genitora buscar em nome próprio o ressarcimento dos gastos com a manutenção do filho falecido e que eram de responsabilidade do alimentante inadimplente, evitando que ele se beneficie da extinção da obrigação alimentar e obtenha enriquecimento sem causa.
 
Especialista faz ressalvas
 
Para Fernanda Tartuce, advogada e presidente da Comissão de Processo Civil do Instituto Brasileiro de Direito de Família – Ibdfam, a decisão não contempla a melhor resposta que o ordenamento jurídico pode oferecer.
 
De acordo com ela, no caso houve polêmica sobre a forma de pagamento. “O executado alega que a prestação alimentar, por conta do estado de saúde do filho, foi fixada in natura (para que pagasse plano de saúde, exames e sessões de fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia). Em sua visão, houve adimplemento. A genitora, contudo, requereu a execução de certo valor em dinheiro referente a despesas do filho”, explica.
 
Para Fernanda Tartuce, não ficou clara, no acórdão do STJ, a composição do montante, mas restou reconhecido que havia valores a serem pagos à genitora. “Como ela não poderia seguir cobrando os valores naquele processo, qual seria o caminho? Segundo o relator, como não há transmissão nem sub-rogação, ‘remanesce, eventualmente, a pretensão da genitora de, em nome próprio, ser ressarcida integralmente pelos gastos despendidos no cuidado do alimentando que eram da responsabilidade do genitor, propiciando-lhe um enriquecimento sem causa’. Por tal conclusão, uma pessoa enlutada e batalhadora, após 11 anos de litígio, foi instada a começar uma nova ‘cruzada’ no Poder Judiciário para receber valores considerados devidos a ela”, diz.
 
Fernanda Tartuce vai além: “A mensagem que o Poder Judiciário pode acabar passando é a de que vale alongar ao máximo o tempo do processo para que o devedor possa se beneficiar da morte de credores que não resistirem à demora, ficando o prejuízo econômico – inclusive de começar mais um processo – com quem cuidou do incapaz.”
 
Artigo 1.707 do Código Civil
 
Citado pelo ministro relator em seu voto, o artigo 1.707 do Código Civil também foi lembrado por Fernanda Tartuce. De acordo com a advogada, graças ao tal dispositivo, o credor até pode não exercer o direito a alimentos, mas é proibido de renunciar a tal direito, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.
 
Para ela, na decisão esta previsão foi invocada para destacar o aspecto de “direito personalíssimo” dos alimentos – que, segundo o entendimento esposado, jamais pode ser cogitado em termos de transmissão nem sub-rogação.
 
“Embora compreensível a construção, ela só faz sentido se pensarmos nos alimentos in natura: realmente o pagamento direto de despesas cessa com o falecimento do credor. Contudo, se a guardiã realizou pagamentos de despesas em dinheiro em prol do incapaz para atender a situações pautadas pela necessidade, obviamente há que se considerar a sub-rogação como adequada e lógica no caso. Remeter a pessoa a um novo processo é iniciativa que atenta contra diversas diretrizes, como o senso de justiça e a economia processual”, afirma.