Todo mundo já ouviu falar de alguma família que parece aquela de um comercial de margarina: feliz e sem problemas. Mas até os mais felizes parentes se desentendem quando o assunto herança vem à tona. Quando um ente querido falece e não deixa instruções claras de como desejava distribuir seu patrimônio por meio de um planejamento sucessório adequado, vários são os problemas que podem ser trazidos à tona no seio de uma construção familiar.
 
O planejamento sucessório existe exatamente para quem tem a herança deixar bem claro qual destino deseja que os seus bens tenham após a sua morte, ajudando a evitar longos litígios judiciais e brigas familiares. Ao contrário do que se pensa, planejar e colocar em prática o plano de sucessão não significa perder poder ou patrimônio, mas sim dar cumprimento à sua vontade quando não mais estiver presente.
 
Mas então o que é o planejamento sucessório? Nas palavras do professor de Direito e tabelião honorário, Zeno Veloso, o planejamento sucessório é um ato de amor. “O nome diz por si próprio. Como quem diz eu te amo, não há necessidade de explicações. Mas é bom perguntar para saber qual a intensidade do amor, quando começou, se está progredindo, e etc. O planejamento sucessório é uma forma de se estruturar, de se organizar de forma eficiente e inteligente o patrimônio de determinada pessoa”, declara Veloso.
 
A advogada especialista em Direito de Família e Sucessão, Ivone Zeger explica que o planejamento sucessório é tudo aquilo que o autor de um patrimônio, aquele que o detém, seja do tamanho que for, deixa destinado. “Quando a pessoa tem algum tipo de bem, e tem a preocupação com os seus herdeiros, a coisa mais importante a fazer é se planejar. É uma das coisas mais inteligentes que reputo, e é uma das coisas que você pode fazer sozinho, não precisa da aprovação de ninguém. O planejamento sucessório serve exatamente para aquela pessoa que gostaria de deixar o seu patrimônio bem esquematizado. Deixa claro para quem vai, de que forma, e como será feito”, comenta.
 
Toda essa organização é a união de atitudes e ações que são realizadas por alguém que tenha como propósito dispor sobre o destino dos seus bens. Ou seja, a pessoa, de maneira voluntária e consciente, deixa destinado o patrimônio que construiu por toda a vida.
 
De acordo com a doutora e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Ana Luiza Maia Nevares, o planejamento sucessório consiste em um conjunto de medidas executadas com o objetivo de definir a transmissão hereditária de bens e direitos de uma pessoa previamente ao seu falecimento. Tais medidas podem ter diversas naturezas: cível, tributária e societária.
 
Há diversas formas de realizar esse ato. É possível realizar um testamento, fazer uma holding familiar ou então optar por efetuar uma doação em vida. Para realizar a escolha, é necessário levar em conta quais são os tipos de patrimônio e qual a melhor forma de estruturar o seu planejamento.
 
De longe o testamento é o mais escolhido para se deixar claro o destino dos bens de alguém. Na base da Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados (CENSEC), central administrada pelo Colégio Notarial, há mais de 700 mil testamentos cadastrados desde 1970. De 2007 a abril de 2019 foram realizados 340.934 testamentos em Tabelionatos de Notas, sendo que o Estado de São Paulo foi aquele com a maior quantidade de atos praticados no período: 98.620. Em seguida está o Rio Grande do Sul, com 49.879 atos em Tabelionatos de Notas, seguido por Minas Gerais, com 49.144.
 
“O testamento público realizado em um Tabelionato de Notas te proporciona garantia por ser feito pelo tabelião, que tem fé pública e tudo aquilo que estiver contido lá será recepcionado pelo Poder Judiciário com outra visão. Há mais de 15 anos eu já falava da importância de fazer o testamento com um tabelião, então as pessoas começaram a entender. É a única coisa que você pode fazer individualmente”, acrescenta Zeger.
 
Segundo o juiz de Direito em São Paulo, Alberto Gentil de Almeida Pedroso, o ganho na elaboração do testamento em companhia do notário é extraordinário. “Trata-se de técnico jurídico altamente preparado, que prestará assessoramento jurídico, orientado pelos princípios e regras de Direito, pela prudência e pelo acautelamento, na busca do melhor atendimento aos anseios do testador”, diz o magistrado. “Além de explicar detalhadamente a acomodação patrimonial arquitetada pelo disponente, o tabelião apresentará os impactos tributários e demais circunstâncias de indispensável conhecimento para o leigo. Reforço que o papel do tabelião é identificar os desejos do testador e traduzi-los da maneira mais eficiente, instrumentalizando suas vontades de maneira jurídica para geração de efeitos após a sua morte”, relata Gentil.
 
Para o advogado especialista em Direito Privado, Frederico José de Britto Leite, há várias espécies de testamento, mas indiscutivelmente é a forma pública aquela que mostra mais eficiência. “Lavrado perante o tabelião, este testamento traz consigo a segurança que os demais (particulares, cerrados ou marítimos, por exemplo) não têm. Salvo quando se põe diante de situação que não se permite a forma pública, não usar o testamento público seria o mesmo que dar oportunidade a dúvidas, expor-se a um risco desnecessário e incompatível com o planejamento da sucessão”, comenta Leite.
 
Já para o juiz titular da 32ª Vara do Trabalho de Salvador (BA), Rodolfo Pamplona Filho, o testamento público, por ser um ato personalíssimo manifestado pessoalmente pelo interessado perante um Tabelião de Notas, profissional detentor de fé pública, traz maior segurança jurídica de que a última manifestação de vontade do titular da herança seja cumprida.
 
“Uma vez cumpridas as formalidades legais, ou seja, idade mínima de 16 anos, capacidade plena e declaração de vontade livre manifestada perante o Tabelião de Notas, o testamento público, diferentemente do testamento particular, é mais seguro, especialmente porque sua existência permanece registrada no Registro Central de Testamentos (RCTO), que deve ser obrigatoriamente consultado, na ocasião da abertura do inventário”, conta Filho.
 
Nos Estados Unidos, o escritório de advocacia Rocket realizou uma pesquisa sobre a quantidade de americanos que fazem testamento. O levantamento apontou que 64% dos norte-americanos não possuem o documento para demonstrar a última vontade. A taxa é de 70% entre os cidadãos de 45 a 54 anos. No País, a lei permite que o Estado taxe heranças, caso o autor da herança não tenha deixado nenhum herdeiro direto.
 
Prevenindo litígios
Além da segurança e fé pública que o testamento público pode trazer, evitar litígios também é uma consequência do ato. Quem manifesta a sua última vontade através do instrumento, muitas vezes, poupa discussões entre os familiares, que às vezes podem durar anos no Poder Judiciário.
 
A doutora Ana Luiza Maia Nevares explica que como o testamento expressa a última vontade da pessoa falecida, evitam-se conflitos quanto à divisão dos bens e/ou o destino do patrimônio de uma pessoa. “Os herdeiros devem, assim, se conformar com a vontade testamentária manifestada e, então, litígios poderão ser evitados. Em boa hora, a maior parte dos nossos Tribunais admite a lavratura de inventários extrajudiciais mesmo se houver testamento, desde que haja autorização judicial para tanto, o que, sem dúvida, visa desafogar o Poder Judiciário”, explica Nevares.
 
De acordo com Zeno Veloso, o testamento é uma forma da pessoa dizer como quer que se dividam os seus bens após a sua morte. Mas essa liberdade no Direito brasileiro, também não é absoluta. “Ao contrário do que acontece com algumas sucessões no sistema anglosaxão, como na Inglaterra, Estados Unidos e países que seguem esse sistema, onde a liberdade é quase total, mas é muito mais ampla que a nossa. E como é a nossa? Nós temos o princípio da liberdade, mas de forma relativa, porque aqui nós temos o instituto do herdeiro necessário, que sempre fica com metade dos bens da herança. Toda pessoa que tem herdeiro necessário tem que reservar metade da herança para este”, argumenta Veloso.
 
Segundo o advogado Frederico José de Britto Leite, como o testamento é a declaração de última vontade do autor da herança, funciona como o guia do qual não se pode fugir. “Além de ser um finíssimo filtro nas discussões postas por sucessores beligerantes, atua como limitador destas mesmas discussões, e em alguns casos, como excludente das querelas de um inventário e partilha de bens. Mas não podemos dizer que, necessariamente, evita litígios, se usado com o significado de que ele exclui sempre o dissenso. O testamento, especialmente o público, lavrado em Tabelionatos, evita as delongas do litígio, torna as discussões mais objetivas e alvo de decisões mais rápidas, e também por isso impede lesões ao patrimônio herdado”, declara Leite.
 
Como fazer o planejamento sucessório?
Antes de tudo, é necessário avaliar quais tipos de bens e patrimônios a pessoa possui. O planejamento sucessório ideal é muito individual. Alguém que possui apenas uma casa, não vai ter a mesma escolha que uma pessoa que tem várias empresas, alguns imóveis e uma grande quantia de dinheiro.
 
“Em primeiro lugar é preciso se cercar de pessoas balizadas para que elas possam de verdade te ajudar. Evidentemente eu digo isso porque você precisa de especialistas na área do Direito de Família, na área do Direito Sucessório e, se possível, na área do Direito Tributário. Essas são as figuras mais importantes para que se possa fazer verdadeiramente um planejamento ideal daquele patrimônio que a pessoa tem e quer deixar”, comenta Ivone Zeger.
 
De acordo com a advogada, muitas vezes o autor da herança precisa fazer uma série de modificações, tais como: alterar o tipo de empresa que a pessoa tem por conta daquilo que ela quer deixar; modificar contratos sociais em relação a sócios, em relação a participações; fazer modificações das cláusulas que a lei permite, como a incomunicabilidade, impenhorabilidade e a ineabilidade.
 
“Então são cláusulas que você pode utilizar para fazer com que o cônjuge ou os filhos tenham ou não venham a ter restrições, os netos também. É possível colocar cláusulas para que eles só possam assumir a direção, gerência, e uma série de questões, como por exemplo, que um neto só pode assumir a empresa se tiver uma formação superior”, relata Zeger.
 
Já o advogado Frederico José de Britto Leite explica que a melhor forma de fazer o planejamento sucessório é a que mais se sintoniza com o autor da herança, e para este fim, o autor da herança precisará conhecer as ferramentas legais disponíveis na legislação brasileira e a sua melhor aplicação ao caso em estudo.
 
“Trata-se, como se percebe, de algo que tem um subjetivismo elevado, mas há um fator que é puro e tão somente objetivo: quando iniciar? Diríamos que quanto mais cedo tem início, mais eficaz tende a ser. Vale ressaltar, ainda, que mesmo havendo mutação no patrimônio sobre qual incidiu o planejamento, como por exemplo quando se processa a troca de ativos (imóveis por dinheiro ou vice e versa, ou, a venda de uma participação em uma sociedade que se traduz em recursos financeiros), o que foi idealizado remanescerá: o princípio escolhido pelo autor da herança”, declara o advogado.
 
Para o juiz Alberto Gentil, a compreensão do modelo ideal passa por uma verificação de perfil do disponente e seus interesses na organização patrimonial post mortem. Assim, existem inúmeros instrumentos de planejamento sucessório – com objetivos diversos e que melhor podem acomodar o interesse pretendido, inclusive no tocante à carga tributária incidente.
 
“Exemplificando: a escolha do regime de bens no casamento ou na união estável (que além de gerar efeitos patrimoniais ao longo do matrimônio/convivência também proporcionará consequências jurídicas sucessórias após a morte de qualquer dos nubentes). Vale lembrar que além dos modelos tradicionais de regime de bens do Código Civil, ainda admite-se a construção de regime de bens atípico (para atendimento das especificidades dos envolvidos)”, explica o magistrado.
 
“É possível a constituição de sociedades, caso das holding familiares – idealizadas e construídas para a administração e até partilha de bens no futuro. Também há a realização de atos de disposição em vida, como as doações – com ou sem reserva de usufruto – e post mortem, com a feitura de testamentos, inclusive com as cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade. Ou então a efetivação de partilhas em vida e de cessões de quotas hereditárias após o falecimento. E por último a contratação de previdências privadas abertas, seguros de vida, além de diversos outros fundos de investimentos com a precípua finalidade por parte do disponente de acomodação patrimonial post mortem”, finaliza.
 
Holding familiar
Dentro do planejamento sucessório, há quem escolha fazer uma holding familiar. Ela funciona como uma empresa que possui todos os patrimônios dos membros de um grupo, assegurando a transferência de bens entre os sócios de acordo com as cláusulas estabelecidas no contrato.
 
“Holding familiar é uma das formas, porém não a única, de planejamento sucessório, ao lado dos testamentos, das doações, com ou sem reserva de usufruto, com cláusula de reversão ou com cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e/ou incomunicabilidade, dentre outras”, explica a diretora coordenadora do Notariado Jovem do Brasil e membro da Comissão do Notariado Jovem na Comissão de Assuntos Americanos da União Internacional do Notariado, Débora Fayad Misquiati.
 
“O termo holding serve para designar uma empresa que detém como uma das finalidades básicas a participação acionária – ações ou cotas – de outas empresas. Holding familiar, simplificando, é uma pessoa jurídica que representa o patrimônio de pessoas físicas, pertencentes a um grupo familiar, que detenham bens e direitos, podendo ser constituído por bens imóveis, participações societárias, entre outros”, completa.
 
Segundo a diretora, no caso da holding familiar, constitui-se um tipo societário – o que melhor se enquadrar na situação apresentada (definida em face do objeto social que explora) – com a finalidade de controlar e proteger o patrimônio familiar para fins de planejamento sucessório (com a holding familiar é possível que genitores confiram todo o patrimônio pessoal à sociedade, podendo ocorrer a doação das quotas ou ações em favor dos sucessores, evitando um futuro inventário), a continuidade dos negócios, como também a diminuição de custo tributário, além de outras.
 
“Uma das vantagens em constituir uma holding familiar por sociedade simples é que a integralização do capital social pode se dar por meio de prestação de serviços. Apesar de normalmente o capital social da holding ser integralizado no momento de sua constituição, se um membro da família não possuir bens, poderá integralizar o capital social com seu trabalho. A constituição de uma holding familiar, assim como a de uma holding patrimonial – uma administradora de bens próprios – não só pode como deve ser feita por instrumento público notarial (escritura pública). O notário a serviço das relações jurídico -privadas, recebe uma delegação do Estado para redigir documentos dotados de fé pública. Como jurista, exerce função assessora, de assistência, conselho e formação da vontade das partes e da adequação ou conformação daquela vontade ao ordenamento jurídico”, explica Débora Misquiati.
 
De acordo com a tabeliã, quem melhor que um notário para instrumentalizar, por exemplo, um contrato social de uma holding patrimonial, constituída sob a forma de sociedade limitada, que integraliza seu capital social com bens imóveis, com o objetivo de facilitar a gestão destes bens e gerar benefícios fiscais e sucessórios? O notário é um profissional de direito que trabalha essencialmente com bens imóveis, envolvendo direito contratual, sucessório e familiar, que tem conhecimento aprofundado da legislação civil, permitindo que este instrumento circule na sociedade com segurança jurídica e isento de vícios, possibilitando a previsão, de forma clara, nas cláusulas do instrumento de constituição da sociedade das mais diversas peculiaridades de cada grupo familiar e até mesmo prevendo eventuais divórcios e saída de sócios, facilitando a circulação de riquezas e continuidade dos negócios familiares.
 
“Iniciamos o procedimento com uma entrevista com as partes, para entender o que elas pretendem – deve-se realizar um criterioso estudo do caso concreto e dos objetivos de cada envolvido -, para, então, informarmos os possíveis caminhos e forma como cada um se efetiva, suas vantagens e desvantagens. Nesses casos, além dos documentos que titularizam a propriedade de um bem, como as matrículas atualizadas, no caso de imóveis, as certidões de valores venais e de débitos tributários, cabe uma análise da declaração de Imposto de Renda dos envolvidos. Como todo ato notarial, o instrumento passará por uma qualificação subjetiva (análise dos documentos pessoas dos envolvidos e objetiva)”, comenta a diretora.
 
Conforme explica o juiz Rodolfo Pamplona Filho, da 32ª Vara do Trabalho de Salvador (BA),é importante ressaltar que a opção pela criação de uma holding familiar não exclui a possibilidade de elaborar um testamento, documento apto a deixar clara a manifestação da vontade voltada à disposição de bens do autor da herança, no ato da sua sucessão.
 
“A holding familiar é interessante, pois o fato de poder operar, atuar, e até mesmo controlar diversas outras pessoas jurídicas, pertencente a um mesmo grupo familiar, evitando dissensões familiares individuais internas que prejudiquem a atividade econômica de todo o conjunto econômico familiar. Além de reduzir significantemente o risco de desentendimento em relação à partilha dos bens herdados, a instituição da holding familiar otimiza a continuidade dos negócios; a proteção patrimonial; a redução dos tributos incidentes sobre a transferência de bens aos herdeiros, bem como garante a redução de custos e tempo com a elaboração de inventário”, comenta Filho.
 
Segundo o juiz, no caso da holding familiar, portanto, a morte do autor da herança não terá grandes impactos na condução do negócio, pois as tarefas já estão previamente distribuídas entre os parentes herdeiros. No tocante à economia tributária – um dos maiores atrativos deste tipo de planejamento sucessório – a constituição de uma holding para administração patrimonial familiar poderá propiciar a incidência de uma carga tributária muito menor em relação àquela aplicada às pessoas físicas, considerando-se as quotas sociais e não os bens isoladamente.
 
De acordo com o advogado Frederico Leite, as holdings, sejam ela familiares ou não, são sociedades empresariais como outra qualquer. “O que as diferencia é a finalidade para qual foram constituídas (ou, o seu objeto social): controlar um patrimônio que pode estar representado por ações ou quotas de outras sociedades, ou outros bens de espécie diversa. Sendo assim, e independentemente de seus sócios serem de uma mesma família, elas podem sim ser constituídas por instrumento particular ou público”, relata o advogado.
 
De acordo com Leite, as regras básicas que se aplicam à criação de uma holding são sempre as mesmas, independentemente de se usar a forma particular ou a pública para redigir o contrato social (identificação dos sócios, nome da sociedade e seu endereço, prazo de vigência, indicação e avaliação dos bens que comporão o seu capital, etc).
 
“Mudam de conteúdo algumas regras que refletem o perfil da família que a constituiu (como será a sua gestão, a distribuição de resultados/dividendos, a entrada de novos sócios e saída dos que assim o desejarem, dentre outras que revelam o modo de vida empresarial pretendido pela família).
 
Importante dizer, porém, que a forma pública se diferencia positivamente, pois, como as regras da holding serão informadas a um tabelionato de notas, o instrumento resultante já nasce dotado de fé pública, imprimindo maior segurança à pretendida exatidão do que nele se contém e declara. Uma vez lavrado o ato, o cartório emite o respectivo traslado para subsequente arquivamento na Junta Comercial competente, formalizando a criação da pessoa jurídica, e de onde segue para os demais registros competentes, a exemplo do Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas e da inscrição municipal”, acrescenta Leite.
 
Para o advogado, as holdings ainda são pouco conhecidas no Brasil e, certamente por isso, menos usadas. Em países como Estados Unidos, Luxemburgo, Áustria e Inglaterra, mesmo dispondo de outros meios legais de uso assemelhado, como o trust, utiliza-se das holdings com maior frequência.
 
“Atos como a constituição de uma holding familiar, dentre tantos outros atos da vida civil, revelam circunstâncias personalíssimas e muito sensíveis. Expressá-los de modo claro e inteligível para o cliente é uma tarefa que demanda precisão técnica e terminológica, e exatidão na transcrição da expressão de sua vontade. Se associamos estes elementos (complexidade da linguagem jurídica, que é naturalmente formal e ainda latinizada em razão de suas origens, e clareza) é fácil entender que não se trata de uma tarefa simples. Sendo assim, a despeito da lei facultar a alguns destes atos de vontade a utilização da forma particular, parece-nos que a prudência sugere utilizar escrituras públicas, pois, uma vez submetidos a esta formalidade, estão excluídas, por exemplo, e desde o início, futuras alegações de coação, ou má compreensão do que está transcrito no documento, estes dois incidentes que podem dar lugar à alegação do que Direito Brasileiro denomina Vício de Vontade”, destaca Leite.
 
Sobre as diferenças entre optar por fazer um testamento ou uma holding familiar, Alberto Gentil acredita que apesar de ambos os institutos serem exemplos de instrumentos de planejamento sucessório há sensível distinção entre eles. “A holding familiar é uma criação jurídica, uma empresa – constituída nos termos da lei – que detém o controle patrimonial de uma ou mais pessoas físicas de uma mesma família com bens e participações societárias em seus nomes – ou seja, o patrimônio é gerenciado e administrado por uma sociedade composta pelos membros da família. A idealização de uma holding exige dentre outros aspectos uma organização de gestão administrativa, tributária, fixação de responsabilidade dentre os sócios, e etc”, declara Gentil.
 
Já o testamento, para o juiz, é um instrumento de materialização da última vontade do testador (toda pessoa capaz – artigo 1857 do Código Civil) no tocante a totalidade dos seus bens ou de parte deles para depois de sua morte. Vale lembrar que o testamento pode conter manifestações de vontade de conteúdo não econômico, conforme dispõe o artigo 1857, parágrafo 2º.
 
Para Ivone Zeger, não há diferença entre se optar por fazer um testamento ou uma holding familiar, já que são coisas que podem ser feitas individualmente e também podem ser complementares. “Evidentemente, uma holding familiar vai acontecer quando você tem um patrimônio que autorize o autor, o detentor desse patrimônio a ter essa possibilidade de destinar aquilo que ele tem para quem ele quiser. Diria que não tem uma diferença, são coisas que podem se complementar, normalmente se complementam, mas vai depender do que o detentor quer dentro da sua organização pessoal e patrimonial”, encerra Zeger.
 
Blindagem patrimonial
Outro termo bastante utilizado ao se falar em planejamento sucessório é a blindagem patrimonial. Na teoria, o ato seria proteger um patrimônio de uma pessoa física, que possui participação societária, e tem como objetivo evitar que o patrimônio pessoal do sócio seja afetado por dívidas da empresa.
 
“Esta é uma expressão muito utilizada para definir providências que uma pessoa adota visando assegurar que, dentre os bens que acumulou, tão somente aqueles expostos a negócios podem ser alcançados por dívidas acaso derivadas do insucesso empresarial. É um modelo de proteção patrimonial, que, a nosso ver, ordinariamente se perfaz pela conduta empresarial, associada à utilização de tipos societários como as limitadas e as anônimas, cujo capital esteja integralizado com base em avaliação tecnicamente adequada”, explica o advogado Frederico José de Britto Leite.
 
Segundo Leite, a blindagem patrimonial é, em última análise, a segregação de bens que não devem se misturar com outros, expostos a risco empresarial. No entanto, esta é uma providência que somente se mostra eficaz se adotada enquanto não houverem dívidas vencidas. As holdings e patrimoniais são um bom modelo para este fim, desde que observadas as condições aqui postas.
 
Ana Luiza Maia Nevares explica que a blindagem patrimonial consiste em medidas adotadas para proteger o patrimônio de uma pessoa de intempéries econômicas, sociais e familiares. “A meu ver, a designação não é a melhor, porque as relações patrimoniais devem se submeter aos ditames legais. Assim, não se deve pensar numa “blindagem” do patrimônio, mas sim em um planejamento jurídico quanto ao destino dos bens que alcance o melhor resultado possível diante dos objetivos de seu titular, a partir de instrumentos e mecanismos disponíveis e previstos na legislação”, acrescenta Nevares.
 
Já para a advogada Ivone Zeger blindagem patrimonial não existe, pois seria impossível blindar um patrimônio. “Não existe blindagem. Você não consegue fazer com que o seu patrimônio fique totalmente fechado ou engessado. Há uma série de condições e possibilidades para fazer com que não ocorram problemas, mas a palavra blindagem é falaciosa e dá uma ideia errônea, equivocada. Para aquele que deseja realmente fazer um planejamento sucessório, ela dá uma ideia equivocada daquilo que verdadeiramente pode ser feito, do que verdadeiramente as pessoas têm condições de fazer e podem fazer, com toda garantia e segurança”, finaliza.