Tribunais estaduais têm determinado a dedução de dívidas da base de cálculo do ITCMD, o imposto sobre herança e doações. Em São Paulo, segundo levantamento do escritório Sigaud, Marins & Faiwichow Advogados, há jurisprudência consolidada a favor do contribuinte, com decisões em pelo menos 20 das 23 câmaras de direito privado ou público do Tribunal de Justiça do Estado (TJ/SP) com competência para analisar a questão.
 
Há precedentes contra leis estaduais também em Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. No Supremo Tribunal Federal (STF), há pelo menos uma decisão mais recente sobre o tema, proferida em 2012 pela 1ª Turma.
 
Em São Paulo, os contribuintes contestam na Justiça a Lei nº 10.705, de dezembro de 2000, que trata do ITCMD, além do decreto que a regulamentou – nº 46.655, de 2002. O artigo 12 da lei estabelece que “no cálculo do imposto, não serão abatidas quaisquer dívidas que onerem o bem transmitido, nem as do espólio”.
 
Para o advogado Bruno Sigaud, do escritório Sigaud, Marins & Faiwichow Advogados, a previsão da lei “é absolutamente descabida, irrazoável e ilegal”. Dependendo da situação, acrescenta, “pode fazer com que um herdeiro até renuncie à herança, uma vez que essas dívidas consomem o patrimônio”.
 
Ela cita como exemplo o caso de um herdeiro que tem a receber uma herança de R$ 10 milhões. Mas há dívidas em um total de R$ 8 milhões. Segundo o que determina a lei, esse contribuinte teria que pagar, em São Paulo, 4% de ITCMD sobre os R$ 10 milhões – ou seja, R$ 400 mil. Por meio de decisão judicial, porém, com a exclusão das dívidas, o cálculo seria sobre R$ 2 milhões, reduzindo o imposto para R$ 80 mil.
 
“A discussão é relevante”, diz Sigaud. “É comum herdeiros pagarem o imposto sem considerar as dívidas, mesmo existindo jurisprudência consolidada nesse sentido.” Nos casos em que são abertos inventários judiciais, segundo o advogado, esse tema pode ser discutido no mesmo processo. Já em inventários extrajudiciais, deve-se entrar com uma ação específica para tratar do tema, uma vez que os cartórios são obrigados a seguir a previsão da lei estadual.
 
De acordo com a advogada Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, do Cândido Martins Advogados, como é um processo que envolve dor em decorrência de uma morte, os herdeiros preferem resolver a questão rapidamente. “Mas vale a pena judicializar esse ponto, uma vez que a cobrança é indevida”, afirma.
 
Na Justiça, os contribuintes têm argumentado que a base de cálculo do ITCMD, conforme o artigo 155, inciso I da Constituição, é a transmissão efetiva, por sucessão causada por morte, de bens e direitos. Além disso, alegam que os artigos 1.792 e 1.997 do Código Civil determinam que os herdeiros não respondem por encargos superiores à herança.
 
Em um caso julgado em fevereiro, os desembargadores da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo acataram, por unanimidade, a argumentação de uma herdeira, negando provimento ao recurso apresentado pela Fazenda paulista. Eles mantiveram sentença que tinha determinado o abatimento de dívidas do cálculo do ITCMD, com base na Constituição e no Código Civil. (apelação nº 1023527-72.2018.8.26.0053).
 
A 8ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP também tem entendimento unânime favorável ao contribuinte (agravo de instrumento nº 2003801-26.2019.8.26. 0000). A decisão destaca a jurisprudência do tribunal neste sentido. No caso, uma herdeira abriu inventário de seus pais e na sequência foi cobrado ITCMD sobre o valor total, o que a incentivou a entrar com a ação.
 
O advogado Rodrigo Prado, do Felsberg Advogados, ressalta que a principal argumentação é de que o ITCMD incide sobre a herança, que nada mais é do que o ativo menos o passivo. “Se eu estou recebendo somente o resultado dessa opção, o patrimônio líquido, não faz sentido tributar também as dívidas”, diz.
 
Há também precedente favorável da 1ª Turma do STF, proferido em dezembro de 2012. O relator do caso (Ag,Reg no agravo de instrumento 733976) é o ministro Dias Toffoli. Por unanimidade, os ministros negaram provimento a recurso do Estado do Rio Grande do Sul e mantiveram decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça (TJ/RS). O entendimento foi o de que o ITCMD incide sobre o valor líquido da herança, descontando-se as dívidas.
 
Em seu voto, o ministro Dias Toffoli afirma que, “ao vedar as deduções, a lei estadual impede a tributação sobre a transmissão do patrimônio líquido (quantum efetivamente transmitido) e assim deforma a regra matriz de incidência”. E acrescenta: “Não foi por outro motivo que esta Corte já se posicionou no sentido de que a base de cálculo é o montante líquido da herança.” Ele refere-se a uma decisão da mesma 1ª Turma do STF, de 1987 (RE nº 109.416).
 
Por nota, a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo afirma que “obedece estritamente a disposição legal, que, no caso do ITCMD, é a Lei nº 10.405, de 2000.” O órgão acrescenta no texto que “nas situações em que o contribuinte obtém decisão judicial em sentido contrário, constitui o crédito tributário de forma preventiva, para evitar a decadência quinquenal e garantir o direito da Fazenda Pública, caso a decisão judicial final seja desfavorável ao contribuinte”.