Um dos primeiros casos sobre o tema foi julgado pelo STJ em 1991
Era 26 de maio de 1988 quando a Assembleia Nacional Constituinte incluiu, no texto da nova CF, o reconhecimento da união estável como entidade familiar.
Assim, a união estável entre homens e mulheres passou a ser reconhecida como entidade familiar para efeito da proteção do Estado, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
O texto também considerou ser livre a decisão do casal em realizar planejamento familiar e atribuiu ao Estado a função de propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício deste direito.
A regulamentação da união estável, no entanto, só veio oito anos após a promulgação da CF, por meio da lei 9.278/96. Até aquele ano, muita confusão aconteceu devido à falta de amparo para interpretar o artigo da Carta Magna. Exemplo disso foi que, em 1991, o STJ enfrentou o caso de uma mulher que sofria violência doméstica e desejava que o companheiro deixasse a casa.
Rompendo laços
O casal vivia junto há doze anos, tinha três filhos e, além de inúmeras infidelidades sofridas pela mulher, ela era vítima de reiteradas violências por ele praticadas.
A mulher ingressou com uma ação cautelar inominada preventiva, com o objetivo de afastar o companheiro da casa onde moravam por conta de seu comportamento agressivo.
A liminar, apesar de deferida, foi prontamente cassada: o TJ/SP considerou que a ação não tinha o intuito de desatar os laços entre o casal. Segundo o Tribunal, o juiz de primeira instância interpretou a ação como uma “ação de separação de corpos” que serviria para dissolver o matrimônio e este não era o caso:
“Não se dispensa de obrigações aqueles que não as têm. Têm os concubinos dever legal de coabitação? Até agora só se reconhece, em razão da orientação liberal, apenas efeitos patrimoniais da união de um homem e uma mulher à margem do matrimônio. Se na união concubinária desaparecem as razões para a vida em comum, cada um é senhor de seu destino. Se ocorrem ações como a dos autos, onde um dos concubinos se recusa a deixar a casa, o outro disporá de outros meios para afastar o intruso, que não a separação de corpos que pressupõe o vínculo matrimonial.”
Para o Tribunal, o desejo e acordo das partes em conviverem poderia ser desfeito sem precisar de sanções legais, dispensando formalidades que são exigidas quando o caso se trata de um matrimônio.
A mulher recorreu ao STJ em 27 de fevereiro de 1989 – menos de um ano desde a instalação do Tribunal.
Ao apreciar o REsp 10.113, o relator ministro Sálvio de Figueiredo compreendeu que em função da urgência, o Judiciário não poderia impedir alguém de afastar a presença do outro por falta de uma ação específica e ressaltou as mudanças no sistema constitucional:
“O novo sistema constitucional, em termos de Direito de Família, sustentando-se na igualdade jurídica dos cônjuges e dos filhos, reconhece igualmente a união estável entre o homem e a mulher, qualificando-a como entidade familiar, determinando expressamente que o Estado, além de facilitar-lhe por lei a conversão em casamento, também a proteja juridicamente.”
Em seu entendimento, o magistrado enalteceu que “garantir a integridade física da companheira e resguardar os filhos dos maus exemplos em sua formação constituem obrigação a que o Estado Judiciário não pode furtar-se quando procurado.”
O caso, um dos primeiros apreciados pelo STJ, foi encerrado em 1991, e fez história ao garantir a segurança da mulher ao determinar definitivamente o afastamento do companheiro do lar.
União homoafetiva
Um recente avanço quanto ao tema da união estável ocorreu em 2011, quando o STF reconheceu a união estável para casais de mesmo sexo, ao julgarem a ADIn 4277 e a ADPF 132.
A primeira buscava o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar e a segunda alegava que o não reconhecimento da união homoafetiva contrariava preceitos fundamentais de igualdade presente na CF e assim, requeria que o STF aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, previsto no art. 1.723 do CC, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do RJ. Segundo o artigo:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Durante apreciação, o relator ministro Ayres Britto, defendeu que no art. 3º, inciso IV, da CF/88 é vedada qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e, sendo assim, ninguém pode ser discriminado em função de sua preferência sexual: “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica.”
Em seu voto, Ayres Britto refletiu que a matéria das ações era um tipo de dissenso judicial:
“Em suma, estamos a lidar com um tipo de dissenso judicial que reflete o fato histórico de que nada incomoda mais as pessoas do que a preferência sexual alheia, quando tal preferência já não corresponde ao padrão social da heterossexualidade. É a perene postura de reação conservadora aos que, nos insondáveis domínios do afeto, soltam por inteiro as amarras desse navio chamado coração.”
Para o ministro, é na CF “que se encontram as decisivas respostas para o tratamento jurídico a ser conferido às uniões homoafetivas que se caracterizem por sua durabilidade, conhecimento do público (não-clandestinidade, portanto) e continuidade, além do propósito ou verdadeiro anseio de constituição de uma família”. Ayres Britto concluiu ainda que:
“E assim é que, mais uma vez, a Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre a família formalmente constituída e aquela existente ao rés dos fatos. Como também não distingue entre a família que se forma por sujeitos heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva. Por isso que, sem nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo 'família' nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica.”
Ganhou efeito vinculante o entendimento do ministro Ayres Britto para excluir qualquer significado do dispositivo que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
Em 2018 a Unesco certificou a decisão como patrimônio documental da humanidade. Os acórdãos foram inscritos no Registro Nacional do Brasil do Programa Memória do Mundo da Unesco (MoW-Unesco).
Fins sucessórios
Outra decisão relevante sobre união estável aconteceu em maio de 2017 quando o plenário do STF definiu que é inconstitucional o art. 1.790 do CC que estabelece diferenciação dos direitos de cônjuges e companheiros para fins sucessórios.
Na ocasião foram analisados dois recursos sobre o mesmo tema, ambos com repercussão geral reconhecida: RE 646.721 e RE 878.694.
Acerca do tema, foi fixada a seguinte tese, de autoria do ministro Luís Roberto Barroso:
“No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no artigo 1.829 do CC/02.”