No casório da Jussara, adepta da sologamia, teve de tudo – só não teve noivo
Se tudo correu como previsto, a Jussara terá se casado no último domingo, em Belo Horizonte. Vestida de noiva, nos conformes, mas sem entrada na igreja de braços dados com um pai que nem sei se ela tem. Na verdade, nem igreja terá havido, pois a Jussara, libérrima em seus 38 anos de idade, quis casar-se ao ar livre, numa praça.
Se observado o minucioso enredo por ela elaborado, a moça fez, sozinha, sob o sol das 3 e meia da tarde do domingo, sua caminhada rumo a um altar – não que sem antes, numa inusual “entrada invertida”, a filha, de 21 anos, de lá tivesse vindo para lhe entregar um buquê de flores.
E o noivo? Bem, noivo não havia nesse casamento, pois a autossuficiente Jussara abriu mão de tal supérfluo ao optar por uma inédita – no Brasil, ao menos – fórmula matrimonial: o casamento sologâmico. Isto é, aquele em que a pessoa, para a alegria e a tristeza, a saúde e a doença, convola núpcias consigo mesma. Em linguagem de Sérgio Moro, torna-se “conje” de si mesma.
O objetivo do casamento self, digamos assim, seria celebrar “o amor próprio”, explicou Jussara a um jornal de BH. Nele haveria pelo menos uma vantagem: já não será por falta de parceiro que a mulher verá frustrado o sonho de um dia se embalar num vestido de noiva. Embora a entrevistada não tenha acenado com o chamarisco do “antes só que mal acompanhado/a”, o espírito, ou parte dele, seria esse.
Esperançosa de que a nova modalidade no mercado nupcial possa seduzir outros casais de um só – masculinos, inclusive –, Jussara montou uma empresa, a “Eu Comigo Evento”, cujo cartão de visita seriam suas autobodas. Nem por isso, esclarece, seu casório se resumiria a mero lance de marketing. “Trabalho com cerimonial de casamento há 20 anos, mas a vontade é genuína”, declarou à reportagem. “Estou tão feliz e tão bem comigo que quis fazer festa para mim e casar comigo. Quis assumir o compromisso de me amar.” E fez questão de deixar claro: não foi por falta de pretendentes que optou pelo casamento sologâmico.
Mas voltemos à cerimônia do domingo passado, que teve como celebrante uma das amigas da Jussara. Por motivos óbvios, não houve troca de alianças. Em compensação, a nubente fez estampar em si uma tatuagem em que se vê uma mulher com asas de borboleta.
Razão da escolha desse lepidóptero da subordem dos ropalóceros: “Borboleta tem significado de luta e renascimento”.
Não poderia faltar o ritual de um cortejo de damas e de pajens, que em vez de alianças levassem votos de “amor próprio”, impressos num papelucho que Jussara leria diante de um espelho – ela e os 100 convidados, pois para cada um se providenciou um espelhinho de mão. Na ausência de outro par de lábios para o indefectível beijo ao pé do altar, resta saber se a noiva, cheia de amor para se dar, terá recorrido ao proverbial beijinho do ombro.
No final, festança com drinks, banda e DJ. Bem-casado? Talvez – mas terá sido inteiriço, sem as habituais metades unidas com recheio. Ah, sim: houve com certeza um bolo nupcial, em cujo topo, em vez do parzinho de sempre, imperava o quê? Uma esvoaçante mulher com asas de borboleta.
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“Só mesmo em Minas Gerais…”, houve quem alfinetasse numa roda paulistana na qual se comentava a novidade da Jussara. O assunto rendeu.
“Se agora existe o poliamor”, absolveu a Semíramis, “por que não a sologamia?”
“Fico imaginando como será a noite de núpcias…”, divagou o Miguel.
Conhecida entre os amigos pela absoluta falta de malícia, aquela moça, cujo nome convém silenciar, disse ver no casamento sologâmico a vantagem do sexo sempre à mão.
O Fernando, como sempre mão fechada, condenou o desperdício numa chuva de arroz para uma só pessoa.
O Antônio Carlos farejou “briga feia”, por visceral incompatibilidade de gênios, já na hora de escolher o cenário da lua de mel – e profetizou: quem pular a cerca irá cair em cima do próprio lombo! Num entrevero conjugal, acrescentou, qualquer ato de agressividade será também de masoquismo, e, nos casos extremos, homicídio vai coincidir com suicídio, com a pessoa concentrando em si a dupla condição de defunto e viúva.
Na sua compulsão literária, o exibido Alberto voltou a sacar aspas, desta vez do português Sá de Miranda, pescadas nas profundas do século 14 para ilustrar as dificuldades de alguém no convívio consigo mesmo: “Comigo me desavim,/ Sou posto em todo perigo,/ Não posso viver comigo/ Nem posso fugir de mim”.
Também ela chegada em citações, porém mais ao rés do chão que o Alberto, a Teresa tem prontinha a trilha musical para casos de dor de cotovelo de quem seja a um só tempo traidor e traído – um Roberto Carlos de velha safra: “Não adianta nem tentar me esquecer: durante muito tempo em sua vida eu vou viver”.
Propenso a ver sempre o lado positivo das coisas, o Flaminio acredita que na sologamia a separação será mais fácil, “sem brigas, disputa de patrimônio ou guarda dos filhos”. E também mais prática: só metade dos padrinhos. Bodas mais em conta: lua de mel com uma só passagem de avião. No dia a dia, uma das partes, generosa, pagará todas as despesas da outra. Na hora de discutir a relação, bastará recorrer a um espelho, como a Jussara ao formular seus votos de “amor próprio”.
Argumento eventualmente decisivo do Flaminio: sendo o casamento sologâmico, a sogra será sempre a própria mãe.