(O registro de imóveis e os títulos materiais inscritíveis: a hipoteca -parte 31)
 
746. A remição da hipoteca (cf., para o quadro normativo atual no Brasil: arts. 1.481 e 1.484 do Código civil, arts. 826 e 877, § 3º, do Código de processo civil e art. 266 a 276 da Lei de registros públicos) é uma formas extintivas desta garantia, ao lado, entre outras causas, da extinção da obrigação principal, do perecimento da coisa, da resolução da propriedade, da renúncia pelo credor, da arrematação, da adjudicação, da desapropriação, da perempção, da consolidação, do decurso de prazo da hipoteca e da falta de renovo da especialização da garantia (cf. arts. 1.485, 1.498 e 1.500 do Cód.civ. –cf., brevitatis causa, Carlos Roberto Gonçalves, Francisco Eduardo Loureiro, Rosa e Nelson Nery).
 
Nosso Código civil anterior previa já o instituto –que designava remissão (§ 1º do art. 814)–, e Clóvis Beviláqua reportou-o à successio hypothecaria do direito romano, que se dava, em caráter principal quando um credor se subrogava na posição de outro (successio in locum), mas também ocorria em prol de um novo credor em caso de novação que preservasse a garantisse e de um novo adquirente do imóvel hipotecado (cf. D’Ors, § 423 do Derecho romano privado).
 
O uso do vocábulo remissão para indicar o direito de remir a hipoteca foi alvo de fortes críticas. A origem desse termo remissão –o latim remissio, remissionis– responde ao sentido de perdão ou renúncia, não, porém, ao de redenção ou de resgate que se quer significar, diversamente, com a ideia de remitir a hipoteca (Correa da Silva, apud Fraga, n. 246). A palavra remição, com efeito, não provém do substantivo remissio, nem do verbo remitto (infinitivo remittere), mas de redimo –cuja raiz é o verbo adimo (infinitivo adimere, que, entre outros, tem o sentido de subtrair).
 
O novo Código civil brasileiro adotou o termo remição –que é liberação, resgate, redenção–, de modo que remir a hipoteca ou redimi-la é, num primeiro sentido, livrar do ônus o imóvel, pagando-se “aos credores as dívidas, não pela sua importância total, mas até a concorrência do preço ou valor do mesmo imóvel” (Lafayette); ou, num segundo significado, alterar a ordem de prelação da garantia (tal que o credor de uma segunda hipoteca –ou sub-hipoteca– assuma o posto do credor da primeira: successio in locum). Este conceito corresponde ao aspecto substantivo da remição hipotecária.
 
Pode falar-se, contudo, também em uma noção adjetiva ou processual da remição da hipoteca, da maneira que com o termo se aluda ao processo judicial com que e em que se obtém a remição em caráter substantivo (cf. Fraga; neste sentido eminentemente processual, veja-se, p.ex., o que dispõem os arts. 266 a 276 da Lei brasileira n. 6.015, de 1973).
 
747. Nosso Código civil legitima três situações para o direito de remição da hipoteca: (i) a do próprio de devedor hipotecário (há agora alguma controvérsia acerca da suscetibilidade de esse direito estender-se ao cônjuge, ao descendente e ao ascendente do devedor); (ii) a do credor garantido por hipoteca de segundo grau; (iii) a do adquirente do prédio objeto da garantia.
 
Lê-se no § 3º do art. 877 do vigente Código nacional de processo civil: “No caso de penhora de bem hipotecado, o executado poderá remi-lo até a assinatura do auto de adjudicação, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido”. Esta regra substitui a do art. 1.482 do Código civil, norma, esta última, revogada expressamente pelo Código de processo (inc. II do art. 1.072).
 
Dispunha o aludido art. 1.482 do Código civil: “Realizada a praça, o executado poderá, até a assinatura do auto de arrematação ou até que seja publicada a sentença de adjudicação, remir o imóvel hipotecado, oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido. Igual direito caberá ao cônjuge, aos descendentes ou ascendentes do executado”; saliente-se, pois, que a regra substituinte –i.e., a do § 3º do art. 877 do Código de processo civil não abrigou a norma da parte final do art. 1.582 do Código civil (“Igual direito caberá ao cônjuge, aos descendentes ou ascendentes do executado”).
 
Antevê-se a controvérsia, porque se trata de disposição específica acerca do direito de remir o imóvel objeto de hipoteca, mas é preciso considerar que outra regra do mesmo Código de processo civil, a do § 5º de seu art. 876, prevê, em caráter geral, possa o bem penhorado adjudicar-se “pelo cônjuge, pelo companheiro, pelos descendentes ou pelos ascendentes do executado”.
 
É razoável entender cabível a maior extensão da regra do § 3º do art. 877 do Código de processo civil para beneficiar o interesse da família do devedor hipotecário com a preservação do patrimônio, e não é demais observar que a lei processual não prejudica o credor, pois estabelece uma primazia licitatória por equivalência de oferecimento do preço; assim, o § 6º do art. 876 desse Código prevê que, havendo mais de um pretendente, proceda-se à licitação entre eles, “tendo preferência, em caso de igualdade de oferta, o cônjuge, o companheiro, o descendente ou o ascendente, nessa ordem”; da mesma sorte, o § 3º do art. 877 dispõe que o executado possa remir a hipoteca, a tanto “oferecendo preço igual ao da avaliação, se não tiver havido licitantes, ou ao do maior lance oferecido”.
 
Prevalece na jurisprudência doutrinária e na pretoriana o entendimento de que, consumada a remição hipotecária, a existência de saldo credor não enseje nova penhora do imóvel resgatado (vidē Caio Mário, Carlos Roberto Gonçalves, Francisco Loureiro). Vale dizer que o credor pode cobrar o remanescente de seu crédito, mas não poderá constranger o imóvel antes hipotecado, porque, com a remissão, o prédio está liberado do vínculo e, fosse possível nova penhora incidente sobre o imóvel, a remição seria “uma inutilidade” (Caio Mário).
 
748. Prevê o art. 1.481 do Código civil brasileiro que, dentro no prazo de 30 dias a contar do registro do título de aquisição de um imóvel hipotecado, possa o adquirente exercitar o direito de sua remição, “citando os credores hipotecários e propondo importância não inferior ao preço por que o adquiriu”.
 
Essa previsão guarda correspondência com a do art. 266 de nossa Lei n. 6.015/1973: “Para remir o imóvel hipotecado, o adquirente requererá, no prazo legal, a citação dos credores hipotecários propondo, para a remição, no mínimo, o preço por que adquiriu o imóvel”.
 
O Código brasileiro de processo civil de 1939 versava sobre a ação de remissão (sic) do imóvel hipotecado em seus arts. 393 et sqq., locus normativo adequado para tratar do tema, porquanto o do que aí se cuida é de uma “ação especial, de feição contenciosa, e de natureza real” (Valmir Pontes), e não de assunto registral ou mesmo direta e primeiramente substantivo, de tal sorte que melhor seria –tal o localizou o legislador de 1939– situar o tema num código processual do que num código civil ou em uma lei de registros públicos.
 
Prosseguiremos no tema.