Ora, como se vê tal alegação se mostra genérica e incapaz de comprovar sua participação na construção do patrimônio do apelante durante o convívio marital.
 
Aplicando-se o regime da separação obrigatória à união que existiu entre as partes, seria possível se cogitar somente da divisão de bens que houvessem sido adquiridos na constância da união, a título oneroso, e desde que comprovado o esforço comum. Ante a ausência de comprovação do esforço comum, infere-se que não há meação a ser preservada.
 
Recurso Especial – Ação de reconhecimento e dissolução de união estável c/c partilha de bens – Companheiro sexagenário – Incidência do regime da separação obrigatória de bens – Partilha de bens adquiridos na constância da união estável – Necessidade de comprovação do esforço comum – Precedentes – Consonância com a orientação jurisprudencial desta Corte – Súmula 83/STJ – Revisão de premissas fáticas – Impossibilidade – Súmula 7/STJ – Recurso especial desprovido.
 
RECURSO ESPECIAL Nº 1.830.598 – SP (2019/0231304-7)
 
RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
 
RECORRENTE: C. DOS S. R.
 
ADVOGADO: RONALDO PERES DA SILVA – SP 248.929
 
RECORRIDO: M. E. M.
 
ADVOGADO: PEDRO LUIZ SERRA NETTO PANHOZA – SP 316.280
 
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. INCIDÊNCIA DO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. PARTILHA DE BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO ESFORÇO COMUM. PRECEDENTES. CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. REVISÃO DE PREMISSAS FÁTICAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
 
DECISÃO
 
Trata-se de recurso especial interposto por C. DOS S. R., com fulcro no art. 105, inciso III, alínea c, da Constituição da República, desafiando acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado (e-STJ, fl. 260):
 
UNIÃO ESTÁVEL COM PARTILHA DE BENS. Regime da separação obrigatória de bens. Convivência reconhecida na origem, com a partilha dos bens arrolados na inicial. Irresignação do réu. Aplicação do regime de separação obrigatória de bens, dada a idade dos conviventes. Art. 1.641, II, do CC/2002, que reproduz em grande parte norma anteriormente prevista no CC/1916 (art. 258, parágrafo único, II). Regra aplicável tanto ao casamento quanto à união estável. Precedentes do STJ. Divisão patrimonial que estaria limitada aos bens adquiridos onerosamente durante a união, desde que provado o esforço comum. Ausência de comprovação de esforço comum para o acervo patrimonial do réu. Inexistência de meação a preservar. Inovação de pedido em sede recursal. Impossibilidade. Princípio da adstrição; assim, inviável condenação da autora pelo uso exclusivo e gratuito dos bens do réu. Sentença reformada.
 
Recurso provido em parte.
 
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.
 
Nas razões do apelo extremo (e-STJ, fls. 281-290), aponta a insurgente dissenso jurisprudencial quanto à aplicação dos arts. 1.725 do Código Civil e 5º da Lei 9.278/1996.
 
Sustenta, em síntese, possuir direito à meação dos bens amealhados pelas partes no curso da relação.
 
Argumenta que, no regime de separação total de bens, o esforço comum de cada um dos cônjuges para sua aquisição deve ser presumido, e não comprovado.
 
Contrarrazões às fls. 331-339 (e-STJ).
 
Admitido o processamento do recurso na origem (e-STJ, fl. 340), ascenderam os autos a esta Corte.
 
Brevemente relatado, decido.
 
Acerca da questão ventilada no presente inconformismo, o Tribunal recorrido, ao dar parcial provimento ao recurso de apelação do recorrido, consignou que não ficou demonstrado o esforço comum dos cônjuges na formação patrimonial, aos seguintes fundamentos (e-STJ, fls. 262-268 – sem grifos no original):
 
No mérito, o recurso comporta parcial provimento.
 
Impõe-se recordar que a regra prevista no artigo 1.641, inciso II, do CC/2002, notadamente em sua redação original (que previa a adoção do regime da separação obrigatória de bens caso um dos nubentes seja maior de sessenta anos, sendo tal idade majorada para setenta anos pela Lei n° 12.344/2010), cuida-se de reprodução quase integral do artigo 258, parágrafo único, inciso II, do CC/1916, que também impunha a obrigatoriedade do regime da separação de bens a depender da idade dos envolvidos (na hipótese do antigo CC, sessenta anos para homens e cinquenta para mulheres).
 
E, sem prejuízo, a norma que obriga à utilização do regime de separação de bens se aplica tanto ao casamento quanto à união estável, conforme entendimento consolidado do C. STJ (…)
 
Nesses termos, bem prolatada a r. sentença que reconheceu a aplicação do regime da separação obrigatória no caso concreto, considerando que, na época do início da união estável (fevereiro/2002) o apelante contava com 67 (sessenta e sete) anos de idade e a apelada com 54 (cinquenta e quatro) anos de idade.
 
No que diz respeito ao esforço comum, não se ignora a existência da Súmula n° 377 do STF, aprovada em 03/04/1964, com o seguinte teor: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
 
Referida súmula foi inspirada pela necessidade de se compatibilizar a norma outrora constante do artigo 258, inciso II, do CC/1916, com a regra inscrita no artigo 259 do mesmo código, que previa:
 
Art. 259. Embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento.
 
Desse modo, na época em que ainda cabia ao STF a missão de uniformizar a interpretação da lei federal – função que atualmente compete ao STJ, de acordo com a estrutura do Poder Judiciário estabelecida na Constituição de 1988 – o tribunal editou a súmula em comento, cujo texto não deixa claro se o esforço comum, para fins de divisão dos aquestos (bens adquiridos onerosamente durante a união), deve ser presumido ou depende de prova.
 
A respeito do assunto, o entendimento que se consolidou no âmbito do STJ (que, como visto, há tempos é a Corte responsável pela uniformização da interpretação e da aplicação da lei federal) é no sentido de que o esforço comum deve ser provado pela parte interessada e não presumido (…)
 
Destaco, ainda no tocante ao esforço comum, que este não deve ser limitado à contribuição material, haja vista que as relações afetivas são dotadas de dinâmica peculiar, não devendo ser interpretadas como as relações comerciais, em que se exige o investimento de patrimônio propriamente dito.
 
De fato, a observação da realidade mostra que, não raro, a contribuição de algum dos nubentes se situa com maior ênfase na esfera imaterial, provendo ao outro, por exemplo, suporte afetivo e emocional.
 
Não obstante, há que se demonstrar, mesmo nos casos em que se alega a prestação de contribuição exclusivamente imaterial, que referida contribuição teve direta relação com o acréscimo patrimonial do casal.
 
E, data vênia à r. sentença, tal contribuição não foi demonstrada pela apelada durante o curso processual.
 
Constato que a autora se quer arguiu a existência de contribuição imaterial, mas tão somente se bastou a alegar em réplica: “No caso dos autos, quando autora e requerido resolveram morar juntos e assumiram união estável, ambos já possuíam idade elevada e seus patrimônios pessoais, sendo que não havia qualquer interesse um no outro que não fosse apenas afetivo e amoroso. De outro lado, a autora sempre produziu com o suor de seu trabalho, sendo que há alguns anos foi acometida de câncer de mama que a deixou inválida, momento esse em que ficou dependente economicamente do requerido e recebendo parca aposentadoria por invalidez”. (fl. 153) e a acostar parcas fotos do relacionamento.
 
Ora, como se vê tal alegação se mostra genérica e incapaz de comprovar sua participação na construção do patrimônio do apelante durante o convívio marital.
 
Aplicando-se o regime da separação obrigatória à união que existiu entre as partes, seria possível se cogitar somente da divisão de bens que houvessem sido adquiridos na constância da união, a título oneroso, e desde que comprovado o esforço comum. Ante a ausência de comprovação do esforço comum, infere-se que não há meação a ser preservada.
 
Em conclusão, aplica-se à união estável constituída entre as partes o regime da separação obrigatória de bens, sendo que a apelada não logrou demonstrar a existência de que houve esforço comum na construção patrimonial do apelante.
 
Ademais, quanto à insurgência do apelante acerca do uso exclusivo e gratuito da apelada do imóvel e veículo arrolados na inicial, correspondente a 50% do valor de mercado de aluguel mensal do imóvel, nota-se que tal pedido foi deduzido em sede de embargos declaratórios da r. sentença, não havendo pedido expresso quando do momento oportuno pelo apelante. Logo, deixo de me manifestar considerado o princípio da adstrição, consubstanciado no art. 492 do Código de Processo Civil: “É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”.
 
Em face do exposto, dá-se parcial provimento ao recurso.
 
Da leitura do excerto transcrito, verifica-se que o aresto impugnado guarda consonância com o entendimento firmado por este Tribunal Superior, segundo o qual, em se tratando de união estável de companheiro sexagenário, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. Nesses casos, para a partilha de bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, faz-se necessária a prova do esforço comum.
 
Em ocasião semelhante, assentou-se nesta Corte que “nos moldes do art. 258, II, do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos (matéria atualmente regida pelo art. 1.641, II, do Código Civil de 2002), à união estável de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, impõe-se o regime da separação obrigatória de bens. Nessa hipótese, apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha” (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015).
 
A propósito:
 
RECURSO ESPECIAL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SÚMULA 377 DO STF. BENS ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL QUE DEVEM SER PARTILHADOS DE FORMA IGUALITÁRIA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO ESFORÇO COMUM DOS COMPANHEIROS PARA LEGITIMAR A DIVISÃO. PRÊMIO DE LOTERIA (LOTOMANIA). FATO EVENTUAL OCORRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. NECESSIDADE DE MEAÇÃO.
 
1. Por força do art. 258, parágrafo único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens (recentemente, a Lei 12.344/2010 alterou a redação do art. 1.641, II, do CC, modificando a idade protetiva de 60 para 70 anos). Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou a mulher maior de cinquenta. Precedentes.
 
2. A ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace.
 
3. A Segunda Seção do STJ, seguindo a linha da Súmula nº 377 do STF, pacificou o entendimento de que “apenas os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição, devem ser objeto de partilha” (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, julgado em 26/08/2015, DJe 21/09/2015).
 
(…)
 
6. Recurso especial parcialmente provido.
 
(REsp 1689152/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 22/11/2017 – sem grifos no original).
 
EMENTA: CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PARTILHA DE BENS. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. ART. 1.641, II, DO CÓDIGO CIVIL (REDAÇÃO ANTERIOR À DADA PELA LEI 12.344/2010). REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE SE PRESTIGIAR A UNIÃO ESTÁVEL EM DETRIMENTO DO CASAMENTO. NECESSIDADE DE PROVA DO ESFORÇO COMUM. INEXISTÊNCIA. BENFEITORIA EXCLUÍDA DA PARTILHA. RECURSO DESPROVIDO.
 
1. Devem ser estendidas, aos companheiros, as mesmas limitações previstas para o casamento, no caso de um dos conviventes já contar com mais de sessenta anos à época do início do relacionamento, tendo em vista a impossibilidade de se prestigiar a união estável em detrimento do casamento.
 
2. De acordo com o art. 1.641, inciso II, do Código Civil, com a redação anterior à dada pela Lei 12.344/2010 (que elevou essa idade para setenta anos, se homem), ao nubente ou companheiro sexagenário, é imposto o regime de separação obrigatória de bens.
 
3. Nesse caso, ausente a prova do esforço comum para a aquisição do bem, deve ele ser excluído da partilha.
 
3. Recurso especial desprovido.
 
(REsp 1369860/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 04/09/2014 – sem grifos no original).
 
Incidência, portanto, do óbice da Súmula 83/STJ.
 
Outrossim, reverter a conclusão do Tribunal local, para acolher a pretensão recursal demandaria, o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que se mostra impossível ante a natureza excepcional da via eleita, conforme enunciado da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça.
 
Veja-se:
 
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. EMBARGOS DE TERCEIROS. BEM DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. DIREITO REAL PREEXISTENTE AO RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE CONCLUIU PELA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ESFORÇO COMUM PARA A AQUISIÇÃO DO BEM. IMPENHORABILIDADE NÃO CONFIGURADA. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA Nº 7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. INCIDÊNCIA DA MULTA DO ART. 1.021, § 4º, DO NCPC. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
 
(…)
 
2. Constou expressamente na decisão agravada que o Tribunal de origem não reconheceu que a união estável tivesse início antes da aquisição do imóvel e que não havia sido comprovado o esforço comum na sua compra, ressaltando, ainda, que não era possível o reexame do conjunto fático-probatório dos autos para se chegar à conclusão diversa em virtude do óbice da Súmula nº 7 do STJ.
 
(…)
 
5. Agravo interno não provido, com aplicação de multa.
 
(AgInt nos EDcl no AREsp 842.216/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 04/08/2017).
 
Impende registrar que, consoante iterativa jurisprudência desta Corte, a incidência da Súmula nº 7 do STJ impede o conhecimento do recurso lastreado, também, pela alínea c do permissivo constitucional, uma vez que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática de cada caso.
 
Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.
 
Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, majoro os honorários em favor dos advogados da parte recorrida em R$300,00 (trezentos reais), suspensa a exigibilidade, porquanto beneficiária da gratuidade de justiça a recorrente (art. 98, § 3º, do CPC/2015).
 
Publique-se.
 
Brasília (DF), 21 de agosto de 2019.
 
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator.
 
Dados do processo: STJ – REsp nº 1.830.598 – São Paulo – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJ 29/08/2019.