Apelação Cível – Mandado de segurança – ITCMD – Inventário extrajudicial – 1. Multa de protocolização prevista no art. 21, I, da Lei nº 10.705/00. Opção pelo inventário extrajudicial. Escritura de nomeação de inventariante lavrada dentro do prazo de sessenta dias contados da abertura da sucessão, a teor do disposto no item 105.2, do Capítulo XIV, das NSCG. Não incidência da multa. Precedentes desta Corte – 2. Desconto de 5% previsto no art. 17, § 2º, da Lei nº 10.705/00 e art. 31, § 1º, Decreto nº 46.655/02. Aplicação também aos inventários extrajudiciais, sob pena de violação ao princípio da isonomia – 3. Sentença concessiva da ordem mantida – 4. Reexame necessário e recurso da FESP não providos.
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Remessa Necessária nº 1025131-05.2017.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ESTADO DE SÃO PAULO e Recorrente JUÍZO EX OFFICIO, são apelados VANIA ARTISSIAN SAAB, DANIELA YOUSSEF SAAB, ROUMANOS YOUSSEF SAAB JUNIOR e VANESSA SAAB JULIATTO.
 
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento aos recursos. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
 
O julgamento teve a participação dos Desembargadores EDSON FERREIRA (Presidente) e J. M. RIBEIRO DE PAULA.
 
São Paulo, 10 de setembro de 2019.
 
OSVALDO DE OLIVEIRA
 
Relator
 
Assinatura Eletrônica
 
VOTO Nº 29.215 – PROCESSO DIGITAL
 
COMARCA: SÃO PAULO
 
REEXAME NECESSÁRIO
 
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1025131-05.2017.8.26.0053
 
APELANTE: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
 
APELADOS: VANIA ARTISSIAN SAAB E OUTROS
 
Juíza de 1ª instância: Liliane Keyko Hioki
 
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. ITCMD. INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL.
 
1. Multa de protocolização prevista no art. 21, I, da Lei nº 10.705/00. Opção pelo inventário extrajudicial. Escritura de nomeação de inventariante lavrada dentro do prazo de sessenta dias contados da abertura da sucessão, a teor do disposto no item 105.2, do Capítulo XIV, das NSCG. Não incidência da multa. Precedentes desta Corte.
 
2. Desconto de 5% previsto no art. 17, § 2º, da Lei nº 10.705/00 e art. 31, § 1º, Decreto nº 46.655/02. Aplicação também aos inventários extrajudiciais, sob pena de violação ao princípio da isonomia.
 
3. Sentença concessiva da ordem mantida.
 
4. Reexame necessário e recurso da FESP não providos.
 
Trata-se de mandado de segurança impetrado por Vânia Artissian Saab e outros contra ato praticado pelo Coordenador da Administração Tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, objetivando o afastamento da multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do ITCMD, bem como a incidência do desconto de 5% (cinco por cento) do valor do imposto, uma vez que o inventário extrajudicial de Roumanos Youssef Saab foi aberto dentro do prazo de 60 (sessenta) dias a partir do óbito.
 
A r. sentença concedeu a segurança, para afastar a incidência da multa de 10% (dez por cento) sobre o valor do ITCMD, prevista no artigo 21, inciso I, da Lei Estadual nº 10.705/00, em razão do inventário extrajudicial indicado na inicial, bem como para determinar a redução do imposto em 5% (cinco por cento), tal como previsto no artigo 17, § 2º, do mesmo diploma legal e no artigo 31, § 1º, do Decreto Estadual nº 46.655/02, se e somente se o efetivo recolhimento do tributo ocorreu no prazo estipulado nas normas de regência, ou seja, até 90 (noventa) dias do óbito. Condenou a impetrada a arcar com as verbas de sucumbência. Não houve condenação em honorários, nos termos da lei de regência (fls. 110/114).
 
Inconformada, insurge-se a Fazenda Estadual, pugnando pela reforma do julgado. Alega que os Estados-membros têm competência financeiro-tributária exclusiva, cabendo-lhes instituir, entre outros, o imposto sobre doação. Aplicação dos artigos 155, da Constituição Federal e 35, I, do Código Tributário Nacional, da Lei 10.705/2000 e do Decreto 46.655/2002. Em caso de inventário processado administrativamente, a legislação condicionou o pagamento do imposto à data da lavratura da escritura pública, bem como o prazo de 2 (dois) meses da abertura da sucessão. No presente caso, o prazo legal para apresentação da Declaração de ITCMD, determinado no artigo 21, inciso I, da Lei 10.705/2000, foi extrapolado, de modo que devida a multa correspondente a 10% (dez por cento) do valor do tributo. Por fim, afirma que o pretenso desconto de 5% (cinco por cento) pleiteado pelos impetrantes não tem aplicação para os casos de inventários extrajudiciais (fls. 120/130).
 
Os impetrantes apresentaram contrarrazões (fls. 135/147).
 
Não houve oposição ao julgamento virtual.
 
É o relatório.
 
Os recursos não comportam provimento.
 
Buscam os impetrantes o afastamento da multa aplicada por abertura do inventário fora do prazo legal, prevista no artigo 21, inciso I, da Lei paulista nº 10.705/00, que instituiu o ITCMD no Estado de São Paulo, que assim dispõe:
 
“Artigo 21 – O descumprimento das obrigações principal e acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Transmissão ‘Causa Mortis’ e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, fica sujeito às seguintes penalidades:
 
I – no inventário e arrolamento que não for requerido dentro do prazo de 60 (sessenta) dias da abertura da sucessão, o imposto será calculado com acréscimo de multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor do imposto; se o atraso exceder a 180 (cento e oitenta) dias, a multa será de 20% (vinte por cento);”
 
Como é cediço, no inventário judicial, a abertura se dá com o requerimento do procedimento, para o qual se exige apenas a apresentação da certidão de óbito do autor da herança (CPC, art. 615) e, somente após a nomeação e o compromisso do inventariante (CPC, art. 617), são apresentadas as primeiras declarações, que reúnem os elementos necessários à partilha (CPC, art. 620). Dessa forma, o prazo de sessenta dias é contado entre a data do óbito e o requerimento de abertura de inventário.
 
No inventário extrajudicial, por sua vez, não há exigência de um prévio requerimento de abertura, ou seja, trata-se de ato único, com a lavratura da escritura de inventário e partilha.
 
A controvérsia dos autos cinge-se, portanto, em definir o termo inicial da abertura do inventário extrajudicial para fins de contagem do prazo de sessenta dias para recolhimento do ITCMD.
 
Sobre o tema, vale transcrever parte do parecer exarado pelo E. Juiz Assessor da Corregedoria Geral de Justiça, Dr. Swarai Cervone de Oliveira, nos autos do Processo CGJ nº 2016/82279, a propósito de pedido formulado pela Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, para que se impeça a incidência da multa prevista no artigo21, inciso I, da Lei Estadual nº 10.705/2000 nos inventários feitos extrajudicialmente, após o prazo de sessenta dias, in verbis:
 
“A lavratura da escritura pública autônoma de nomeação de inventariante pode assemelhar-se ao ato de instauração do inventário judicial. Supera-se, com isso, a dificuldade de os herdeiros terem que reunir, no exíguo prazo de sessenta dias, toda a documentação e consenso necessários para a realização do inventário e partilha extrajudiciais. Basta a lavratura da escritura autônoma, com os dados e documentos previstos no item 114, e se considerará iniciado o procedimento – aí sim se poderá falar em sucessão de atos – de inventário extrajudicial. Posteriormente, será lavrada a escritura definitiva de inventário e partilha.” [1]
 
O parecer foi aprovado pela E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, culminando na edição do Provimento CGJ nº 55/2016, que acrescentou os subitens 105.2 e 105.3 ao item 105, do Capítulo XIV, das NSCGJ – Tomo II2, fixando o termo de abertura do inventário extrajudicial na data da lavratura da escritura de nomeação do inventariante, nos seguintes termos:
 
“105.2. A nomeação de inventariante será considerada o termo inicial do procedimento de inventário extrajudicial.”
 
“105.3. Para a lavratura da escritura de nomeação de inventariante será obrigatória a apresentação dos documentos previstos no item 114 deste Capítulo.” [2]
 
No caso dos autos, o óbito ocorreu no dia 25.03.2017 (fls. 32) e os herdeiros optaram pelo inventário extrajudicial, conforme ata de escritura pública datada de 09.05.2017, na qual a impetrante Vania foi nomeada inventariante (fls. 34/37).
 
Portanto, entre a abertura da sucessão e a lavratura da escritura de nomeação de inventariante não decorreram mais de 60 (sessenta) dias, não sendo o caso, por conseguinte, de aplicação da multa prevista no artigo 21, inciso I, da Lei Estadual nº 10.705/00, em consonância com o disposto nas NSCGJ, itens 150.2 e 150.3, supra transcritas.
 
Nesse sentido o entendimento desta 12ª Câmara de Direito Público:
 
“MANDADO DE SEGURANÇA – Inventário extrajudicial – Multa prevista no art. 21, I, da Lei nº 10.705/00 – Não incidência – O termo inicial do procedimento de inventário extrajudicial é a data da escritura de nomeação de inventariante, que, no caso dos autos, se deu 57 dias após a abertura da sucessão – Princípio da isonomia – item 105.2, do Capítulo XIV, das NSCG – Precedentes do TJSP – Sentença concessiva da ordem mantida – Recursos de apelação e reexame necessários, desprovidos.”
 
(AC nº 1036194-38.2017.8.26.0114, Relator: J. M. Ribeiro de Paula, j. 16.10.2018 – v.u.).
 
No mesmo diapasão a jurisprudência desta Corte:
 
“Mandado de segurança. ITCMD. Imóvel urbano. Base de cálculo. Fixação do valor venal correspondente ao valor de referência para fins de cálculo do ITBI, conforme o Decreto nº 55.002/09 que viola a legalidade tributária. Art. 9º e art. 13 da Lei nº 10.705/00. Multa sobre o imposto diante do atraso na abertura do inventário. Regra aplicável também aos inventários extrajudiciais. Sentença que concedeu parcialmente a segurança mantida. Recursos improvidos.”
 
(AC nº 1049577-43.20158.8.26.0053, Relator: Luís Fernando Camargo de Barros Vidigal, 4ª Câmara de Direito Público, j. 12.12.2016);
 
“APELAÇÃO – Mandado de segurança – ITCMD – Afastamento da multa de mora, multa por atraso de protocolização, juros de mora e correção monetária – Segurança denegada – Pretensão de reforma – Admissibilidade – Abertura do procedimento de inventário extrajudicial dentro de 60 dias contados da abertura da sucessão – Observância do prazo estabelecido no artigo 21, I, da Lei nº 10.705/00 e no artigo 38, I, do Decreto nº 46.655/02 – Precedentes – Recurso provido.”
 
(AC nº 1033756-28.2017.8.26.0053, Relatora: Maria Olívia Alves, 6ª Câmara de Direito Público, j. 05.03.2018);
 
“APELAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. Pretensão a que seja reconhecido o direito dos impetrantes de não serem compelidos ao pagamento da multa de 10% prevista no artigo 21, I, Lei 10.705/2000, tendo em vista se tratar de inventário extrajudicial. Impossibilidade. Inteligência do art. 21, I, Lei 10.705/2000, aplicável também às hipóteses de inventário extrajudicial. Princípio da isonomia. Precedentes deste TJSP. Sentença denegatória da segurança mantida. Recurso desprovido.”
 
(AC nº 1020233-17.2015.8.26.0053, Relator: Marcelo Semer, 10ª Câmara de Direito Público, j. 30.07.2017).
 
No que tange ao desconto previsto no artigo 17, § 2º, da Lei Estadual nº 10.705/00 e no artigo 31, § 1º, do Decreto Estadual nº 46.655/02, melhor sorte não assiste à Fazenda do Estado.
 
A já citada Lei Estadual nº 10.705/00, que instituiu o ITCMD no Estado de São Paulo, assim estabelece:
 
“Artigo 17 – Na transmissão ‘causa mortis’, o imposto será pago até o prazo de 30 (trinta) dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinar seu pagamento, observado o disposto no artigo 15 desta lei.
 
(…)
 
§ 2º – Sobre o valor do imposto devido, desde que recolhido no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da abertura da sucessão, o Poder Executivo poderá conceder desconto, a ser fixado por decreto.” O Decreto Estadual nº 46.655/02, por sua vez, que aprovou o regulamento do ITCMD, prevê:
 
“Artigo 31. O imposto será recolhido (Lei 10.705/00, arts. 17, com alteração da Lei 10.992/01, e 18):
 
I – na transmissão ‘causa mortis’, no prazo de 30 (trinta) dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinar seu pagamento;
 
(…)
 
§ 1º – Na hipótese prevista no inciso I:
 
(…)
 
2 – será concedido desconto de 5% (cinco por cento) sobre o valor do imposto devido, desde que recolhido no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da abertura da sucessão.”
 
Verifica-se, portanto, que o artigo 17, § 2º, da Lei Estadual nº 10.705/00 c.c. artigo 31, § 1º, do Decreto Estadual nº 46.655/02 autorizam a concessão de desconto de 5% (cinco por cento) sobre o valor do ITCMD, desde que o tributo seja recolhido no prazo de 90 (noventa) dias após a sucessão, sem nenhuma outra restrição, de modo que interpretação diversa implicaria em flagrante violação ao princípio da isonomia.
 
Dessa forma, agiu com acerto a ilustre Magistrada singular, ao determinar a redução do imposto “se e somente se o efetivo recolhimento do tributo ocorreu no prazo estipulado nas normas de regência, ou seja, até 90 dias do óbito” (fls. 114).
 
Nesse contexto, era mesmo de rigor a concessão da segurança, de modo que a r. sentença deve ser mantida em sua íntegra.
 
À vista do exposto, nega-se provimento ao reexame necessário e ao recurso fazendário.
 
OSVALDO DE OLIVEIRA
Relator