Em meio ao isolamento social, pessoas internadas têm seu último contato com familiares pelo celular e nem todas fizeram testamento
 
Estudando Direito, certamente você precisa aprender um mínimo possível sobre sucessões. E dentro desse ramo do direito comum ou direito civil, onde se disciplinam as matérias de sucessões, um ponto muito importante são os testamentos. Clássica forma de manifestar a última vontade.
 
O direito civil brasileiro contém regras para toda a vida comum do cidadão. Disciplina seu nascimento, as relações de família onde o recém nascido vai se desenvolver. E, quando o jovem assume as rédeas da própria vida, o Direito Civil está lá disciplinando obrigações, contratos e coisas. Sem reduzir a importância, estão lá as regras para os relacionamentos seja de namoro, noivado, casamento ou mesmo de união estável.
 
Não poderia deixar de emergir neste ramo do Direito o assunto das sucessões. Aquele ligado à morte da pessoa. E, para o direito civil, o tema importa com ênfase em dois aspectos: disciplinar o patrimônio amealhado e deixado pela pessoa falecida, e, em respeito à sua última vontade, proceder a partilha e distribuição desses mesmos bens.
 
O testamento é o documento que por excelência expressa a última vontade do indivíduo. Podendo também ser expressa por meio de codicilos. Enquanto o testamento trata do grande patrimônio, preocupação principalmente econômica, o codicilo se refere a pequenos objetos, de preocupação essencialmente moral, pessoal emotiva.
 
A Lei disciplina muitas formas de efetivação do testamento. Particular, Público e cerrado (art.: 1862 do CCB). Admitindo-se o testamento nuncupativo (art. 1879), aquele proclamado na hora da morte. Ele se distingue do testamento particular  comum (art. 1876) porque dispensa a necessidade de ser proclamado diante de número pré-estabelecido de testemunhas e ser assinado por elas.
 
Hoje, o tema do testamento emerge por estarmos em tempos de um acontecimento inédito para a humanidade, que é a doença Covid-19, onde as diversas notícias declaram que, em meio ao isolamento social, pessoas internadas com a doença muitas vezes têm seu último contato com familiares pelo celular e, momentos depois do telefonema, a pessoa morre e sequer pode haver um velório ou qualquer tipo de possibilidade de se prestar uma última homenagem diante do corpo.
 
Um testamento pode trazer à tona a confissão de fatos não conhecidos, emoções não resolvidas, divisão de patrimônio,  tudo como expressão da última vontade do falecido. Às vezes trazendo paz, noutras elevando conflitos imanentes. Como o fez a benção de Isaac destinada a Jacó, que se apropriou da primogenitura (esta implicava maior parte no patrimônio a ser herdado) do irmão e a benção secundária dada a Esaú.
 
Para o isolamento imposto pela doença e ante a necessidade de distanciamento social, todos têm que estar preparados porque podem chegar a morrer sozinhos. Ou na presença de pessoas desconhecidas, médicos e enfermeiros.
 
A preparação para uma morte só faz que a pessoa precise perguntar: E se eu morrer de Covid-19 ? Com certeza, as reflexões a partir das respostas a esta pergunta, que cada um deve fazer sozinho, será um excelente conteúdo para seu testamento. Implique partilha e distribuição de patrimônio ou vise trazer paz para a alma inquieta. O testamento certamente pode ajudar.
 
E se você não morrer da doença, será sua certidão de nascimento para uma nova vida, que é o que se espera depois de tudo que agora passamos. O exercício de preparar o testamento terá sido para você um salto de valioso crescimento espiritual e humano.
 
Wagner Dias Ferreira é advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG.