No mundo globalizado, é comum que as pessoas transitem mais livremente. É cada vez mais crescente o número de brasileiros que vivem fora do país, e o de estrangeiros que vivem no Brasil. Também há casos em que as pessoas escolhem dois países distintos para viver.
 
Diante destas circunstâncias, os questionamentos são crescentes quanto à lei aplicável em caso de falecimento. Tanto do brasileiro que mora no exterior, quanto do estrangeiro que mora no Brasil.
 
O nosso ordenamento Jurídico preza pelo princípio da pluralidade de juízos sucessórios, significando que os bens deixados pelo, então, “de cujus”ou falecido, serão processados pela Justiça do país onde está cada bem situado. Isso significa que, se houver bens em diversos países, será necessário abrir um inventário em cada um deles. Importante salientar que, não obstante, embora o inventário seja aberto no local que o bem está situado, a lei aplicável será a do domicílio do “de cujus”.
 
Assim, se a pessoa possui bens no Brasil, mas morava no Canadá, o inventário será aberto no Brasil mas a lei aplicável será a do domicílio do falecido. Ou seja, a lei canadense.
 
A exceção à regra é a constante no § 1° do artigo 10º da lei de introdução ao Código Civil Brasileiro, onde estabelece que a sucessão de bens de estrangeiros situados no Brasil será regulada pela lei brasileira, em benefício do cônjuge, dos filhos brasileiros ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.
 
Para exemplificar, no caso de falecimento de um Alemão com bens móveis e imóveis no Brasil, se este não possuir filhos ou cônjuge brasileiros, a sucessão deverá ser aberta aqui no Brasil, seguindo, porém, a legislação da Alemanha. Caso exista filho ou cônjuge brasileiro, a sucessão seguirá as normas brasileiras, a menos que a lei estrangeira seja mais benéfica. Assim, é nítida a problemática enfrentada, já que o advogado deverá possuir conhecimento da legislação estrangeira para julgar a pertinência de sua aplicação.
 
Em que pese a pluralidade dos juízos sucessórios no plano internacional, verificam-se situações nas quais o Brasil conhece dos bens situados no exterior diante de uma sucessão hereditária. É o que ocorre, por exemplo, com a previsão do imposto de transmissão causa mortis quanto ao falecido no Brasil com bens situados no exterior, bem como com decisões judiciais nas quais são computados ditos bens para a realização de uma partilha.
 
Neste sentido, é perfeita a indagação da Ana Luiza Maia Nevares ( Pensar, Fortaleza, v. 24, n. 2, p. 1-13, abr./jun. 2019)
 
“Se os Tribunais Brasileiros, em regra, se comportam com indiferença em relação ao patrimônio do falecido situado no exterior, reconhecendo a pluralidade dos juízos sucessórios e, dessa forma, afirmando que o Brasil não tem competência para decidir sobre a transmissão sucessória de bens situados fora do Brasil, interpretando a contrário sensu a norma do artigo 23 do CPC, por qual razão lhe assistiria legitimidade para cobrar imposto de transmissão causa mortis sobre ditos bens? Ora, o referido tributo já será pago no país onde se situa o bem e, evidentemente, se aqui também é cobrado imposto da mesma natureza, estar-se-á diante de evidente caso de bitributação, que não se poderia admitir.”
 
Também há casos da Justiça Brasileira homologar sentença estrangeira, realizando a partilha no território brasileiro, diante do que já foi decidido, desde que reconheça que o resultado prático seria o mesmo do inventário realizado com a aplicação da legislação pátria.
 
O que percebe-se é que, diante de uma globalização cada vez maior, com  circulação de pessoas e bens pelo mundo, as sucessões hereditárias com elementos internacionais são mais frequentes.  Surge, então, a necessidade de acordos internacionais, a exemplo do que ocorreu com a entrada em vigor, em agosto de 2015, do Regulamento (UE) nº 650/2012, que visa facilitar as transmissões sucessórias transnacionais na Europa, que se tornaram cada vez mais frequentes com a União Europeia.
 
Esta legislação visa garantir a coerência no momento da transmissão hereditária, sendo aplicada a uma sucessão transnacional uma única lei, por uma única autoridade. O dito regulamento prevê, como regra geral para regular a sucessão, a lei do país em que o falecido tinha residência habitual no momento do óbito, permitindo que o autor da herança escolha a lei que deve regular a sua sucessão.
 
É o que se espera de um mundo globalizado: o fortalecimento do Direito Internacional como fonte de uma Justiça mais célere e menos burocrática.
 
*Samira Tanus Madeira é advogada, com especialização em Direito Processual Civil e Direito Imobiliário. Sócia do escritório Tanus Madeira Advogados Associados