Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, se ampliou o conceito de família no Brasil, que não mais passou a se limitar ao casamento, estando expressamente previstas no texto constitucional outras formas de entidade familiar, como a união estável.
 
Embora ambos sejam modalidades de entidade familiar, o casamento e a união estável se diferenciam, principalmente, pelo modo de constituição. Isso porque, para que seja constituída uma união estável, ao contrário do que ocorre no casamento, não é necessária a realização de qualquer formalidade ou a assinatura de documentos, bastando somente que sejam respeitados os pressupostos previstos em lei.
 
Nestes tempos de pandemia, em que se exige o isolamento social, se tornou comum que casais de namorados optem por morar juntos, o que faz com que surja o questionamento: estamos diante de uma união estável?
 
Inicialmente, importa esclarecer que, desde 2011, através do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132/RJ e Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a possibilidade de se configurar uma união estável entre pessoas do mesmo sexo.
 
Para além dessa questão, pode-se afirmar, a partir da análise do artigo 1.723 do Código Civil, que são pressupostos de configuração da união estável: a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida entre duas pessoas, com o objetivo de constituição de família.
 
Portanto, verifica-se que a estabilidade é um pressuposto da união estável. Ou seja, para a configuração de uma união estável é preciso que esteja presente uma situação fática direcionada à permanência, sem termo final previsto, de onde se excluem os relacionamentos eventuais e descompromissados.
 
Neste ponto, é importante destacar que não há necessidade de coabitação entre o casal, tampouco existe um tempo mínimo de convivência ou a exigência de filhos do relacionamento para se caracterizar uma união estável.
 
Além disso, a própria estabilidade do relacionamento nos leva a outro pressuposto da união estável, que se refere aos vestígios públicos e sociais da relação, que são percebidos pela sociedade justamente por serem estáveis e duradouros. Ou seja, não se trata de uma relação clandestina, às escondidas, mas sim de algo público, onde ao menos as pessoas do ciclo de intimidade do casal os reconhece como uma entidade familiar.
 
Outro pressuposto, considerado o mais importante e determinante para se caracterizar uma união estável é a presença do objetivo de constituição de família entre o casal.
 
Neste ponto, é analisado se o casal tem a intenção de formar uma família e se existe uma relação afetiva madura entre eles. Estas informações podem ser comprovadas pela apuração objetiva de fatos relativos à vida conjugal.
 
É importante destacar, no entanto, que apenas a intenção não basta. É necessário que exista uma situação de fato já concreta, sendo certo que não é suficiente que o desejo de constituir família esteja projetado para o futuro.
 
Neste aspecto, alguns indícios dessa intenção de constituir família podem ser apontados por meio de documentos que comprovem a vinculação financeira e afetiva do casal, como a existência de conta conjunta, dependência no plano de saúde, coabitação, entre outros. Relembre-se que, apesar de não ser imprescindível para se configurar uma união estável, o fato de o casal coabitar é um importante indício da existência do objetivo de constituir família.
 
Portanto, aquele casal que decidiu morar junto, no mesmo teto, durante a pandemia, não necessariamente convive em uma união estável. De fato, isso pode acontecer, caso estejam presentes os pressupostos aqui mencionados e seja comprovada a existência de uma convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituir família.
 
Por fim, é interessante ponderar que o ordenamento jurídico brasileiro autoriza àqueles que convivem em união estável a celebração de um contrato escrito, no qual pode ser escolhido o regime de bens a ser adotado na relação, o que é de suma importância para evitar conflitos e futuros litígios.
 
*Rafael Baeta Mendonça, advogado e professor de Direito de Família na Faculdade de Direito Milton Campos