A preservação do patrimônio familiar requer providências cada vez mais constantes e complexas sob o aspecto jurídico tendo em vista as ocorrências da vida civil em mutação acelerada. O conceito de família vem sofrendo inúmeras transformações de caráter público e privado em face do interesse e do novo redimensionamento da sociedade. Estas expressivas mutações em busca de felicidade via convivências alternativas ao casamento contribuem no aumento de concubinatos, divórcios, uniões estáveis, etc.
Essa tendência – mais liberal ou permissiva – contribuiu decisivamente para a introdução da lei do divórcio em 1977, a admissão do regime de união estável no Código Civil de 2002, e no reconhecimento predominante nos tribunais da união homoafetiva, permitindo a produção dos mesmos efeitos jurídicos da união estável estabelecida entre homem e mulher, prevista no artigo 1723 do Código Civil.
A ciência também interfere em nossa vida civil com o aumento da expectativa de vida da população decorrente da descoberta de medicamentos para o combate de doenças; a descoberta de medicamentes contra a disfunção erétil, afetando a qualidade de vida sexual das pessoas e causando expressivo aumento de divórcios e de casamentos entre homens mais idosos com mulheres mais jovens; desenvolvimento de complexas técnicas de inseminação artificial e fertilização para reprodução humana assistida permitindo transferência de embriões excedentários concebido em laboratório nos casos de falecimento do marido ou companheiro; aperfeiçoamento dos exames de DNA para comprovação da paternidade.
Com essas mutações, a legislação sobre direitos patrimoniais permanece atrasada ou omissa em relação a diversos assuntos que estão sendo decididos em nossos tribunais. A questão da herança sobre os bens patrimoniais familiares, que sempre foi motivo de muitos desentendimentos entre os sucessores legítimos ou agregados, adquiriu complexidade e indutora de desentendimentos para definição da sucessão patrimonial familiar.
Exemplos dessas discussões pode ser vista nos processos judiciais envolvendo herdeiros de celebridades falecidas mais recentemente. A morte do apresentador Gugu Liberato aflorou polêmicas envolvendo o direito de família no contexto atual.
De acordo com a mídia, o apresentador elaborou testamento em 2011 reconhecendo apenas os três filhos como únicos herdeiros legítimos, excluindo suposta companheira da herança. O apresentador formalizou contrato de geração de filhos com a postulante de união estável e, portanto, suposta viúva do apresentador. Esse contrato procura identificar a existência de uma coparentabilidade, ou seja, os pais se encontram apenas para ter filhos de forma planejada e responsável sem caracterizar o relacionamento conjugal entre eles. Essas parcerias envolvendo paternidade ou maternidade também se apresentam nas chamadas “produções independentes” como sendo uma alternativa à geração de filhos de pai doador mantido no anonimato. Ainda não regulamentado no Brasil, esta relação contratual é bastante comum nos Estados Unidos. Em paralelo a essa discussão, há ainda uma alegação de relacionamento do apresentador com suposto companheiro homoafetivo.
Sem querer entrar no mérito em relação ao caso da herança a ser decidido pela justiça, mas para trazer à tona tema atual envolvendo o direito de família, destacamos três pontos centrais do caso.
O companheiro pode ser excluído da herança através de um testamento?
Decisão do STF (Rec. Extr. 878.694 e 646.721), com efeitos vinculantes, entendeu pela inconstitucionalidade da diferenciação entre o casamento e a união estável para fins sucessórios, equiparação sucessória entre o casamento e a união estável. A partir dessa decisão, apesar de algumas interpretações divergentes, vem prevalecendo a interpretação tendente a se consolidar pela jurisprudência, que o companheiro foi, a partir de então, automaticamente alçado à condição de herdeiro necessário, o que impossibilitaria a sua exclusão da sucessão legítima por meio de testamento.
Podem existir uniões estáveis simultâneas?
O CNJ recomendou que os cartórios não lavrassem escrituras de uniões poliafetivas. Apesar dessa decisão, formalizados ou não, esses relacionamentos existem e o instituto do direito de família está cada vez mais abrangente, envolvendo filhos, relações de parentesco, uniões afetivas e casamento, etc. Isso choca-se contra o princípio da afetividade – ausente em nosso ordenamento jurídico – mas implícito no texto constitucional. O assunto não está definido nos tribunais. Muitas decisões contrárias ao tema aparentam mais uma busca à segurança jurídica ou de alegada proteção à família atrelada ao moralismo (visão monogâmica) pregando o alijamento das uniões poliafetivas do nosso ordenamento jurídico.
O contrato de geração de filhos pode descaracterizar a união estável?
Esses contratos procuram formalizar o que denominamos coparentabilidade – quando pessoas que se conhecem elaboram parceria de paternidade/maternidade com regras de convivência comum em relação ao filho que vai nascer. É documento relevante em caso de discussão judicial. Este assunto não é regulamentado no Brasil, não havendo nenhuma ilegalidade ou ilegitimidade nessas relações, sendo necessário entende-las despido de preconceitos. Prevalecendo esse entendimento da existência de um vínculo exclusivamente parental e não afetivo esse contrato de geração de filhos poderia sim descaracterizar a união estável.