O direito real de habitação não deve ser aplicado de forma rígida, tendo em vista as novas dinâmicas das relações familiares, não podendo a lei apenas contemplar o cônjuge ou o companheiro, e sim também aos demais herdeiros desde que preenchidos determinados requisitos
 
O direito real de habitação é o direito que o(a) cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente (mesmo que em relação homoafetiva) tem de ficar habitando o imóvel em que era a residência do casal, independentemente do regime de bens, ainda que haja mais de um imóvel residencial a inventariar.
 
Nesse caso, mesmo havendo filhos como herdeiros (exclusivos do falecido), o cônjuge ou companheiro terá direito de residir no imóvel de forma vitalícia (até a sua morte).
 
Esse direito se estende ao companheiro, pois de acordo com a interpretação da Constituição, a união estável é reconhecida como entidade familiar.
 
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
 
A união estável no conceito dos artigos 1.723 e 1.724 do Código Civil, requer publicidade, continuidade, durabilidade, objetivo de constituir família e ausência de impedimento ao casamento, ressalvadas as hipóteses de separação de fato ou judicial, e observância dos deveres de lealdade, respeito e assistência mútua:
 
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
 
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
 
O STF reconheceu a possibilidade de pessoas do mesmo sexo constituírem entidade familiar, devendo ser dispensada a mesma proteção estatal conferida às famílias heteroafetivas (Ação Direta de lnconstitucionalidade nº 4.277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 132).
 
Assim, deve-se buscar uma interpretação que garanta à pessoa que viva em união estável os mesmos direitos que ela teria caso fosse casada independente do tipo de relação (heterossexual ou homoafetiva).
 
O direito real de habitação está vinculado ao direito de moradia, elevado à categoria de direito social garantido constitucionalmente (art. 6º, caput da CF), e sobrepõe ao direito de propriedade dos demais condôminos ou herdeiros ainda que de outra união, em razão de seu evidente caráter assistencial. Observância, ademais, ao postulado da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF).
 
O direito real de habitação não precisa estar averbado no registro imobiliário, tampouco em testamento, pois o mesmo decorre de lei.
 
A matéria disciplinada pelo Código Civil acerca do regime sucessório dos companheiros não revogou as disposições constantes da Lei 9.278/96, nas questões em que verificada a compatibilidade.
 
A jurisprudência atual do STJ, interpretou o artigo 7º, §3º da Lei nº9.278/96 pelo princípio da especialidade, não havendo necessidade que o bem de família seja o único bem a ser inventariado na abertura da sucessão, podendo haver mais de um bem.
 
Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.
Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
 
O enfoque do direito real de habitação é deixar a pessoa, no caso o cônjuge ou companheiro no seu lar, não tendo que dele que sair pós morte de seu cônjuge ou companheiro, perda essa já muito difícil.
 
A interpretação do artigo 7º, §único da Lei 9.278/96, deverá ser combinada com a redação do artigo 1.831 do Código Civil:
 
Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
 
A interpretação da Lei nº 9.278/96 pelo STJ, é de que a mesma não impõe como requisito para o reconhecimento do direito real de habitação a inexistência de outros bens (móveis ou imóveis) no patrimônio comum ou particular do cônjuge falecido ou do próprio do cônjuge sobrevivente, ou seja, pode haver mais de um bem a inventariar, restando o bem em que era a residência do casal destinado a moradia do cônjuge/companheiro sobrevivente.
 
O direito real de habitação, incide, relativamente ao imóvel em que residia o casal, ainda que o bem fosse de propriedade exclusiva do cônjuge falecido.
 
Isso ocorre, mesmo que no imóvel objeto do uso, seja fração de meação do cônjuge falecido com cônjuge companheiro falecido preteritamente, e que este imóvel integre ao direito de herança. Se houver apenas um imóvel residencial no monte e nele não morar os cônjuges, ou se dito imóvel estiver alugado ou emprestado ou mesmo fechado, deixa de incidir o direito real de habitação.
 
Sendo o bem adquirido antes do casamento ou união, não há que se falar direito a meação, e sim somente será exercido pelo cônjuge ou companheiro o direito real de habitação (moradia). Nesse contexto, é irrelevante se o imóvel foi adquirido com recursos exclusivos do falecido, porquanto é reconhecido o direito, do cônjuge ou do companheiro sobrevivente, à permanência no imóvel familiar.
 
O objetivo da lei foi permitir que o cônjuge/companheiro sobrevivente permanecesse no mesmo imóvel familiar que residia ao tempo da abertura da sucessão como forma de lhe garantir o direito constitucional à moradia, que no transcuro da convivência afetiva constituíram seus vínculos psicológicos e um lar.
 
O direito real de habitação é subjetivamente pessoal, sendo intransferível. Assim o imóvel sujeito a essa espécie de direito real de habitação não pode ser habitado por outra pessoa que não o cônjuge/companheiro sobrevivente, que, apenas, poderá usá-lo para fins residenciais (não pode alugar ou dar em comodato a terceiros).
 
Aos herdeiros não cabe qualquer cobrança de valores a título de aluguel ou lucros cessantes.
 
Ocorre, que o direito de usufruir da herança, assim como o direito real de habitação (à moradia), também está previsto constitucionalmente no artigo 5º, XXX:
 
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXX – é garantido o direito de herança.
 
Haveria equilíbrio entre os interesses (cônjuge/companheiro e herdeiros) em não relativizar o direito real de habitação sobre o direito de herança, se ambos estão previstos constitucionalmente?
 
Digamos que exista apenas um imóvel residencial e nele morar o cônjuge ou companheiro, mas o mesmo possui outro imóvel em seu nome, pode o direito real de habitação impedir que o bem objeto da herança seja partilhado entre os herdeiros, ou até mesmo que sejam usufruído por eles?
 
Outra hipótese: o bem onde resida o cônjuge ou companheiro seja de alto padrão, e o mesmo não tenha condições financeiras em manter o referido bem, pagando suas despesas como condomínio, IPTU e manutenção, pode o mesmo impedir que o bem seja partilhado entre os herdeiros, e ainda deixar dívidas que podem levar inclusive a perda do imóvel?
 
No caso de algum herdeiro que dependia financeiramente do de cujus, com algum problema de saúde, ou antecessor (pais idosos) que dependessem de ajuda financeira do filho falecido? Os mesmos estariam impedidos de exercer seu direito de herança? Os mesmos estariam impedidos de usufruir do bem?
 
Melhor disciplina seria aquela em que fossem avaliadas as necessidades reais tanto dos herdeiros consortes, como do cônjuge ou companheiro sobrevivente, em casos de único bem desta natureza a inventariar, as suas características e aspectos individuais, relativizando o conceito do direito real de habitação.
 
É verdade que o Código Civil não se atentou para as condições econômicas do sobrevivo, que pode ter condições econômicas favoráveis, pode ter recebido em partilha grande acervo patrimonial ou ser possuidor de imóvel próprio não inventariado que lhe garanta a moradia, sem contar no fato de ser independente financeiramente.
 
Ainda deve-se atentar ao fato de não ter sido aventado pela legislação a possibilidade da cessação automática do ônus real na hipótese do beneficiado adquirir outro imóvel, ou ter renda suficiente para manutenção de sua residência.
 
A legislação atual não previu a possibilidade de ser sopesada o direito real de moradia com o direito de herança dos demais sucessores com quem o cônjuge concorre, que podem ser tão ou mais merecedores da tutela decorrente do direito real de habitação, ou do valor monetário que aquele bem proporcionará para sua mantença.
 
Melhor disciplina seria aquela em que o benefício do direito real de habitação fosse relativizado diante das condições econômicas do cônjuge/companheiro, relação de bens deixados (mais de um bem imóvel a partilhar), valendo a ponderação quanto à necessidade de uma revisão da herança necessária em prol dos menores, deficientes e idosos vulneráveis, bem como em favor de cônjuges e companheiros quanto a aspectos nos quais efetivamente dependiam do autor da herança.
 
No direito há de se ter segurança jurídica para as relações, mas também o direito deve-se adequar ao caso concreto, dentro da realidade de cada família.
 
Defende-se a relativização do direito real de habitação tanto para um herdeiro vulnerável, tanto para o próprio cônjuge ou companheiro no qual ambos possam dentro de suas necessidades usufruir da prerrogativa do artigo 1.831 do Código Civil, como também de não se aplicar o direito real de habitação se no caso concreto não haja necessidade por parte do cônjuge/companheiro, seja por ter imóvel próprio, seja por ter condições financeiras para sua mantença. A lei deve ser aplicada dentro do caso concreto da melhor forma para a destinação social do acervo hereditário, seja exercido pelo cônjuge ou companheiro, ou exercido pelos herdeiros dependentes e vulneráveis.
 
O direito real de habitação não deve ser aplicado de forma rígida, tendo em vista as novas dinâmicas das relações familiares, não podendo a lei apenas contemplar o cônjuge ou o companheiro, e sim também aos demais herdeiros desde que preenchidos determinados requisitos tanto por ausência de dependência econômica ou por reconhecimento de dependência econômica.