Explicamos com fundamento jurídico sobre como, quando e a quem se aplica este tipo de direito de gozo através da posse
 
O Código Civil (C.C.) consagra o regime associado à usucapião, que consiste na aquisição originária do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo através da posse, quando mantida por determinado lapso de tempo. Mas quem tem a capacidade para a adquirir? A partir de que data se produzem os seus efeitos e em que prazo? Esclarecemos isto e muito mais com fundamento jurídico.
 
Quem tem capacidade para a adquirir?
O legislador, conforme tipificado no art.º 1287.º do C.C., prevê que a usucapião aproveita a todos aqueles que possam adquirir, ou seja, as pessoas que podem ser sujeitas a quaisquer relações jurídicas, dotadas de capacidade jurídica. No que respeita aos incapazes, seja em razão da idade ou de anomalia psíquica, também estes podem adquirir por usucapião, tanto por si como por intermédio das pessoas pelos quais são representados legalmente, nos termos do art.º 1289.º do C.C.
 
Para esta apropriação se verificar, não basta que haja uma posse material do bem é, simultaneamente, necessário que o possuidor tenha sobre o mesmo a intenção de agir como único proprietário, tal como esclarece a Teixeira Advogados & Associados neste artigo preparado para o idealista/news.
 
A partir de que data se produzem os seus efeitos da usucapião?
Uma vez invocada a usucapião os seus efeitos produzem-se, em regra, a partir da data do início da posse, à luz do art.º 1288.º do C.C., desde que esta seja pública e pacífica, isto é, o bem em causa deve ser reconhecido, de forma generalizada, como pertencente ao possuidor e não gerar quaisquer conflitos. Sendo, por isso, imprescindível a posse à vista de todos e sem qualquer oposição para ser idónea a produzir os devidos efeitos, devendo o possuidor evitar a posse violenta ou oculta, sob pena dos prazos para a aquisição apenas se contabilizarem a partir do seu término, nos termos do art.º 1297.º do C.C.
 
Qual o prazo a partir do qual se pode invocar a usucapião?
Para invocar a aquisição do direito de propriedade por usucapião nos bens imóveis o prazo difere dependendo da boa ou má fé do possuidor. Assim, a posse de boa fé refere-se ao possuidor que desconhece lesar o direito de outrem. No que obsta à posse titulada, esta presume-se de boa fé e, por sua vez, a não titulada, de má fé. Contudo, nos casos em que a posse for adquirida com violência, considera-se de má fé, ainda que seja titulada, à luz do art.º 1260.º do C.C.
 
Como tal, o legislador prevê as seguintes possibilidades:

  • Havendo título de aquisição e registo, a usucapião tem lugar ao fim de 10 anos, contados a partir da data desse registo, nos casos de posse de boa fé. Se houver posse de má fé, o possuidor adquire a usucapião ao fim de 15 anos, contados da mesma data, como reza o art.º 1294.º do C.C.
  • Na falta de registo de título de aquisição, mas apenas o registo da mera posse, o disposto no art.º 1295.º n.º 1 do C.C. indica que a usucapião tem lugar quando, contado da data do registo, tenham decorrido 5 anos, nos casos de posse de boa fé. Ao invés disso, verificando-se má fé, a posse terá de ter continuado por 10 anos, desde a data desse registo.
  • Não existindo registo do título nem da mera posse, a usucapião sucede apenas no termo de 15 anos, se a posse for de boa fé, e de 20 anos, se for de má fé.

 
Salientamos que a posse titulada presume-se de boa fé, e a não titulada, de má fé.
 
Caso prático
O Sr. Asdrúbal vive, há mais de 20 anos, num apartamento que arrendou em Oliveira de Frades e, ao longo de 16 anos, tem vindo a explorar um terreno agrícola das redondezas que lhe pareceu estar abandonado, ignorando, por isso, se este pertencia a alguém. Desde 2004 que cuida do terreno como se fosse seu, cultiva-o e todos os dias se desloca para tratar dos animais que lá instalou e, no decorrer de todos esses anos, nunca apareceu ninguém a invocar ser o legítimo proprietário daquele terreno. De acordo com a vizinhanças, que conhece e vê o Sr. Asdrúbal todos os dias a cuidar do terreno, é o dono do mesmo e, por isso, passou a acreditar que o terreno lhe pertence, tendo afastado judicialmente a presunção da má fé e encontrando-se na sua plena boa fé.
 
O Sr. Asdrúbal pode invocar a aquisição da propriedade por usucapião dos imóveis?
No que tange ao apartamento, o Sr. Asdrúbal encontra-se vinculado a um contrato de arrendamento, ou seja, existe um acordo contratual com o proprietário do imóvel que desqualifica o detentor como potencial proprietário e impede a usucapião, já que não obsta a uma verdadeira posse, mas sim a uma mera detenção.
 
Quanto ao terreno, ao fim de 16 anos de uso ininterrupto, o Sr. Asdrúbal dispõe das condições necessárias para proceder ao registo do terreno em seu nome dado que cumpriu todos os requisitos para adquirir a propriedade por usucapião depois de 15 anos na sua posse – pública, pacífica e de boa fé.
 
Como pode o Sr. Asdrúbal registar o imóvel em seu nome?
O Sr. Asdrúbal deverá dirige-se a um Notário para a celebração da escritura de justificação notarial, nos termos dos arts. º 89.º e ss. do C.N. (Código do Notariado), acompanhado de 3 testemunhas para comprovar a sua relação com o terreno em questão. Importa, porém, acrescentar que das testemunhas mencionadas não pode constar o cônjuge ou qualquer parente sucessível ao Sr. Asdrúbal. A escritura será publicada num jornal de expansão nacional ou local e, se ao fim de 30 dias contados após a publicação, ninguém reclamar, o Sr. Asdrúbal pode considerar-se dono do terreno.