1. Origem
 
No direito romano, as garantias reais de créditos eram divididas em duas categorias, a saber: a fidúcia cum creditore contract e o pignus.
 
Na primeira, o devedor fiduciante transferia a propriedade quiritária por meio de uma res mancipi ao credor fiduciário mediante macipatio ou in iure cessio. Ao mesmo tempo, acordava-se a restituição pelo fiduciário da propriedade ao solvens quando adimplida a obrigação; do contrário, este podia exigir a restituição. Se não pagasse o débito, permitiria ao credor a vender o bem a terceiro.
 
Historicamente, o penhor possessório consistia na transferência da posse da coisa ao credor através da traditio, em garantia a débito até seu pagamento pelo solvens. Contudo, isso retirava-lhe o poder de destinação do bem, seu potencial de produção e sua capacidade para cumprir a obrigação principal.
 
No Período Pré-clássico, os romanos perceberam os ótimos resultados de outra obrigação acessória na Grécia Antiga, em que era dispensável a transferência do bem ao credor. Com efeito, vinculava-se um bem específico à obrigação principal, o que a aproximou do pignus, sem a transferência de sua posse.
 
A hipoteca é originária do grego, do termo “hypotheca” e significa a submissão de uma coisa à outra. Era uma espécie de penhor independente de qual bem recaísse, em que se conferia publicidade através de uma pedra aposta na frente do imóvel. Todos que passassem teriam ciência da existência de um ônus sobre o imóvel.
 
O sistema romano foi herdado atavicamente pelo direito português e influenciou às regras das Ordenações do Império. No entanto, houve uma preocupação dos juristas lusitanos em se dar “ordem a esse caos” imperante no conhecimento jurídico residual romano.
 
2. Evolução legislativa no Brasil
 
A evolução das leis hipotecárias no Período Colonial, no Império e na República está atrelada ao Registro de Imóveis. Este, por sua vez, tem sua emergência atrelada ao presente gravame, uma necessidade a economia em desenvolvimento e do acesso ao crédito com juros mais baixos ao tomador e riscos menores ao mutuante.
 
A Lei nº 317, de 21 de outubro de 1843 criou o tímido Registro Geral das Hipotecas, regulamentado pelo Decreto nº 482, de 15 de novembro de 1846 e cópia da legislação francesa, espanhola e portuguesa. Atribuiu-se em caráter provisório a um tabelião, nomeado pelo presidente da respectiva província. Havia um em cada comarca do Império, vinculada a sua competência, conforme sito o bem oferecido em garantia. A hipoteca, à época, estava atrelada a publicidade dos registros, a prioridade dos títulos protocolados e a especialização do bem dado em garantia, como o é hodiernamente.
 
A Lei nº 1.237, de 24 de setembro de 1864, regulamentada pelo Decreto nº 3.453, de 26 de abril 1865, que substituiu a legislação supracitada. Em seu corpo de regras, manteve os tabeliães nomeados pela antiga sistemática, malgrado ressaltou o caráter constitutivo das hipotecas, sob pena de ineficácia perante terceiros; e revogou os ecos das Ordenações, além de editar um rol de direitos reais. Esse diploma é considerado um marco no sistema de publicidade de direitos sobre imóveis no Brasil, bem como instituidor o sistema do fólio pessoal, escriturado por transcrição.
 
Após sua previsão no Código Civil de 1916, foi incorporada à Lei nº 6.015, 31 de dezembro de 1973 em seu artigo 167, inciso I, item “2”, como um dos títulos aptos ao ingresso do fólio real por meio do ato de registro, contido no rol do artigo 167, inciso I, número “2”. A Lei de Registros Públicos se encontra vigente e regula à publicidade das transmissões imobiliárias no Brasil.
 
Apesar de pequenas alterações, manteve-se no atual “Codex Civile”, nos artigos 1473 a 1505, embora atrelada aos princípios gerais dos direitos reais de garantia, com o seu regime contido nos artigos 1.419 a 1.430 do mesmo diploma normativo.
 
Há certas leis especiais que disciplinam distintas categorias de hipoteca, tal qual a do Sistema Financeiro de Habitação (Lei nº 4.380, de 1964), a dos títulos de créditos agrários (Decreto-Lei nº 167, de 1967), dentre outras.
 
3. Conceito, natureza jurídica e princípios
 
Conceitua-se a hipoteca como um direito real de garantia, incidente sobre um imóvel ou outro bem especial, do próprio devedor ou de terceiros, que assegura o adimplemento de uma obrigação principal pelo accipiens, bem como lhe confere preferência em eventual excussão.
 
Trata-se de um direito com natureza civil, autônoma e acessória àquela do débito. Isto porque o Código Civil de 2002, não obstante a certas críticas, unificou o sistema privado, ao disciplinar as matérias referentes ao direito privado, salvo direito trabalhista e do consumidor.
 
Denota-se que a garantia em comento, por depender característica especial da coisa em nome do devedor ou de terceiro exige capacidade especial do garantidor (C.C., artigo 1.420, caput). Contudo, mantém-se o titular na posse, que não a perde como no penhor ou na anticrese (C.C., artigos 1.431. caput, e 1.506, caput); e disponível, em oposição à alienação fiduciária, a qual retira a faculdade de alienar o bem (Lei nº 9.514, de 1997, artigo 22, caput).
 
Igualmente, é forma de caução real lato sensu indivisível, pois o pagamento de uma ou mais prestações não importa em exoneração correspondente na garantia (C.C., artigo 1.421).
 
Ao titular do crédito se atribui o direito à excussão do bem e a preferência no crédito, na hipótese de inadimplemento, além do direito de sequela. Isso ocorre por sua ambulatoriedade, perseguindo o bem, independente de quem o titularize (C.C., artigo 1.422, caput). Contudo, ressalva-se que esta característica se limita ao valor recebido pelo bem em procedimentos falimentares, além de estar abaixo no rol de credores aos créditos trabalhistas e de acidentes do trabalho (Lei nº 11.101, de 2005).
 
Contudo, excetua-se deste princípio, a hipótese descrita no verbete sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça. Foi publicado em decorrência de entendimento sistemático e ampliativa, para proteção dos futuros adquirentes (em geral, consumidores). A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel em empreendimentos, como incorporações de condomínios especiais, parcelamentos do solo e outros.
 
4. Espécies e pressupostos
 
Importa frisar que a hipoteca tem espécies, quanto à origem e em relação ao seu objeto. A classificação a partir da procedência do ato organiza-se em convencional, seja por título ou por cédula de crédito, legal e judicial.
 
A primeira se constitui entre particulares a fim de garantir um débito sobre imóvel matriculado no fólio real. Em geral, o seu título, como demonstrado, tem forma de instrumento público ou particular (contrato ou cédula de crédito), podendo ser cláusula especial em contratos firmados sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação, ou garantir dívidas futuras ou condicionadas. O seu fundamento é a autonomia privada dos contratantes, limitada pelas normas de ordem pública, os bons costumes.
 
A hipoteca convencional demanda, quando o imóvel for de valor superior a trinta salários-mínimos vigentes, escritura pública, portanto é formal ad solemmitatem e se constitui com o registro na circunscrição do imóvel. Mesmo que se adstrinja a fração ideal do bem, o cálculo é feito com base no imóvel, segundo a Lei nº 11.331, de 2002 de São Paulo, e da própria sistemática da hipoteca.
 
Por outro lado, se a proteção do crédito recair sobre um imóvel com valor abaixo de trinta salários-mínimos, será de natureza formal ad probationem. Ressalta-se, ainda, aquela constituída em Cédula de Crédito Hipotecária ou, no Sistema Financeiro de Habitação, quando há permissão legal para forma escrita, por instrumento particular, com força de escritura pública quando emitida por uma entidade financeira.
 
A legal é resultante de situações jurídicas que o legislador entendeu existir vulnerabilidade em uma das partes; ou então, que o bem jurídico tutelado possua importância sobressalente, como de pessoas de direito público, arrematantes, coerdeiros, para garantia de seu quinhão ou torna da partilha, ofendidos em delitos, os filhos de pais e mães, que passarem a outras núpcias sem inventariar os bens do casal anterior (C.C., artigo 1.489, caput e seus incisos).
 
Dependem para o registro, com eficácia declaratória, de especialização do bem, com prazo de vinte anos para ser realizada a uma nova especialização (C.C., artigo 1.498). A especialização ocorrerá em juízo, cuja decisão fundada em pedido do onerado ou terceiro interessado, instruído com a estimativa para a sua efetivação e prova do domínio. Registrar-se-á com fulcro em mandado judicial ou carta.
 
O registro desenrola-se em dois momentos, conforme Clóvis Bevilaqua. Para a constituição de fatos geradores do vínculo, como o casamento, a tutela, a posse de um cargo etc. Assim, nesta primeira etapa há um vínculo potencial e indeterminado sobre a imóveis do devedor e não produz eficácia perante terceiros. A partir da especialização e registro surge o direito real, provido de aderência à coisa e preferência no recebimento de seu valor.
 
Situação diversa é a hipoteca judicial, em que basta para o registro a cópia de certidão de decisão judicial condenatória seja de pagamento consistente em dinheiro, ou aquelas conversíveis de prestação de fazer, de não fazer e de dar coisa em prestação pecuniária.
 
Urge ressaltar que o título judicial é de natureza constitutivo e prescinde do trânsito em julgado para ter aptidão de ingresso no fólio real. Ademais, a inscrição é facultativa ao interessado e independente de seu trânsito em julgado ou de sua certeza e liquidez. Isso porque, mesmo que a parte não pratique o ato, a decisão judicial produzirá eficácia inter partes.
 
Para se constituir com eficácia erga omnes e se atribuir prioridade ao direito do exequente, sujeita-se a prenotação de requerimento, assinado, reconhecida à firma, e instruído da cópia da certidão referida. As outras espécies vinculam-se às formas de título definidas pela Lei de Registros Públicos, para a inscrição em matrícula, seja instrumento público ou particular, mandado judicial, carta de adjudicação ou arrematação etc. (LRP, artigo 221, caput e incisos).
 
O protocolo confere prioridade ao título na qualificação do oficial e, se positiva for, ao registro na tábula do imóvel a constituição da hipoteca (C.C., artigo 1.245, e L.R.P., artigo 167, I, “2”). Se for negativo, por falta de elementos no título, ou mesmo a inviabilidade de ingresso, será emitida ao apresentante uma nota devolutiva, em papel timbrado do cartório, ou eletrônica, escrita de modo claro e objetivo, especificando os óbices à sua registrabilidade. Se forem corrigidos os erros no prazo de prenotação — 30 dias do protocolo — será inscrita com a mesma precedência; todavia, se a parte discordar, ou for impossível o atendimento dos óbices, faculta-se ao interessado suscitar dúvida.
 
Quando há pluralidade de hipotecas em graus de preferência diferentes, descritas no título da hipoteca, de acordo com a sua supremacia sobre o produto de arrematação ou adjudicação em leilão judicial, motivado por inadimplemento do débito garantido ou diverso. Neste caso, o título de hipoteca, com referência à anterior, terá suspenso o prazo de prenotação por trinta dias, para que os interessados promovam a inscrição. Acaso o prazo deflua sem a prática deste ato, o título suspenso ganhará a prioridade no exame de legalidade e, na hipótese de ser registrado, preferência em eventual concurso de credores, sejam quirografários, com preferência, seja os hipotecários de grau inferior, que talvez sejam registrados a posteriori (L.R.P., artigo 189).
 
Por fim, a hipoteca das estradas de ferro, disciplinada por dispositivos especiais no Código Civil, são passíveis de hipoteca. Apesar de a matrícula ser aberta na circunscrição imobiliária por onde transpassa a própria via férrea; a hipoteca será registrada na estação inicial e averbada nas matrículas abertas in loco.
 
Trata-se uma exceção ao princípio da territorialidade dos Registros Imobiliários (L.R.P., artigo 169, caput e 171), motivada pela Lei nº 13.465, de 2017, que ao modificar o seu regime jurídico na Lei de Registros, não o fez no Código Civil. Então, a despeito de ser factível a abertura de matrícula no local onde esteja a própria linha, a existência de lei geral, anterior e especial mantém a sua hipoteca como atribuição do Registro de Imóveis do local da estação inicial, a qual incorpora a integralidade da respectiva linha (LINDB, artigo 3º, caput e incisos; C.C., artigo 1.506).
 
O objeto da hipoteca, dessa maneira, será a linha, os ramais e material de exploração possuem economicidade, com aptidão para garantir um crédito. Ademais, os novos direitos acessórios incluem-se à garantia, tais como as acessões, as benfeitorias e as construções se agregam ao imóvel, mesmo após a inscrição. Esta é uma grande qualidade da hipoteca, inexistente na alienação fiduciária, que não alberga as alterações acrescidas ao objeto.
 
Cumpre menção ao registro de imóveis que serão loteados ou objeto de instituição de condomínio edilício (C.C., artigo 1.488), quando onerados por hipoteca, a qual é exceção á indivisibilidade deste tipo de gravame O ônus pode ser cindido em cada matrícula aberta para os lotes ou as unidades autônomas resultantes. Para tanto, é um de seus requisitos o peticionamento pelo credor, pelo devedor ou pelos proprietários pedindo autorização judicial. Cada matrícula conterá, mediante mandado judicial, o valor proporcional do crédito e do débito.
 
Outrossim, a garantia hipotecária, a dívida futura ou condicionada é possível, desde que determinado o valor máximo do crédito a ser gravado. Se for suspensiva, não será ato de registro, por não se constituir atos eventuais e reais na tábula, embora haja opiniões divergentes. Contudo, mostra-se permitido de a condição for resolutiva ou o termo para fixação do valor operador.
 
A hipoteca é evolução da fiducia no Direito Romano, pois a mobilidade dos bens gera a circulação de riquezas. A alienação fiduciária, no direito pátrio, sucedeu por incompreensível fato no âmbito jurídico à hipoteca, isto é, o em caminho inverso do romano. Essa modificação é deletéria ao mercado imobiliário e a circulação de riquezas, porquanto causa a indisponibilidade do bem afetado ao débito e impede o devedor fiduciante de buscar mais crédito ou alienar o bem. Talvez fosse o caso de se repensar a Súmula nº 308 do Superior Tribunal de Justiça e a legislação vigente, para se privilegiar à circulação de riquezas; preservar o poder de segurança da hipoteca sobre o todo e em concurso de credores (Lei nº 11.101, de 2006, artigo 49, § 3º).