Embora o tema central do caso fosse outro, o STF acabou quebrando um paradigma, até então, consolidado pela jurisprudência e pela doutrina
 
No fim de 2020, o Supremo Tribunal Federal – STF fixou a seguinte tese, nos autos do Recurso Extraordinário 796.376, julgado em repercussão geral (tema 796): “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.”.
 
O relator do caso, ministro Marco Aurélio, acompanhou, basicamente, o entendimento do Direito Contábil no sentido de que o valor adicional na integralização de capital social (ágio) entraria na sociedade como reserva de capital (artigo 182, § 1º, alínea “a”, lei 6.404/76), especificamente na conta do patrimônio líquido. Assim, por se tratar de investimento direto em sociedade empresária, deveria receber tratamento idêntico ao capital social em si, não incidindo, portanto, ITBI sobre a operação, até porque a norma imunizante tem o escopo de prestigiar o desenvolvimento nacional (artigo 3º, inciso III, da Carta Magna), por meio do trânsito jurídico de bens.
 
O voto do relator, no entanto, foi vencido, por placar apertado (7×4), prevalecendo o entendimento exteriorizado pelo ministro Alexandre de Morais (relator para o voto vencedor). Ao contrário do relator originário do caso, o voto vencedor embasou o seu fundamento na impossibilidade de interpretar extensivamente a norma imunizante para abarcar o valor excedente do bem integralizado ao capital social da pessoa jurídica, prendendo-se a uma interpretação gramatical (literal) da referida norma constitucional.
 
Além disso, o ministro Alexandre de Morais, em seu voto, apontou que não há qualquer exceção que permita a não incidência de ITBI sobre o valor excedente do bem incorporado, inclusive que a única ressalva feita no artigo (156, § 2º, I, da Constituição Federal) se refere exclusivamente aos casos de fusão, incorporação, cisão e extinção; ou seja, a única ressalva feita não se aplica aos casos de operações societárias envolvendo a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital.
 
Com efeito, pelo entendimento majoritário firmado pelo STF no caso, chega-se à conclusão de que a desoneração constitucional referente ao ITBI na integralização de capital social é incondicionada – termo utilizado pelo relator do voto vencedor. Noutro giro semântico, extrai-se do voto vencedor o entendimento de que as sociedades cuja atividade preponderante seja compra e venda de bens e direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil também fazem jus à desoneração do ITBI, quando incorporarem bens ou direitos ao seu patrimônio em realização de capital.
 
Fato é que, embora o tema central do caso fosse outro, o STF acabou quebrando um paradigma, até então, consolidado pela jurisprudência e pela doutrina. Era uníssono no mundo jurídico o entendimento de que as sociedades cujo objeto social fosse atividade imobiliária (compra, venda ou locação de bens imóveis e seus afins) estariam sujeitas ao ITBI no caso da integralização de imóvel ao capital social.
 
A questão é: trata-se de um novo entendimento (paradigma) assentado pelo STF, até porque foi julgado em repercussão geral, ainda que não se discutisse tal ponto, ou trata-se de um mero equívoco de afirmações que levaram a uma conclusão indesejada (acidente colateral) – vale lembrar que o artigo 37 do Código Tributário Nacional – CNT faz a mesma ressalva? Ainda é muito cedo para saber, mas será interessante ver o comportamento dos Tribunais depois do julgamento desse assunto (tema 796).