O Plenário do Supremo Tribunal Federal proferiu decisão controversa relativa à hipótese de não incidência do imposto sobre transmissão onerosa, por atos inter vivos de bens imóveis, quando o imóvel for conferido à sociedade para fins de integralização de seu capital social, caso o valor do imóvel seja maior do que o capital social da empresa.
A decisão do RE 796.376, do segundo semestre de 2020, fixou a tese de repercussão geral no sentido de que “a imunidade prevista no inciso I do § 2º do artigo 156 da CF não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.
Primeiramente, o ITBI é um imposto municipal aplicável quando da transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis. A não incidência está descrita no §2º do artigo 156 da CF, conforme abaixo:
“Artigo 156 —
(…)
§2º. O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
Por sua vez, a caraterização da atividade preponderante está descrita no artigo 37 do CTN, conforme abaixo:
“Artigo 37 — O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
1º. Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo.
2º. Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
3º. Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data”.
Com base na CF e no CTN, pode-se dizer que a regra legal é a de não incidência do ITBI quando da integralização de bens imóveis ao capital social de uma sociedade, excetuando-se somente quando ficar demonstrado, pelo ente tributante, que a atividade exercida pelo contribuinte seja preponderantemente imobiliária.
O caso julgado pelo STF era o seguinte: os sócios da sociedade em questão integralizaram o capital da sociedade no valor de R$ 24 mil, mediante transmissão de 17 imóveis no valor total de R$ 802 mil. Ainda, os sócios determinaram que R$ 778 mil seriam destinados à conta de reserva de capital da sociedade.
A discussão do STF girou em torno da incidência ou não do ITBI sobre o valor de reserva de capital. O STF decidiu que a parcela destinada à reserva de capital da sociedade em questão estaria sujeita ao ITBI, uma vez que não tributar o valor destinado para a reserva de capital seria interpretar o artigo 156 da CF de forma extensiva.
De acordo com o ministro Alexandre de Moraes, redator do acórdão, a imunidade de ITBI deve ser interpretada de forma estrita e não alcança o valor do imóvel não destinado “à integralização do capital subscrito, e sim a outro objetivo — como, no caso presente, em que se destina o valor excedente à formação de reserva de capital”. Para ele, a imunidade deveria se restringir ao que foi consignado na conta de capital e, assim, a parcela do valor do imóvel registrada como “reserva de capital” deveria ser tributada. O entendimento foi seguido pela maioria do tribunal, vencido o próprio relator, ministro Marco Aurélio, para quem a intepretação teleológica do dispositivo constitucional levaria à conclusão de que a totalidade do valor do imóvel estaria coberta pela imunidade, pouco importando se a subscrição do capital social foi realizada com ou sem ágio. A posição do relator foi seguida pelos ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, também vencidos.
Ocorre que a CF não faz qualquer menção à proporção entre o valor do imóvel que foi transferido e o capital social da sociedade que recebeu o imóvel. O reconhecimento da imunidade dar-se-á simplesmente quando da transferência de propriedade para a sociedade que não tiver a atividade imobiliária como atividade preponderante.
De fato, os imóveis passaram a integrar o conjunto de bens da sociedade em questão, bem como a conta de reserva de capital e de capital social são parte integrante do patrimônio líquido da sociedade. Portanto, pode-se concluir que, do ponto de vista jurídico e contábil, os imóveis passaram a constituir o patrimônio da sociedade, nos termos da previsão constitucional de realização de capital.
Conclusão: a transferência de bens imóveis em integralização do capital social subscrito é operação comum na estruturação de empresas e não deveria estar sujeita à incidência de ITBI, quando a atividade preponderante desta sociedade não seja imobiliária, independentemente do que for alocado em capital social ou reserva de capital.