Ressarcimento da dívida é condicionado ao tipo de contrato firmado e até mesmo à existência de bens deixados pelo falecido, apontam advogados
 
É incomum, mas não impossível, acontecer de o consumidor pagar antecipadamente por um produto ou serviço e, antes da respectiva entrega e execução, o fornecedor morrer.
 
Isso aconteceu com 30 mulheres que contrataram um serviço de “Dia de Noiva”, em um salão de beleza, no Bairro Montese, em Fortaleza. A proprietária do estabelecimento morreu em janeiro vítima de Covid-19 e a filha assumiu o negócio, mas informou, via redes sociais, o encerramento das atividades. Até agora, as noivas não sabem se o serviço, que custou a elas mais de R$ 30 mil, será ou não executado.
 
O que fazer em situações como essa? 
 
De acordo com o membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/CE, Carlos Siebra, é importante que, inicialmente, o consumidor cheque se a empresa continuará aberta ou não. E entre em contato com familiares do ex-proprietário ou com quem esteja responsável pelo negócio para tentar resolver o problema amigavelmente. 
 
Caso não haja retorno ou acordo, o próximo passo é procurar a ajuda de um advogado de confiança. De preferência, com conhecimentos em Direito do Consumidor e Direito Sucessório. 
 
Quando o problema lesar mais de uma pessoa, como foi o caso das 30 noivas, os consumidores podem mover uma ação coletiva. Isso confere mais peso ao processo judicial.
 
Pessoa física x pessoa jurídica
 
As providências, conforme Siebra, vão depender se o contrato foi firmado com pessoa física ou jurídica. “Se firmado com pessoa jurídica, que seria o fornecedor do serviço, e a empresa permanecer (aberta), o consumidor continua com o contrato ativo. Se não cumprirem com o que foi prometido, é possível ativar os meios de defesa do consumidor e até mesmo a Justiça”. 
 
Já se o contrato for fechado com pessoa física, o direito do consumidor se transforma em direito sucessório. “É bom pesquisar pelo CPF (do falecido) a situação de inventário para saber se havia patrimônio em nome dele. Fazer busca em cartório para saber se ele possuía imóveis, fazer busca no Detran para saber se ele possuía carro e, assim, tentar solver a dívida”.
 
Espólio
 
Secretário-adjunto da Comissão de Direito do Consumidor (CDC) da OAB/CE, Sávio Sá explica que, quando o proprietário da empresa em questão não tem sócios, na prática, a empresa “morre com ele”. 
 
Nesse caso, a família da pessoa falecida deve solicitar a extinção da pessoa jurídica e tudo o que foi deixado vira espólio. Ou seja, entra para o conjunto de bens e direitos da pessoa falecida, incluindo imóveis, saldos em contas bancárias, carros, etc. 
 
A situação em questão deverá ser regularizada por meio de um inventário, a partir do qual é realizada a transferência de propriedade do falecido para os herdeiros, bem como para o pagamento de dívidas. O advogado ressalta que o pagamento da dívida dos credores ou de impostos, por exemplo, se sobrepõe à distribuição da herança.
 
Abertura de inventário 
 
Mesmo que “a família não abra inventário para apurar os bens e as dívidas do CNPJ e da pessoa física (do falecido), o credor é parte legitimada para requerer a abertura desse inventário”, diz Sávio Sá.
 
Caso o inventário seja aberto pela família, o consumidor lesado deve se habilitar no processo judicial de inventário, demonstrando a realização dos pagamentos. Assim, pode requerer uma parte dos bens, caso haja, e garantir a devolução dos valores que foram pagos.  
 
O secretário-adjunto da OAB-CE lembra que, quando o proprietário do negócio morre, ninguém tem legitimidade para movimentar a sua conta bancária. Isso poderá ser feito somente por meio de alvará judicial. 
 
“É nesse momento que os credores devem ficar atentos às movimentações no Tribunal de Justiça para ver se tem algum inventário aberto, se tem algum pedido de alvará para levantamento de valores tramitando no Fórum da cidade para poderem requerer também e se habilitar como credores daquela parte falecida”.
 
Prejuízo
 
Se o falecido não deixar bens ou saldo bancário suficientes para saldar a dívida, o consumidor, inevitavelmente, não poderá ser ressarcido. 
 
“As dívidas vão ser pagas até o montante dos valores dos bens que os falecidos deixaram. Então, se as dívidas foram maiores que os bens, ou eles não existirem para que possa ser realizado esse pagamento, infelizmente, esses consumidores vão ficar no prejuízo”.
Em termos gerais, acrescenta Sá, os familiares não têm a responsabilidade de honrar a dívida, ainda que tenham condições financeiras para isso. 
 
“Se a contratação foi feita através de uma pessoa física ou jurídica e ela veio a falecer, o que resguarda é a contratação feita junto àquela pessoa”.  
 
O barato que sai caro
 
Para evitar enfrentar problemas do tipo, Sávio Sá recomenda ao consumidor contratar serviços ou comprar produtos somente de empresa que tenham condições financeiras e renome no mercado para arcar com prejuízos, caso o proprietário venha a falecer.
 
“Se o dono da empresa não deixar bens, nem saldo em conta que possa garantir o débito os consumidores realmente vão ficar sem a prestação do serviço e sem o dinheiro de volta”.